Por que as pessoas estão saindo do Facebook

Usuários relatam perda de tempo, discussões vazias e desgaste emocional entre as principais razões; especialistas analisam fenômeno


Por Júlia Pessôa

15/10/2017 às 07h00

Era meu aniversário, acho. Sei que, para facilitar, montei um evento no Facebook e fui chamando as pessoas, já sabendo que alguns amigos e amigas não estavam lá. Mas checando os nomes, vi que a Luciana Peralta, conterrânea de Três Rios, amiga da vida e colega de profissão, não aparecia. Passei a mão no telefone e mandei, no WhatsApp: “Lu, vc saiu do FB, menina?”. “Saí sim…kkk”, ela responde, as duas em bom internetês. Na época, nem lembro se o assunto se estendeu ou se fomos logo falar do festejo para qual ia convidá-la, mas é fato que cada vez mais pessoas fazem como a Luciana e deixam a rede de Zuckerberg – ou pensam em fazê-lo.

De acordo com uma pesquisa realizada pela Kaspersky Lab, empresa russa produtora de softwares de segurança para a internet, 73% dos usuários brasileiros de redes sociais pensam em excluir seus perfis, mas não o fazem porque não querem ficar sem seus amigos e recordações. Ainda segundo o levantamento, o motivo principal para o desejo seria por considerarem as plataformas uma perda de tempo. O estudo mundial, realizado on-line, teve 4,8 mil participantes, sendo 887 deles brasileiros.

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Desde que excluiu sua conta no “Face” – apelido íntimo concedido pelos brasileiros – em 2015, Luciana, que atua como assessora de imprensa, sente que tem feito melhor proveito de seu tempo. “Tenho paz, qualidade de vida. Não tenho aquela ‘obrigação’ de ficar checando o feed toda hora para ver se tem alguma novidade, e até mesmo stalkear as pessoas, né? (Que apesar de uns não admitirem, todos fazem! (risos)). Fora o rendimento no trabalho. Melhora muito, você fica mais focada”, aponta ela, que ainda mantém, em paz, seu perfil no Instagram.

O que tem contribuído para evasão

Para a pesquisadora Ana Paula Nunes, especialista em mídia, cultura e informação pela USP, no caso específico do Facebook, a decisão em desativar o perfil pode estar relacionada com seu algoritmo, mecanismo que, entre outras funções, hierarquiza as informações que serão exibidas nas timelines dos usuários. “Apesar de ser sempre alterado, o Facebook tem contribuído para a disseminação das fake news (notícias falsas), o que causa desconfiança e até mesmo insatisfação com o conteúdo publicado. Outro ponto importante, a meu ver, é o ‘efeito bolha’ dentro da plataforma. Apesar de ter uma gama grande amigos, você acaba interagindo e visualizando publicações de uma parcela muito pequena dessas pessoas. Assim, a rede se torna rotineira ou ainda desinteressante, já que você recebe o mesmo tipo de publicações em seu feed”, esclarece.

Ana Paula pondera, entretanto, que embora haja outras redes sociais e plataformas de interação e divulgação, o Facebook oferece mais facilidade ou melhores resultados em diversas finalidades. “Como os grupos criados por pessoas com interesse em comum e a possibilidade de criação de listas para publicação de conteúdos a serem visualizados por diferentes públicos, além da facilidade em consumir notícias pela mesma plataforma. Para muitos casos, é uma excelente mídia e gratuita, então, quando a finalidade da publicação é a divulgação ou autopromoção, a relevância da plataforma é inquestionável. Você consegue atingir um número alto de pessoas em pouquíssimo tempo. E isso pode ser mobilizado para inúmeros fins: quantas pessoas não vendem produtos ou desapegos pela rede? Ou mesmo quantas pessoas não se mobilizam para encontrar lares para animais abandonados através de publicações no Facebook? Até mesmo denúncias acabam ocorrendo pela rede devido à grande exposição que a mesma proporciona”, pondera.

Dora Sampaio, psicóloga do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, acrescenta que, apesar de não impactar necessariamente os laços sociais mais fortes, a saída do Facebook pode causar o afastamento de algumas amizades. “Estou falando de pessoas queridas, mas com quem não temos muito contato, como amigos de infância, ex-colegas de escola ou trabalho… No Facebook , você acaba vendo um pouco a vida da pessoa, como ela pensa, ‘participando’, sabendo das coisas de uma forma descompromissada, sem um engajamento ativo. Sair da rede faz com que isso se perca ou se torne mais difícil”, opina.”

Abandonar a rede pode não ser a solução

Quanto a outra preocupação frequente apontada por quem sai ou pensa em sair do Facebook, a privacidade, a pesquisadora acredita não se tratar de uma questão específica da plataforma. “Não acho que desativar a conta promova uma grande resolução neste quesito, uma vez que estamos consumindo informações na internet de outras formas o tempo todo, e, consequentemente, deixando rastros também. Além disso, somos capazes de controlar o nível de exposição que podermos ter na rede através de escolhas pessoais e também por meio das configurações de privacidade na própria plataforma.”

Na visão da psicóloga Dora Sampaio, os impactos positivos ou negativos sentidos pelas pessoas que se desligam da rede social dependem muito da maneira como a utilizavam. “O Facebook, em si, é neutro, como qualquer outra tecnologia. Tanto é que muitas pessoas que se desligam dele continuam em outras redes sociais e não veem problema. A questão, a meu ver, é que tipo de uso se faz dele. Se o Facebook realmente desencadeia estresse, raiva, desgaste ou outros estados negativos, ainda que a pessoa não tenha vício em sua utilização, aí, realmente, é preciso repensar a presença virtual naquele ambiente”, analisa a especialista.

 

Existe vida após o Facebook?

Conheça a vida de quem clicou “sim” para a pergunta “Deseja desativar sua conta?”

 

(Arquivo pessoal)

Luciana Peralta
32 anos, assessora de imprensa

“Fui diagnosticada com transtorno de ansiedade e minha psicóloga recomendou que eu evitasse tudo e todos que me traziam mais ansiedade. E o Facebook estava nessa lista: era o dia todo com ele conectado, por conta do próprio trabalho. Só que pessoas se acham as ‘donas da verdade’, mas não se dão ao trabalho de ‘dar um Google’ e conferir uma suposta notícia. Eu pensei: ‘não tenho que aturar desaforo de quem fala besteira só porque trabalho em órgão público’. Porque somos tentados a responder para esclarecer, mas geralmente os intolerantes do Facebook não estão dispostos a uma boa explicação e isso pode acabar virando uma discussão. E isso me acrescenta o que? Nada! Foi a melhor coisa que fiz na vida!”

 

 

(Arquivo pessoal)

Rodrigo Tavares
38 anos, gerente de TI e músico

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“Estava perdendo muito tempo com nada no Facebook. Acessava o aplicativo toda hora, e além disso, sou muito participativo em questões políticas e de acesso a direitos. Discuti muito por cota de questões de gênero e homofobia, por exemplo, e, nessa, entrava em bate-bocas que eu não entraria pessoalmente com a pessoa. E vi que não precisava me expor e me desgastar desta forma. Como tenho uma filha de 7 anos, também pensei na privacidade dela e no tipo de exposição minha que ela poderia ver. Ainda tenho Twitter, Instagram e LinkedIn, mas uso pouco, e não penso em voltar para o Facebook. Talvez como página, para divulgar meu trabalho musical, mas meu perfil pessoal, não.”

 

 

 

Lilith Sarmento
23 anos, estudante de psicologia

“Em 2014 desativei o Facebook por uns quatro meses, porque acabava vendo muita coisa que eu queria só ‘desver’, muita briga, muita fofoca da vida dos outros. Voltei por causa de um grupo da faculdade, na época postavam tudo da semana lá, e eu estava perdendo muito conteúdo porque ninguém mandava pelo WhatsApp. Quando voltei, decidi que não ficaria igual às pessoas que param a vida e ficam em função de rede social. Vi que se for realmente importante, podem me encontrar de outra forma, como, por exemplo, me ligando! Hoje em dia, não tenho mais o app no celular e quase não entro no computador, finalmente aprendi que eu posso me distanciar do que quero. Às vezes entro pra ver como estão as coisas por lá, posto uma foto ou outra, mas não me sinto mais presa a ele.”

 

 

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