MP pede que homologação de acordo firmado entre PJF e Tusmil seja rejeitada
Município e concessionária acertaram termos para evitar batalhas judiciais sobre processo de caducidade que resultou na rescisão do contrato do Consórcio Manchester
A 22ª Promotoria de Justiça, de curadoria do patrimônio público, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) se posicionou de forma contrária a um acordo firmado entre a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) e o Consórcio Manchester. O termo assinado pelas partes visa botar fim às discussões judiciais movidas pela concessionária contra o processo administrativo da PJF que resultou no decreto de caducidade e, consequentemente, na rescisão unilateral do contrato de concessão assinado em 2016 com o consórcio para a prestação de serviço de transporte coletivo urbano na cidade. Desde setembro, as atividades foram assumidas integralmente pelo outro grupo que já operava no sistema, o Consórcio Via JF. A contrariedade do MPMG foi manifestada por solicitação feita à 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias Municipais da Comarca de Juiz de Fora de que seja rejeitado o pedido de homologação do acordo feito pelas partes envolvidas.
O acordo em questão foi assinado no último dia 12 de setembro e prevê, entre outros pontos, que o Consórcio Manchester, formado unicamente pela empresa Tusmil, abra mão de questionamentos já em andamento ou futuros sobre o processo de caducidade, acatando, portanto, a rescisão contratual. Por outro lado, a PJF renuncia a possíveis multas e sanções administrativas pelo descumprimento do contrato por parte, infração alegada para a ruptura da concessão. No dia 14 de setembro, o documento foi juntado a um mandado de segurança movido pela Tusmil, que questiona exatamente o processo de caducidade. Segundo requerimento feito pela empresa, “as partes realizaram acordo envolvendo direitos e obrigações relacionados à extinção do contrato de concessão de transporte público municipal”. No mesmo pleito, conforme previsto no termo assinado entre o Consórcio Manchester e a Prefeitura, a Tusmil solicitou a extinção do mandado de segurança em questão.
Recomendações
O posicionamento de contrariedade da 22ª Promotoria de Justiça foi informado pela primeira vez à Prefeitura e à Tusmil em reunião realizada com representantes das três partes envolvidas no último dia 4 de outubro. Segundo a ata do encontro, durante o compromisso, o Ministério Público informou sua discordância com o acordo, mas “em razão das ressalvas de indenizações”, não foi “possível no momento a anuência de todos para alterar o acordo”. Sem entendimento, a 22ª Promotoria de Justiça encaminhou, no dia 5, recomendações ao Município e à Tusmil, pedindo que a Prefeitura e a concessionária declarassem o acordo como inválido.
No documento encaminhado ao Município, a 22ª Promotoria de Justiça recomendou à Prefeitura a “declaração da invalidação do acordo firmado”, “pelo menos quanto à renúncia à aplicação de penalidades administrativas legais e contratuais e disposição sobre danos, sob a forma de reconhecimento de que não houvera dano ou prejuízo ao interesse público”. Da mesma forma, à concessionária, foi recomendada a “declaração da invalidação do acordo” ou a “anuência à declaração de mesmo teor pelo Município”. Nos dias 6 e 7, a concessionária e a PJF, respectivamente, negaram a recomendação e apresentaram argumentos diversos, entre eles, que isso significa insegurança na prestação do serviço público.
Diante da negativa, a 22ª Promotoria de Justiça voltou a fazer a recomendação às partes no dia 10. “A extinção das ações relativas à caducidade não põe fim à controvérsia judicial, tanto que o novo pedido indenizatório já foi aviado em face do erário Municipal. A segurança jurídica deve, também, voltar-se para proteger a coletividade, o que não ocorreu no presente caso, para quem a segurança somente se dará com a retirada da ação indenizatória”, afirma o Ministério Público.
Com entendimento similar, também no dia 10, a 22ª Promotoria de Justiça solicitou à 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias Municipais da Comarca de Juiz de Fora que seja rejeitado o pedido de homologação do acordo, “tudo sem prejuízo da continuidade da tramitação do inquérito civil correlato, que apura responsabilidades”. “Não há sentido na extinção de uma ação e propositura de outra, com mesma causa de pedir e pedido de reequilíbrio econômico. É isso que se postula”, reforça o Ministério Público, pontuando que, a despeito do acordo prever a extinção de ações questionando o decreto de caducidade, ele permite que a concessionária mova, contra o Município, outros questionamentos judiciais de vieses indenizatórios.
Para Promotoria, termo é ‘juridicamente lesivo’
Segundo a 22ª Promotoria de Justiça, a posição contrária ao acordo se dá pelo entendimento de que os termos firmados entre as partes são juridicamente lesivos. Não há, no entanto, por parte do Ministério Público, discordâncias sobre o processo de caducidade ou mesmo com a construção de um acordo entre as partes para pacificá-lo. Por outro lado, o entendimento da é de que os possíveis ilícitos estejam nas previsões de renúncia, pelo Município, à aplicação de sanções pelos descumprimentos que foram objeto de autuações da empresa, bem como pela declaração de que não houve danos, “considerando que o direito coletivo dos usuários à prestação do serviço foi afetado, bem como outros desdobramentos possíveis”.
“Além disso, o acordo ressalvou a possibilidade da postulação, pela empresa, de indenização pela manutenção da tarifa em 2020, mesmo tendo havido subsídio de recursos públicos pagos em 2021 e que ainda estão sendo pagos em 2022. E a possibilidade se concretizou, pois a empresa já apresentou, dias depois do acordo, ação judicial contra o erário municipal para ser ressarcida”, afirma a 22ª Promotoria de Justiça.
Para o Município, ‘penalidade maior’ já foi aplicada
Na resposta à primeira recomendação feita pela 22ª Promotoria, no dia 7, a Prefeitura de Juiz de Fora afirmou que o cumprimento da requisição pode resultar em “graves prejuízos ao interesse público”. Assim, o Município defendeu a manutenção dos termos pactuados com o Consórcio Manchester. Para defender seu entendimento, a PJF rememorou que “o procedimento administrativo instaurado para apurar a possível caducidade foi objeto de discussão judicial, com diversas decisões com conteúdos opostos”. O posicionamento foi anexado ao processo movido pelo Consórcio Manchester e leva a assinatura do procurador-geral do Município, Marcus Motta Monteiro de Carvalho.
“A decisão de celebrar o acordo, nos moldes em que foi lavrado, foi, na visão do Município, a solução possível para se colocar um fim na controvérsia judicial (esta que, como ocorreu em outros entes federativos, poderia vir a durar anos, com enorme prejuízo para os usuários do serviço) e, com isso, assegurar aos moradores de Juiz de Fora o acesso ao serviço público de transporte coletivo urbano com a qualidade necessária”, afirmou a Prefeitura. O Município ainda pontuou que, na reunião realizada no último dia 4, intermediada pelo Ministério Público, “o Consórcio Manchester não manifestou anuência relativamente à possibilidade de revisão do acordo celebrado”.
Desta forma, a PJF alega que a revisão unilateral do acordo, poderia trazer à tona todo o quadro de judicialização existente até o mês de setembro, situação esta que colocaria em xeque o sistema de transporte coletivo urbano da cidade. A Prefeitura alega ainda que a segurança jurídica trazida pelo acordo celebrado possibilitou, por exemplo, a transferência dos funcionários do Consórcio Manchester para o Consórcio Via JF, “assegurando a manutenção dos postos de trabalho e a prestação, sem descontinuidade, dos serviços, bem como o investimento na integração ao sistema de 170 ônibus novos”.
Com relação ao fato, questionado pelo Ministério Público, de que o acordo resulta na renúncia à aplicação de penalidades administrativas legais e contratuais, a PJF considera que “a soma de todas ainda assim resultaria num valor substancialmente inferior ao da multa decorrente da rescisão contratual antecipada, multa esta que, como exposto acima, apresenta o risco de, em decisão judicial futura, ter seu ônus atribuído ao Município”. Neste caso, o Município entende que a aplicação da caducidade e a consequente rescisão do contrato, seria uma “penalidade maior”, que já englobaria “as penalidades menores”, como multas, advertências e afins. “Portanto, considera o Município que o conjunto de infrações já recebeu a penalidade devida: a caducidade”, finaliza a PJF.
Para Tusmil, maior renúncia coube à concessionária
A resposta da Tusmil à recomendação feita pela 22ª Promotoria de Justiça também consta no processo e foi feita no dia 6. A concessionária lembrou que, desde o início do procedimento no qual foi decretada caducidade do contrato de concessão, as partes “travaram verdadeira batalha jurídica, quer nos autos do respectivo processo administrativo, quer nas ações judiciais mencionadas na própria recomendação”. Assim, o entendimento também é de que o acordo coloca fim às contendas judiciais.
“O acordo, que visou regular os efeitos da extinção contratual decorrente da decretação de caducidade, tornando definitiva e incontroversa a rescisão por caducidade do contrato de concessão não beneficiou o Consórcio Manchester, como parece ser o entendimento esposado na recomendação, mas deu segurança jurídica para todos os envolvidos. E, para isto, a maior renúncia foi apresentada pelo concessionário, pois abriu mão do próprio contrato, com uma perda gigantesca”, afirmou a Tusmil.
Sobre o entendimento para que não sejam aplicadas, pelo Município, multas e outras sanções pecuniárias, a concessionária considerou que, só em 2020, já acumulou prejuízos que somam marcas superiores a R$ 35 milhões. “Por isto, se houve alguma deficiência na prestação do serviço não foi, como se pode concluir, por culpa do concessionário, mas porque, antes, o Município deixou de cumprir sua principal obrigação no contrato de concessão, que é remunerar adequadamente o serviço, e ainda se precipitar em um procedimento de caducidade”, afirmou a concessionária.
A Tusmil ainda questionou a alegação do PJF, de descumprimento do contrato, usada para decretar a caducidade do contrato de concessão. “Após o início da pandemia da Covid-19, que provocou queda de demanda de passageiro na ordem de 70%, sem que a oferta do serviço tenha sido reduzida no mesmo percentual, e, embora mantida a integral despesa com pessoal, que impacta o cálculo de apropriação de custos do sistema, para apuração do valor tarifário, em 50%, não houve nem correção da tarifa e tampouco subsídio, impondo ao concessionário ônus indevido, ao arrepio do que prevê o próprio contrato de concessão e a legislação afim”, avaliou a empresa.
A Tusmil também lembrou que, em 2021, a partir de julho, a PJF pagou um subsídio mensal de R$ 1,7 milhão, em contrapartida à manutenção da tarifa. Também ocorreram compensações relacionadas à remissão de débitos tributários devidos pelas concessionárias. “No início do ano de 2022, o município simplesmente interrompeu o pagamento de subsídio, embora o combustível tenha sofrido significativo aumento, como é de notório saber, e os trabalhadores tenham tido reajuste salarial de 11,19% a partir de janeiro deste ano.”
Termo não impede que concessionária busque indenizações na Justiça
O acordo entre a Prefeitura e a Tusmil foi firmado no dia 12 de setembro. Conforme o entendimento assinado pelas partes, o objetivo central do documento foi atender “à necessidade de segurança quanto à irreversibilidade dos atos administrativos perpetrados, especialmente para preservar o interesse público e manter o serviço de transporte coletivo com qualidade”. Na prática, pelo termo assinado pelas partes, a concessionária abre mão de questionamentos judiciais sobre o rompimento unilateral do contrato de concessão. Como contrapartida, a PJF abre mão de possíveis multas ou outras sanções pecuniárias que pudessem ser aplicadas à Tusmil.
De acordo com o documento anexado ao processo movido pela concessionária, o acordo foi construído levando em consideração itens e aspectos diversos, como o contrato de concessão firmado em 2016; e o Decreto Municipal 15.312, de 15 de junho de 2022, exatamente o dispositivo que declarou a caducidade da concessão. O acordo ainda leva em consideração “o direito da população a um transporte coletivo eficiente e seguro”, e o fato de que, em 12 de setembro, o Município já havia determinado “a transferência gradual de linhas para o outro concessionário do serviço de transporte coletivo urbano, Consórcio Via JF, mediante ordem de serviço”.
Por fim, o acordo entre PJF e Tusmil também se baseou na existência de processos judiciais questionando a caducidade, através dos quais o Consórcio Manchester buscava reverter a rescisão antecipada e unilateral do contrato de concessão. “As partes resolvem, de comum acordo e de forma irrevogável e irretratável, com vistas à preservação do Interesse público, regular os efeitos da extinção contratual decorrente da decretação de caducidade, tornando definitiva e incontroversa a rescisão por caducidade”, diz o documento.
Como consequência do termo, o entendimento entre as partes prevê o “encerramento imediato e sem ônus dos mandados de segurança propostos pelo Consórcio Manchester”, inclusive do processo em que os questionamentos da 22ª Promotoria foram protocolados. Da mesma forma, também deverão ser findados todos os recursos judiciais decorrentes das ações que tratam do procedimento de caducidade.
“Para propiciar esta composição, que visa assegurar a extinção definitiva da concessão por meio da respectiva rescisão antecipada sem que haja atuais ou novos questionamentos judiciais por parte do Consórcio Manchester, evitando assim a permanência de possível insegurança jurídica, o Município de Juiz de Fora, reconhecendo que não houve dano ou prejuízo ao interesse público, não aplicará cobrança ou penalidade de multa fundada em eventual inexecução contratual”, diz o texto do acordo.
Por sua vez, o Consórcio Manchester se compromete a “não ajuizar novos pedidos administrativos ou ações judiciais visando a eventual retomada do contrato de concessão”. Por outro lado, o acordo deixa em aberto a possibilidade da concessionária “receber os subsídios e demais verbas remuneratórias do serviço, durante o período que prestar serviços de transporte coletivo urbano, ainda que em caráter precário, inclusive e especialmente relativo aos meses de julho, agosto e setembro de 2022, bem como o direito de buscar eventuais indenizações por desequilíbrio econômico-financeiro ou outras causas atinentes ao contrato de concessão objeto deste termo de acordo, exceto caducidade, inclusive por meio de ações judiciais existentes ou futuras”.