‘Eu precisava passar pelo câncer’, diz doceira que superou a doença

Marta Medeiros conta que encarar a vida de frente e agradecer foi a sua maneira de enfrentar o diagnóstico


Por Vívia Lima e Marcos Araújo

12/10/2019 às 07h00

“Sou grata ao câncer!” O diagnóstico que colocou a doceira Marta Medeiros, de 54 anos, “mais próxima da morte”, na verdade, trouxe para ela, vida nova. A mulher que trabalhava, intensamente, mãe de uma menina e um menino, percebeu, em 2017, sentada no sofá da sala de casa, algo estranho na mama esquerda. “Fui premiada!”, pensou ela ainda não acreditando no que acabava de constatar, pois colocava a mão no seio e sentia algo rígido e comprido. Ali foi como um despertar para um momento doloroso, difícil, mas, repleto de descobertas felizes.

No mesmo ano em que ela recebeu o diagnóstico, outras 1.268 pessoas também tiveram resultados positivos para o câncer de mama. Levantamento realizado pela Tribuna junto ao sistema Datasus revelou que, em Juiz de Fora, de 2014, quando teve início a contabilização dos dados, à junho de 2019, foram 5.067 diagnósticos de câncer de mama. Somente este ano, dos 5.429 exames, 468 constataram a doença, o que configura uma média mensal de 78 diagnósticos positivos ou a confirmação de, pelo menos, dois casos por dia.

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A gratidão de Marta está também pela descoberta ainda na fase inicial. Quando diagnosticado no começo, o câncer de mama pode ter 95% de chances de cura, além de permitir tratamentos menos agressivos e maior possibilidade de preservação da mama. Os exames preventivos faziam parte da rotina da doceira. No entanto, o resultado da mamografia, realizada em julho de 2017, acabou ficando esquecido, até que ela notou o enrijecimento do seio.

Em agosto daquele mesmo ano, a mulher retornou ao consultório médico e precisou repetir a mamografia que deu positivo para o câncer. Uma sobrinha, que é médica, tentou acalmá-la.

“Cheguei ao consultório chorando. Ainda assim era só a mamografia. O maior desespero foi quando saiu o resultado da biópsia”.

Naquele dia, o trajeto do edifício onde ela havia se consultado até o ponto do ônibus foi mais longo e tomado pelo choro. “Passei aquela noite toda chorando, desesperada. Depois, eu aprendi a agradecer tudo.”

Marta descobriu o câncer na fase inicial; realizou quimioterapia entre outubro de 2017 a abril de 2018: foram seis meses que mudaram a vida da doceira (Foto: Olavo Prazeres)

O período de desespero até a calmaria do agradecimento durou, aproximadamente, três dias. Evangélica, Marta fez do versículo bíblico que diz: “Em tudo, dai graças, porque esta é a vontade de Deus”, seu amparo para a cura do câncer. Na primeira noite pós-diagnóstico, foram inúmeros questionamentos sobre como iria viver, se iria viver e o medo da morte, que parecia estar, ali, ao seu lado e mais próxima dela do que de qualquer outra pessoa. Apesar das muitas agonias que rondaram aqueles dias e noites, ela decidiu apenas agradecer. A partir disso, tudo foi diferente. “Ao invés de orar e pedir a Deus, eu agradecia como se já estivesse curada. Foi isso que mudou minha vida. Deus sabia que eu precisava passar pelo câncer. Ele não permitiu que eu morresse, quis me dar mais uma chance”, ressaltou Marta, cheia de gratidão à vida.

“Eu vivo o dia de hoje com intensidade. Um dia de cada vez. Eu não espero pelo amanhã”.

Dia 7 de outubro de 2017, ela iniciou a quimioterapia, e a última foi realizada, em 3 de abril de 2018. Foram seis meses que mudaram a vida da doceira, que hoje tem sede de vida e teve uma experiência frente à frente com aquilo que ela dá o nome de Deus.

Atendimento tem que ser interdisciplinar

O simples ato de abrir o resultado do exame que comprova o câncer transforma a vida das vítimas acometidas pela doença, assim como aconteceu com Marta. Diante da confirmação do médico há, entretanto, muitos impactos que devem ser levados em conta. Além da própria saúde, existe a questão psicológica, a vaidade, a mutilação do corpo com a retirada total ou parcial da mama, a queda do cabelo e da autoestima. Dessa forma, é importante que o acompanhamento multidisciplinar e especializado seja promovido para a paciente com dedicação e confiança, oferecendo, assim, o restabelecimento da saúde em seu sentido mais amplo.

“Há uma série de impactos, como o físico de ter que passar por uma cirurgia. Hoje já estamos conseguindo que essa paciente saia com o seio reconstruído de uma mastectomia, que é a retirada total da mama. Isso traz um menor impacto em termos de estética e funcionalidade, já que existem tratamentos mais avançados dos que existiam há 10 ou 20 anos. Isso permite a elas terem menos efeitos colaterais, terem remédios que se sintam melhores, com menos náuseas após a quimioterapia”, enfatiza a oncologista Tatyene Nehrer de Oliveira.

De acordo com Tatyene, é importante a conscientização da necessidade de uma equipe interdisciplinar para abraçar a mulher que descobre o câncer. É preciso ter a presença de profissionais para atendimento psicológico, nutricional e assistência social, a fim de trazer à tona questões sociais e de direitos.

“Isso é necessário, porque os tratamentos trazem custos e afastamento da atividade ocupacional. Então é um abraço que precisa não ser só físico, mas em todas as esferas do ser. Temos que encarar o paciente não como uma doença, mas como uma pessoa que tem história e que precisa de amparo físico, psicossocial, emocional, espiritual”.

“A equipe faz parte de uma rede ofertada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive contando com fisioterapia quando é necessário. Por exemplo, quando a mulher faz um esvaziamento axilar e ficam mais sugestionadas a terem impossibilidade de abertura adequada do braço e até risco de ter um aumento de volume do membro, que é chamado de linfedema sequelar, o que precisa de uma reabilitação fisioterápica. Tudo isso é oferecido pelo SUS e, claro, existe uma morosidade, que precisa ser melhorada, mas é um serviço que faz parte da reabilitação da paciente”, considera a oncologista.

Em novembro de 2018, o Ministério da Saúde publicou uma resolução que normatiza a oferta de cuidados paliativos como parte dos cuidados continuados integrados no âmbito do SUS. São serviços destinados a toda pessoa afetada por uma doença que ameace a vida, seja aguda ou crônica. Os cuidados paliativos são tomados a partir do diagnóstico de uma enfermidade, visando a melhoria da qualidade de vida do doente e seus familiares.

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Falta oferta de novas tecnologias

Todavia, para a médica, aos pacientes do sistema público de saúde, falta a oferta de novas tecnologias. “Tem relação com a fertilidade, que afeta diretamente mulheres jovens com o diagnóstico, muitas vezes com prole não constituída, ou que tem o desejo de ter mais filho, e a gente sabe que o tratamento muitas vezes leva essa paciente à infertilidade. O fato de não termos condições pelo SUS de coletar o óvulo e guardá-lo dificulta muito a vida reprodutiva da mulher depois. Isso é um risco e tem que ser colocado para a paciente no início do tratamento. Algumas conseguem fazer a coleta de óvulos e mantê-los até que o tratamento acabe, mas a grande maioria não tem condição econômica para que isso aconteça. A maior parte opta em lutar pela vida, mas, é claro que é importante que essa questão seja colocada para haver o livre arbítrio de cada indivíduo”, pondera.

SUS tem 60 dias para iniciar tratamento

A principal forma de acesso à prevenção se dá por meio da Unidade Básica de Saúde (UBS), que cuida do atendimento preventivo da população e realiza exames básicos. Desse modo, diante de qualquer suspeita, o médico da UBS pode encaminhar seu paciente para um ambulatório de especialidades, a fim de que se realizem avaliações de maior complexidade para uma investigação mais aprofundada. Mas aqui o paciente não fica na fila comum e, sim, em uma espera regulada por um médico, com atendimento prioritário para suspeitas de câncer. Confirmado o diagnóstico, por lei, o SUS tem 60 dias para o início do tratamento em centros oncológicos.

“É um abraço que precisa não ser só físico, mas em todas as esferas do ser. Temos que encarar o paciente não como uma doença, mas como uma pessoa que tem história e que precisa de amparo físico, psicossocial”, diz  oncologista Tatyene de Oliveira (Foto: Reprodução)

Apesar da legislação em vigor desde 2012, Tatyene Nehrer garante à reportagem que, na maioria das vezes, essa meta não consegue ser suprida. “Por morosidade, devido à dificuldade em agendar uma consulta e realizar o exame do qual se depende a definição de tratamento, a despeito de existir uma lei, na prática, essa realidade não é o que se vivencia”, afirma. Segundo levantamento do Ministério da Saúde, até o ano passado, o intervalo médio entre o diagnóstico e o procedimento determinado para combate à doença era de 81 dias. Entre 2013 e 2017, saiu de 79 para 81 dias. As informações foram produzidas a partir de uma amostra de 500 casos analisadas pelos técnicos da pasta. Os números escancaram que ainda há muitos desafios a serem enfrentados pelos pacientes e barreiras que devem ser derrubadas pelos estados e a União.

Falta de acesso
Na avaliação da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), pacientes com câncer de mama no âmbito do SUS encontram hoje, na falta de acesso, o grande problema para um diagnóstico precoce. Daí a entidade fazer o alerta “+ Acesso + Respeito”, no Outubro Rosa, mês dedicado à prevenção e ao combate ao câncer de mama. A ideia é chamar a atenção da população e do Poder Público de que a falta de acesso ainda é um grande gargalo para o diagnóstico precoce e tratamento do câncer de mama.

Tópicos: outubro rosa

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