Novos cortes na Saúde ameaçam serviços em JF

Remanejamento do orçamento federal para compensar subsídio ao óleo diesel pode impactar vários programas do SUS


Por Gracielle Nocelli

12/06/2018 às 07h00- Atualizada 12/06/2018 às 07h29

Aposentada mostra medicamentos que precisou comprar porque não encontrou na UBS

A saúde pública vive momento delicado diante da possibilidade da perda de recursos em decorrência da Medida Provisória (MP) 839/2018, criada com o objetivo de abrir crédito extraordinário à subvenção de R$ 9,5 bilhões para o óleo diesel. A situação se torna complicada num contexto em que já vigora a Emenda Constitucional 95/2016, que limita por 20 anos os gastos públicos, diante de uma economia fragilizada, em que, cada vez mais, um número maior de pessoas depende do SUS. Sem ainda conseguir dimensionar os impactos da medida, a Secretaria de Saúde de Juiz de Fora se mostra preocupada com as projeções para o setor, que ainda busca normalizar os serviços que foram afetados nos últimos dias por conta da paralisação dos caminhoneiros.

Em entrevista coletiva realizada na segunda-feira (4), a secretária de Saúde, Elizabeth Jucá, afirmou estar apreensiva com a MP 839/2018, que poderá atingir programas como o Requalifica SUS, Mais Médicos, Residência Médica em Saúde de Família, Transplantes, Educação Permanente, Saúde Mental, Rede Cegonha, Farmácia Popular e Rede de Urgência e Emergência. Dentre os benefícios destes projetos à população estão a garantia de mais profissionais atuando na área de Saúde da Família, combate às taxas de mortalidade materna e infantil, subsídios para a compra de medicamentos e recursos para reformas e melhorias nas Unidades Básicas de Saúde (UBS).

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O especialista em Saúde Coletiva e Gestão Pública, Ivan Chebli, avalia o momento como “extremamente preocupante” para o setor. “Todas as medidas apontam para um desfinanciamento brutal do SUS e, consequentemente, a perda dos resultados positivos alcançados nos últimos 30 anos.” Para ele, ainda há o agravante da situação socioeconômica do país. “O SUS atende 70% da população brasileira. Com o encarecimento de 13% dos planos de saúde, a tendência é que mais pessoas migrem para o sistema.”

Destacando a necessidade do Governo federal reverter a decisão de limitar os gastos públicos por 20 anos, Ivan diz que é preciso que a população se mobilize para defender o SUS. “É preciso uma luta política para mostrar a importância do sistema para quem não o conhece. A situação é crítica para a saúde pública. Com uma demanda crescente e menos investimentos, infelizmente, teremos quadros de saúde agravados, mais sequelas, mais óbitos e aumento das taxas de mortalidade materna e infantil por falta absoluta de assistência.”

Pós-paralisação
Hoje o município já convive com falta de remédios e fraldas geriátricas. De acordo com o balanço divulgado pela Secretaria de Saúde de Juiz de Fora, o fornecimento de 145 tipos de medicamentos foi prejudicado em decorrência da paralisação dos caminhoneiros. Na lista, estão remédios para hipertensão como losartana, propanolol e nifedipina; o antibiótico amoxilina com clavulanato de potássio; e o antiinflamatório ibuprofeno. Os itens são distribuídos nas 63 UBS da cidade e, também, na Farmácia Central. A entrega de 350 mil fraldas geriátricas também foi comprometida. O serviço de distribuição possui uma demanda fixa de atendimento a três mil pessoas.

No período da paralisação, deixaram de ser aplicadas 2.500 vacinas, serviço que já está normalizado. Também foram canceladas 1.880 consultas, incluindo pré-natal, puericultura, controle de hipertensos e diabetes. E um total de nove mil usuários não conseguiram realizar coletas de sangue. A expectativa é que os serviços de saúde sejam normalizados num prazo de até dez dias, exceto a distribuição de fraldas, que dependerá da regularização da produção do fornecedor. Já o reagendamento de consultas será feito conforme o calendário de cada UBS.

Pacientes relatam ‘falta constante’ de remédios

Para os usuários do SUS, uma das principais preocupações trazidas pela MP 839/2018 é a possibilidade do corte de verbas do programa Farmácia Popular, que subsidia a compra de medicamentos em estabelecimentos credenciados. Com a redução deste benefício, o reflexo será o aumento da demanda por remédios distribuídos gratuitamente na rede pública de saúde. De acordo com o Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Juiz de Fora, a oferta atual já está aquém da necessidade dos pacientes. “É muito comum as pessoas não encontrarem os remédios que precisam nos postos e na Farmácia Central. Isto já estava acontecendo antes da paralisação dos caminhoneiros”, afirma o secretário executivo do Conselho, Jorge Ramos.

Os medicamentos que são ofertados gratuitamente integram a Relação Municipal de Medicamentos Básicos (Remume), embasada na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). De acordo com o CMS, a principal demanda da cidade é por remédios para tratamento de diabetes, hipertensão e saúde mental. “Infelizmente, sempre falta medicamentos. Apesar de não ser aceitável, já há uma tolerância dos pacientes quanto a isso pelo fato de ser recorrente”, pontua Jorge. “Atualmente, nós temos o Governo federal e a Prefeitura investindo no programa, mas a contrapartida do Governo do estado não tem sido feita, o que tem afetado a distribuição. A partir do momento que o Governo federal também deixar de fazê-lo, a situação irá piorar. A oferta será sempre menor do que a demanda, sem chances de regularizar.”

Uma aposentada, que preferiu não se identificar, conta que todo mês busca sete remédios na UBS do Bairro Santos Dumont para os tratamentos da mãe, que é cardiopata e diabética, e a irmã, diagnosticada com hipertensão e esclerose múltipla. “Losartana, atenolol, monocordil, ranitidina, ASS, sinvastatina e insulina são oferecidos gratuitamente no posto, mas já há algum tempo que não consigo encontrar todos eles. A ranitidina, principalmente, é raríssima.” Ela diz que a oferta gratuita facilita muito nas despesas. “Só a minha mãe precisa de 18 remédios, e a minha irmã usa fraldas geriátricas e toma vitaminas especiais. O meu gasto mensal com farmácia é, em torno, de R$ 700, quando eu consigo todos os medicamentos no posto.” Segundo ela, nos últimos meses, como não tem encontrado todos os medicamentos, o gasto tem sido maior. “Da última vez , só consegui três medicações.”

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Falta de repasses pelo Governo do estado

A Secretaria de Saúde de Juiz de Fora confirmou que a falta de medicamentos já estava ocorrendo antes da dificuldade de abastecimento no período de paralisação dos caminhoneiros. “O problema, como já divulgado amplamente, tem relação com a falta de repasses de recursos por parte do Governo do estado, que não enviou nenhum centavo para a compra de medicamentos em 2018”, informou, por meio da assessoria. O Estado é co-partícipe no financiamento da assistência farmacêutica. A lista completa dos medicamentos que estão em falta não foi divulgada.

Procurada pela Tribuna, a assessoria da Superintendência Regional de Saúde (SRS) não deu informações sobre o repasse de verbas para Juiz de Fora, e afirmou que os remédios citados pela reportagem são de responsabilidade do Município. Em nota, disse, ainda, que “o abastecimento de medicamentos não foi afetado durante o período da paralisação dos caminhoneiros, sendo que a entrega dos mesmos veio com escolta”. Sobre o número de reclamações feitas na Ouvidoria por consumidores sobre a falta dos medicamentos, afirmou apenas que “o atendimento foi normal”.

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