Tráfico impulsiona crimes nas cidades da região


Por Marcos Araújo

12/03/2017 às 07h00

A desarticulação pela Polícia Federal de uma organização internacional que trazia cocaína da Colômbia para Juiz de Fora trouxe às claras a expansão do tráfico de drogas e todas as suas consequências para as cidades da Zona Mata. O núcleo criminoso era responsável por distribuir, a partir de Juiz de Fora, o entorpecente para as cidades de Rio Novo, São João Nepomuceno, Guarani e Piraúba, movimentando uma tonelada de cocaína por mês, avaliada em R$ 6 milhões. Dezessete pessoas foram detidas durante a operação, que foi batizada de Tiphon. A entrada da droga nessas cidades, tidas como pacatas até há poucos anos, transformou o cotidiano de suas populações, que passaram a conviver mais de perto com situações de violência. Nem as Zonas Rurais dessas localidades estão imunes. Em Guarani, por exemplo, vereadores dirigiram-se à Assembleia Legislativa de Minas Gerais para pedir mais efetivo policial para o município, onde crimes nunca registrados antes passaram a ocorrer, como roubos à mão armada em bares, invasão de ladrões a residências e até mesmo sequestro. Aliás, o número reduzido de policiais militares em atuação nessas cidades é apontado pelos prefeitos ouvidos pela Tribuna como um dos desafios a serem superados no combate à criminalidade, uma vez que é preciso esforço para planejar as escalas dos policiais a fim de não deixar áreas desguarnecidas. A situação tem mudado a rotina em cidades pequenas da região, onde os moradores estão gradeando as residências e mantendo-se trancados dentro de casa.

Para especialistas da área de segurança pública, pensar apenas em efetivo para garantir a segurança é uma ideia ultrapassada e, enquanto não houver políticas públicas de prevenção, toda a ação, pautada só em repressão, não passa de medida para “enxugar gelo”. A citação de Rio Novo como destino de drogas de uma organização internacional deixou a população do município estarrecida, apontou o prefeito Ormeu Rabello Filho (PPS). Segundo ele, apesar de não possuir dados oficiais, a violência cresceu na cidade localizada a cerca de 50 quilômetros de Juiz de Fora, com cerca de nove mil habitantes, e que já tem um assassinato sendo investigado que pode ter ligação com o tráfico de drogas. “Rio Novo não é diferente de outras cidades. Aqui temos usuários de drogas e, para a droga chegar a nossa cidade, é porque tem traficante. Estamos assumindo o município neste ano, e existe a preocupação da Administração para a recuperação de dependentes químicos. Ao longo do meu mandato, vamos fazer um trabalho junto com as secretarias de Educação, Saúde e Assistência Social e, principalmente, com a de Esporte, para oferecer aos jovens atividades e ações sociais com objetivo de minimizar o problema que a droga significa”, ressalta Ormeu, acrescentando que a Prefeitura dará todo o apoio à Polícia Militar.

PUBLICIDADE

 

Problema sério

Distante de Rio Novo cerca de 30 quilômetros, São João Nepomuceno também enfrenta o avanço das drogas nos seus pequenos distritos e Zona Rural. Para o prefeito Ernandes José da Silva (PSB), o alcance do entorpecente é um problema sério, que já o fez se reunir com o comando da 4ª Região de Polícia Militar e com a chefia da Polícia Civil. “Hoje o nosso efetivo não é satisfatório, e a cidade tem uma particularidade, pois temos cerca de 30 mil habitantes, e seu efetivo é igual aos das cidades que possuem de oito mil a dez mil habitantes. Estamos trabalhando no sufoco para fazer as escalas. A Polícia Militar tem feito a sua parte e vem se esforçando. Assim que assumimos a gestão, temos dado a atenção à PM, contribuindo com a manutenção das viaturas e dando todo suporte. Inclusive, chegaram viaturas novas para a região, mas não fomos contemplados com veículos novos. Recebemos viaturas usadas, mesmo assim, isso ajudou o município”, destaca Ernandes. Na visão dele, nos últimos anos, houve aumento do tráfico de drogas, o que deixa sua Administração em alerta. “Estamos trabalhando para melhorar essa situação. “Desde que assumimos, passamos a realizar reuniões com o setor de desenvolvimento social, associações de bairros, distritos e Zona Rural com objetivo de traçar programas sociais para as crianças. Queremos ocupar o tempo delas, a fim de evitar que entrem no mundo das drogas, uma vez que não temos escolas de tempo integral. Criamos ainda a Secretaria de Desenvolvimento Social, que não serve apenas para prestar assistência, mas estamos procurando desenvolver essas comunidades”, acrescenta o prefeito.

mapa-violencia

 

Onda de criminalidade no interior leva vereadores até Assembleia Legislativa

A ocorrência de um caso de sequestro, além do aumento de registros de furtos e assaltos em Guarani, cidade de cerca de nove mil habitantes, levou um grupo de vereadores até a Assembleia Legislativa de Minas Gerais para pedir socorro, na última quinta-feira. Segundo o vereador Dudu Carias (PMDB), o município, até então pacato, enfrenta uma onda de criminalidade. “O mais gritante é o crescimento de furtos e roubos em residências nas zonas Urbana e Rural. Acreditamos que isso vem acontecendo por dois fatores: o primeiro é a droga, já que os usuários não possuem recursos para manter o vício, e acabam cometendo crimes. O segundo tem a ver com o efetivo policial pequeno e que, muitas vezes, tem que ser compartilhado com Piraúba (município vizinho). A falta de policiamento gera insegurança para a população e permite que as pessoas envolvidas com as drogas cometam crimes”, assevera o vereador.

Ele e mais um grupo de vereadores estiveram em Belo Horizonte e entregaram um relatório, informando sobre a ocorrência de delitos e a situação do efetivo em Guarani para os deputados Lafayette Andrada (PSD), Isauro Calais (PMDB) e para o assessor da deputada Rosângela Reis (Pros), solicitando aumento de efetivo para a região. “No final de abril, uma turma de soldados vai se formar em Ubá e reivindicamos o apoio dos parlamentares junto ao Governo, para que destine policiais para Guarani, melhorando nossa cobertura”, afirma Dudu.

 

Educação e repressão

Para o prefeito de Guarani, Paulo César Santos Neves (PV), a situação é preocupante ao passo que houve um aumento generalizado da criminalidade no seu município. Segundo ele, medidas educativas e repressivas estão sendo adotadas, como rondas diárias e ações das polícias Militar e Civil. Todavia, ele também aponta a questão do efetivo policial reduzido como fator que precisa ser superado. “Estamos buscando recursos para melhorar o efetivo e realizando diversas reuniões do Poder Executivo com o Legislativo, o Judiciário, a Defensoria Pública, o Ministério Público e as polícias Militar e Civil”, afirma Paulo César.
O gestor ainda complementa que a Prefeitura realiza projetos, como palestras e musicalização nas escolas, apoio ao Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd) da Polícia Militar, além de desenvolver projetos esportivos e sociais, que visam a conscientizar crianças, adolescentes, jovens e adultos.

 

Constatação de famílias mais fragilizadas

Com cerca de 11 mil habitantes, Piraúba, localizada a aproximadamente dez quilômetros de Guarani, percebe o crescimento dos atendimentos a pessoas com dependência química. De acordo com a vice-prefeita do município, Fatinha Gravina (PT), o avanço das drogas mostra uma face cruel sobre a população. “A Prefeitura está muito preocupada, pois atrás das drogas vem a violência, os casos de roubos, dissolução de famílias, que estão cada vez mais fragilizadas. Houve um aumento de violência na cidade sim, mas não a violência que resulta na morte. Podemos perceber que houve um aumento de pessoas encaminhadas para o Centro de Atenção Psicossocial (Caps), para o tratamento de usuários. Temos poucos casos de violência que resultam em morte, mas temos muitas famílias em sofrimento, o que é atestado pelos atendimentos com psicólogos e psiquiatras que disponibilizamos, que é um dado que assusta”, afirma Fatinha.

De acordo com a vice-prefeita, além do Caps, a Administração prevê investimentos em trabalhados voltados à assistência social junto à juventude. “Ainda é um trabalho pequeno quando comparado com a quantidade de casos que temos e por isso esperamos ampliá-lo”, ressalta. Ela explica que Piraúba faz parte do pelotão da Polícia Militar de Rio Pomba e que considera o efetivo pequeno. “Mas contamos muito com a Polícia Militar e Polícia Civil, que são nossas parcerias, mas claro que nosso efetivo precisa ser maior, pois, para o município ter uma guarda municipal ainda é impossível. Com um efetivo maior, a polícia poderia atuar nas áreas de risco, onde há mais incidência de tráfico de drogas”.

O conteúdo continua após o anúncio

 

Especialista alerta para a interiorização do tráfico

O que vem acontecendo em cidades como as citadas na reportagem é conhecido pelos especialistas de segurança como fenômeno da interiorização do tráfico de drogas. Para o coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Robson Sávio, a migração para essas áreas não se dá pelo aumento da repressão nos grandes centros, como aponta o senso comum, mas em decorrência da expansão do mercado do tráfico. “O uso e o comércio de drogas são crescentes e, como se trata de uma atividade meramente comercial, vai expandir na medida em que há mais mercado e oportunidades. O tráfico de drogas instalou-se nas cidades pequenas porque, provavelmente, há consumo e mercado. Há uma ideia de que é preciso combater as drogas na ponta de baixo, que é o varejo e o consumo. Por isso as prisões estão cheias de pequenos traficantes e usuários. Esse tipo de política dá resultados pífios. Como o Brasil tem um comércio intenso e em expansão, o problema tem que ser enfrentado na produção e na distribuição das drogas, ou seja, justamente na ponta onde se tem grande produtores e uma rede de distribuição enorme, que envolve empresários e corrupção policial, por exemplo”, observa o especialista.

Ele aponta que Juiz de Fora é uma cidade próxima ao Rio de Janeiro, que tem um mercado muito extenso, além disso há uma rota de tráfico via rodovias, que permite uma distribuição num grande círculo. “Provavelmente, a Polícia Federal trabalhou essa lógica de repressão na ponta de cima, que tem a ver com quem está produzindo e distribuindo. Isso é fundamental, porque as polícias Civil e Militar e a própria Justiça estão muito preocupadas com as pontas de baixo, com os varejistas e com o usuário, o que é enxugar gelo. Prende-se um pequeno distribuidor de drogas e, no outro dia, tem dez disputando aquele espaço”, avalia Robson, completando que esse tipo de ação só resultaria em efetividade, se fosse constante e com envolvimento das outras polícias.

 

Enfrentamento de drogas está ligado à série de ações

O professor Robson Sávio faz um alerta sobre a diferença entre percepção de violência e violência real. “Numa cidade do interior, quando começa a ter tráfico de drogas, as pessoas que não estão acostumadas com esse tipo de situação ficam assustadas e atribuem a violência à questão das drogas. Mas, quando se faz uma pesquisa mais aprofundada, percebemos que a violência ligada às drogas está diretamente relacionada aos pontos de distribuição. Nessa lógica, o restante da violência que acontece, que é comum, passa a ser atribuído às drogas. É preciso então separar o que é aumento da violência e o que pode ser atribuído às drogas. Em segundo lugar, a política de enfrentamento das drogas tem a ver com uma série de ações. É claro que algum nível de repressão localizada, por exemplo nos pontos onde as gangues atuam, é preciso, mas se não tiver políticas para atendimento de usuários, que tem a ver com saúde pública; atendimento às famílias desestruturadas, se não houver política de prevenção municipal, a repressão não é eficaz”.

 

‘Segurança não é só efetivo policial’

O 21º Batalhão de Polícia Militar, sediado em Ubá, é responsável por 17 cidades na Zona da Mata, entre elas Guarani e Piraúba. Em 2016, conforme dados do Batalhão, a corporação registrou 35% de redução nos casos de homicídios consumados; 20% nos de crimes violentos e 13% nas ocorrências de furtos de veículos. Além disso, foram realizadas 2.559 prisões, 7.837 operações, 234 armas de fogo apreendidas e 581 apreensões de materiais, como drogas e substâncias para fabricação e embalagem de entorpecentes. De acordo com o assessor de comunicação organizacional do 21º Batalhão, tenente Emerson dos Santos, operações vêm sendo feitas com base em levantamentos da própria PM. “Quando detectamos que certa ocorrência em determinada cidade precisa de uma atenção maior, programamos operações, além de cumprir os mandados expedidos pelo Poder Judiciário. As ocorrências são monitoradas diariamente e não temos percebido aumento generalizado nas cidades sob nossa responsabilidade por conta de tráfico. A questão do número de policiais fica muito evidente quando o assunto é segurança pública, mas temos que pensar que segurança pública não é só efetivo, é a parceria entre a PM e demais órgãos públicos, como Prefeituras, Conselhos de Segurança, Câmara de Vereadores, Câmara de Dirigentes Lojistas”, afirma o oficial.

A 4ª Região de Polícia Militar (4ªRPM) tem base em Juiz de Fora e cuida ainda de outras 85 cidades, entre as quais Rio Novo e São João Nepomuceno. Conforme o assessor de comunicação organizacional da instituição, major Marcellus Machado, a PM vem executando o patrulhamento de longa duração e com inteligência em todas as localidades nas quais se faz presente, dispondo de parceria com as polícias Federal e Civil. “Temos nosso serviço policial voltado para ações preventivas e, quando fazemos uma atuação de prevenção ou repressão junto ao tráfico de drogas, certamente damos uma resposta positiva para a comunidade, com objetivo de resgatar um ambiente seguro, retirando de circulação autores de tráfico”, observa o major, lembrando que, na última semana, a PM apreendeu meia tonelada de maconha no Bairro Nossa Senhora das Graças, em Juiz de Fora, o que irá impactar a circulação de entorpecente na cidade e região. Ele reforça a importância do Disque Denúncia 181 como instrumento no qual a sociedade pode e deve contribuir no combate à criminalidade.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.