Escolas públicas plantam sementes de educação ambiental
Instituições da rede municipal de ensino usam hortas para incentivar contato das crianças com a natureza, despertar sentidos, estimular o consumo consciente e estimular uma alimentação mais saudável
Preparar o solo, plantar as mudas, regar e esperar até a época de colheita. O processo de cultivo de uma horta pode ser um verdadeiro espaço de aprendizagem. Além da importância ambiental da ação, as hortas comunitárias incentivam o senso de coletividade, o consumo consciente, uma alimentação mais saudável e novas experiências sensoriais. Pensando em promover educação ambiental para crianças e jovens do município, algumas instituições da rede municipal de ensino em Juiz de Fora estão implementando a prática nas propostas pedagógicas.
Plantio, ensino e diversão
Unir plantio, ensino e diversão é o que move o projeto de horta da Escola Municipal Eunice Alves Vieira, no Bairro Barbosa Lage, Zona Norte da cidade. A iniciativa teve início há cerca de 13 anos, com o objetivo de incrementar a merenda escolar e promover a educação ambiental das crianças. Com a ajuda de parcerias privadas, a instituição conseguiu comprar uma caixa d’água para irrigar as hortaliças, lançando mão de captação da água da chuva, o que torna o projeto ainda mais sustentável.
A escola conta com oito canteiros, onde são plantados alface, couve, cebolinha, salsinha, manjericão, chuchu, pimentão, beterraba e outras hortaliças que são usadas para temperar a comida das crianças e fazer saladas e sucos, reforçando a merenda escolar. A diretora da instituição, Rosana Andrade, explica que a horta ajuda os professores a trabalharem com o tema da alimentação saudável. “No início do ano letivo, começamos com o projeto onde as próprias crianças fazem o plantio. Nós compramos as mudinhas, eles vão para a horta junto com as professoras e aprendem sobre a importância do cultivo.”
A diretora pedagógica explica que a horta também é inserida nas aulas de Ciências, Matemática e Português para proporcionar uma experiência prática do conteúdo estudado. Na época da colheita, algumas turmas também participam e aprendem a mexer com a terra, observando, de perto, o desenvolvimento das plantas. A manutenção da horta é feita pelos professores. “Nós ensinamos sobre alimentação saudável, sem agrotóxico. Muitas crianças não têm o hábito de comer salada, mas a partir do momento em que ela começa a participar desse processo de plantio e colheita, ela se interessa mais e, às vezes, começa a comer aquela verdura”, aponta Rosana.
Ao longo da pandemia, com o agravamento da insegurança alimentar em todo o país, muitas crianças foram afetadas e ficaram sem acesso à merenda escolar. Em Juiz de Fora, a Prefeitura ofereceu kit alimentação para as escolas e as creches distribuírem aos alunos. A diretora acredita que, com o retorno às atividades escolares, a horta é um importante aliado para complementar a alimentação dessas crianças. Para o próximo ano, o objetivo é ampliar o modelo de irrigação.
Estímulo aos cinco sentidos
Durante a pandemia, a professora Edna Puga, do Centro de Atendimento Educacional Especializado (CAEE Leste), no Bairro Linhares, propôs aos alunos que plantassem qualquer semente em casa e, quando retornassem às salas de aula, levassem a plantinha para a horta do CAEE Leste. As crianças demonstraram interesse pela iniciativa e quando voltaram à instituição começaram a trabalhar junto com as professoras colocando terra, esterco, suplemento e mudas no canteiro.
A instituição busca pensar estratégias para trabalhar aspectos cognitivos, motores e integração sensorial de crianças com deficiência, com algum transtorno ou alguma dificuldade de aprendizado, e o projeto de plantio proporciona essa experiência. “Nós usamos a horta para incentivar os cinco sentidos das crianças. Por exemplo, alguns autistas têm dificuldade com texturas, sentem nervoso ao mexer na terra, então nós fazemos esse processo de sensibilização. Já outro aluno que é autista não verbal ficou encantado ao misturar a terra”, conta a professora.
Além de explorar o lado sensorial, a horta também serve como instrumento educacional para fomentar a boa alimentação. Edna ressalta que, nos casos em que a criança tem restrição alimentar, acompanhar o processo de cultivo desperta interesse em alimentos mais saudáveis. “Para além do processo de integração sensorial, de sentir no toque e na pele as diferentes texturas, o cheiro e os sabores, nós também fizemos um projeto de alimentação para eles provarem diferentes frutas, desde pêssego, que é mais liso, até kiwi, que é mais áspero.”
A horta conta com variedade de espécies, e os próprios alunos plantam e regam as hortaliças com regador feito a partir da reutilização de embalagens plásticas. Os pais e avós das crianças também participam trazendo novas mudas ou levando-as para casa. “Nosso objetivo é criar oportunidades para as crianças terem esse contato com a natureza, fazendo essa sensibilização, pois é através dos sentidos que a gente recebe todas as informações do mundo.”
Educação mais sustentável
A Amac, em parceria com a Prefeitura de Juiz de Fora, inaugurou em 2019 uma horta comunitária no Bairro Igrejinha, Zona Norte. Com o isolamento social, o projeto não foi adiante por falta de manutenção. Agora, a instituição está desenvolvendo uma nova horta dentro da sede da Amac.
O objetivo é despertar o cuidado com o meio ambiente junto a crianças e adolescentes que frequentam a unidade, além de usar os alimentos produzidos para consumo na instituição, oferecendo uma parte às famílias desses jovens.
“A nossa intenção é justamente ensinar as crianças e os adolescentes a cultivar, ter responsabilidade com o período de aguar as plantas e aprender a cuidar de uma horta, para que eles repassem esse conhecimento e, quem sabe, façam uma pequena horta na casa deles também”, explica a coordenadora da unidade de Igrejinha, Márcia Rocha.
Hortas para toda a comunidade
Além dos projetos desenvolvidos nas escolas, existem outras iniciativas desenvolvidas pela própria comunidade com o intuito de plantar mudas em áreas urbanizadas e distribuir a colheita entre os moradores de bairros periféricos. Em 2001, os moradores do Bairro Araújo, Zona Norte, Vanderlei Tomaz, Milton Silva, Alexandre Valério e Sérgio Berg criaram o primeiro pomar público de Juiz de Fora. Centenas de árvores foram plantadas ao longo da Rua Maria Eugênia por voluntários que se mobilizaram com a causa. Há mais de quinze anos, os idealizadores da iniciativa se reúnem aos finais de semana para fazer a manutenção do pomar.
A maioria das espécies plantadas é frutífera, como acerola, pitanga, goiaba, manga e abacate, mas o pomar também reúne espécies ameaçadas de extinção no país, como é o caso do pau-brasil. Além do plantio em si, a iniciativa contribui para outros fatores ambientais. Os moradores explicam que os trechos gramados do passeio permitem que a água da chuva seja absorvida pelo solo, diminuindo o volume direcionado às redes de captação pluvial, reduzindo o risco de enchentes na região.
“Hoje a Rua Maria Eugênia está de cara nova. Quem conheceu o lugar e seu abandono no passado se surpreende com o que pode ser visto agora. Quem vê – e não conhece a história – não pode imaginar que isso é o resultado do trabalho voluntário de um grupo de moradores dispostos e determinados a mudar a paisagem urbana a partir de seus próprios esforços”, afirma Vanderlei.
O idealizador do projeto lembra que, antes de o projeto do pomar ser colocado em prática, existia uma faixa, com cerca de 400 metros ao longo da ferrovia, abandonada com mato alto, que funcionava como depósito irregular de lixo e entulho de construção civil. “São soluções locais – praticamente a custo zero para o Poder Público – que trouxeram grande benefício para a população.”
Vanderlei ainda destaca a importância social do projeto, que desperta o sentimento de pertencimento dos moradores. “Esta é a forma escolhida de investir no futuro do bairro. Estas medidas, além de agregarem valor aos imóveis, criam um novo ambiente, fortalecem os laços de convivência e estabelecem novas parcerias, tornando as pessoas vigilantes e fiscalizadoras do trabalho realizado.”
Uma iniciativa parecida foi implantada em 2019 na Rua Dona Ana Sales, no Bairro Benfica, também na Zona Norte de Juiz de Fora. O espaço que servia de acúmulo de lixo e entulho deu lugar à Horta Comunitária Sebastião Duque. O projeto foi idealizado pelo irmão do Vanderlei, José Maria Tomaz, e outro morador, Arimateia Neves. com o apoio da MRS Logística. A ideia inicial era que os alimentos colhidos fossem doados para escolas, creches, associações e famílias em vulnerabilidade. Os próprios moradores eram responsáveis por plantar e colher as hortaliças, além da manutenção do espaço. No entanto, o projeto foi interrompido durante a pandemia.
Em resposta à Tribuna, a MRS informou que realizou uma reunião, no final de novembro, com a Prefeitura de Juiz de Fora para discutir a retomada do projeto. Segundo a empresa, a previsão é de que “a reinauguração da Horta Comunitária de Benfica e a inauguração da Horta Comunitária no Bairro Barbosa Lage, nos mesmos moldes do projeto inicial de Benfica, aconteçam na primeira quinzena de dezembro”.