JF tem mais de 270 veículos eletrificados emplacados na cidade

Mercado do transporte elétrico tem tendência de alta, mas custo alto dos automóveis e poucas políticas de incentivo são entraves no Brasil


Por Gabriel Silva

10/07/2022 às 07h00

Imagine viajar por centenas de quilômetros em um carro de alta potência, que vai de 0 a 100 km/h em menos de cinco segundos, sem gastar um real com combustível. O que era inimaginável, há alguns anos, atualmente é realidade para alguns motoristas que adquiriram veículos eletrificados, recentemente, em Juiz de Fora. Dados do Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) apontam que 274 transportes eletrificados foram emplacados em território juiz-forano, sinal da tendência de expansão do mercado, que, por outro lado, ainda enfrenta barreiras para a adesão em massa pela população brasileira.

Os números do Detran mostram que, dos 274 veículos eletrificados emplacados em Juiz de Fora – categoria que abrange aqueles 100% elétricos e os híbridos, que funcionam à bateria e também à combustão – a grande maioria consiste em automóveis e carros utilitários (241 veículos, somados). Existem, ainda, 23 camionetas, sete motonetas, duas motos e um ciclomotor na cidade. O universo de transportes eletrificados em Minas chega a 8.764 emplacamentos, com 6.913 entre automóveis e utilitários.

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O empresário juiz-forano Valmir de Castro Pinto é um dos motoristas da cidade que adotaram os veículos elétricos. Desde fevereiro, ele utiliza o carro para se transportar dentro do município e também faz, com frequência, o trajeto de mais de 300 quilômetros entre Juiz de Fora e Cabo Frio (RJ). Para viajar até o litoral fluminense, o empresário dispõe de um automóvel com autonomia de 420 quilômetros que garante a chegada até o destino com folga na bateria, além de muita potência. “O carro elétrico é surpreendente, chega a assustar. Esse carro tem 408 cavalos de força (…), chega a 100 km/h em 4,9 segundos. É muito rápido”.

O juiz-forano conta que se interessou pelo veículo elétrico por ser um “carro do futuro”, como ele classifica. Além disso, Valmir afirma que o automóvel tem muita segurança e resistência. “Tenho o conforto de ter uma bateria longa, com garantia de oito anos. A manutenção dele é a cada 30 mil quilômetros. Tem uma porção de benefícios”, exalta o motorista, que alerta: “O custo-benefício não é atrativo para quem quer o veículo só para economizar combustível, porque ele é bem mais caro que os outros carros”.

A observação não é por acaso. Ainda que os veículos eletrificados estejam no catálogo de mais montadoras atualmente, o valor ainda é muito acima daqueles à combustão. O motorista que quiser dispor dos benefícios do automóvel elétrico terá que desembolsar, pelo menos, R$ 140 mil por um dos modelos de menor custo. “Para mim, o carro atende em termos de potência, de segurança e de gerar menos poluição e ajudar a natureza”, pontua o empresário.

Economia e falta de estrutura

No caso dos veículos elétricos, há uma ordem direta na relação entre o uso e a “economia”: quanto mais quilômetros o motorista circula, mais poupará dinheiro por evitar o gasto com combustível. Um cálculo feito pela Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), em março, apontou que o carro elétrico é entre cinco e seis vezes mais econômico que o veículo à combustão, comparando o valor do kilowatts hora ao preço do litro da gasolina comum no Rio de Janeiro naquela época. Em Juiz de Fora, o combustível derivado do petróleo teve queda e voltou para a casa dos R$ 6, na última semana, mas ainda tem valor abaixo do kwh cobrado na cidade, que fica abaixo de R$ 1.

O médico Cláudio Reiff, que dirige um carro elétrico há pouco mais de um mês, estima que gastava R$ 1,5 mil mensais em combustível com o veículo à combustão e agora desembolsa R$ 300 no carregamento do automóvel. Ainda assim, para recuperar o valor investido, necessita de muitos quilômetros rodados.

Quanto às condições da cidade para receber os veículos, o motorista aponta que as características de Juiz de Fora, com muitas colinas, não são um problema. “(O carro) gasta mais energia nas subidas, mas regenera a bateria nas descidas”, pontua Reiff. Entretanto, a estrutura da cidade para receber os veículos elétricos é classificada como “limitada” pelo motorista. Os locais de carregamento, por exemplo, são apenas quatro: um no Bahamas Cidade Alta, outros dois em revendedoras de veículos na Zona Sul e um terceiro no Independência Shopping, também na região Sul. No último, há quatro vagas exclusivas e gratuitas para os veículos elétricos. “A estrutura ainda é limitada. Eu instalei um carregador na minha residência, o que facilita muito”, conta o médico.

A plataforma PlugShare mantém atualizado um mapa de carregamento de veículos elétricos em diversos pontos do planeta, incluindo o Brasil e os postos juiz-foranos. Nela, há detalhamento dos endereços dos locais e avaliações de usuários, além da possibilidade de incluir espaços que serão equipados com carregadores em um futuro próximo.

Em JF, os locais de carregamento dos veículos eletrificados são apenas quatro: no Bahamas Cidade Alta, outros dois em revendedoras de veículos na Zona Sul e um terceiro no Independência Shopping (Foto: Fernando Priamo)

Mesmo com entraves, mercado está em expansão

Ao contrário das vendas de veículos à combustão, que passam por queda de 18% em 2022, os transportes eletrificados ganham lentamente espaço no mercado brasileiro. É o que aponta a ABVE, que, em monitoramento, constata aumento de 54% nas vendas de eletrificados nos cinco primeiros meses deste ano em comparação com o mesmo período do ano anterior. Foram 3.387 emplacamentos apenas em maio, superando os 3.123 de abril e os 3.102 de março.

Ao todo, foram 16.354 eletrificados vendidos entre janeiro e maio deste ano, alta de 54% sobre os 10.392 dos cinco primeiros meses de 2021, de acordo com o acompanhamento da ABVE. Já o índice de queda nas vendas dos veículos à combustão foi apontado pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).

Ainda que apresente sinais de ampliação, os mais de 90 mil veículos elétricos em circulação no Brasil constituem uma categoria minúscula no universo de 111 milhões da frota brasileira. O momento, de toda forma, é comemorado pelo setor. “Nós vemos que ocorre um crescimento consistente e que (o veículo eletrificado) caiu no gosto do brasileiro”, garante o membro do conselho diretor da ABVE, Márcio Severine. “Claro que, além da questão de eficiência do elétrico, o mercado está tendo o empurrão dos preços dos combustíveis, que estão acendendo a luz vermelha para todo mundo”.

Mesmo admitindo que os valores dos veículos eletrificados ainda são distantes da realidade da maior parte dos brasileiros, a queda gradual dos preços e a ampliação do número de montadoras com produções voltadas para esse nicho anima Severine. “O interesse das pessoas e das empresas com o meio ambiente também influencia no crescimento (…). Ainda tem a questão da manutenção, que é cerca de 80% mais barato que a do veículo à combustão”, enumera. Tais fatores, segundo o representante da ABVE, fazem com que o crescimento do mercado aconteça em escala mundial, com destaque para a China, a Alemanha e os Estados Unidos, que dedicam entre 26% e 30% da produção veicular apenas com os eletrificados.

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Severine defende que um dos limitadores do crescimento dos eletrificados no Brasil é a falta de políticas nacionais que incentivem a eletromobilidade. Atualmente, segundo ele, as iniciativas que caminham nesse sentido são pontuais e restritas a alguns municípios e estados, mas não há estímulo nacional. “Enquanto não nasce (a política nacional), o Brasil tem perdido mercado (…). Precisamos de uma política que reverta essa situação e coloque o país, novamente, no caminho que tem vocação, que é a produção de veículos para o mercado local e para a exportação”, defende.

Brasil terá que encontrar um caminho

Professor do Departamento de Energia Elétrica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruno Dias começou, em 2016, uma linha de pesquisa sobre o possível impacto da adoção em massa do veículo elétrico no sistema brasileiro de energia. A investigação começou quando o pesquisador observou a tendência de eletrificação da frota, sobretudo pela necessidade global de realizar uma transição energética por questões ambientais.

Na pesquisa, o questionamento era: a partir da inserção de quantos veículos eletrificados o sistema brasileiro de energia elétrica pode começar a ter problemas? “A partir daí, fizemos diversos trabalhos. Esse foi o primeiro, pegando o sistema todo. Hoje em dia, nós trabalhamos várias questões nessa área”, conta Dias. Segundo o pesquisador, a adoção massiva de veículos elétricos geraria a necessidade de expansão do sistema ou a criação de mecanismos regulatórios, como incentivos ao carregamento de veículos durante a madrugada, com tarifas dinâmicas a depender do horário de utilização das tomadas.

O Brasil, entretanto, ainda está distante de ter um número de veículos elétricos a ponto de causar sobrecarregamento da rede. No exterior, em algumas localidades, como no estado norte-americano da Califórnia, há movimentos iniciais de dinamicidade na tarifa para se adiantar a possíveis problemas que sejam causados pelo transporte eletrificado ou por outras questões relacionadas à transição energética.

Seis anos depois, o professor avalia que o crescimento do mercado aconteceu abaixo do ritmo esperado por ele quando iniciou a pesquisa, em 2016, ainda que aponte uma “tendência muito forte de eletrificação”. Todavia, para o pesquisador, a matriz energética brasileira ainda pode apontar para outras possibilidades de solução para o país que não sejam a eletrificação da frota. “Para alguns lugares, talvez a solução seja algo intermediário e não, necessariamente, o veículo elétrico. Por exemplo, existe discussão sobre se não seria mais viável investir no biodiesel”, exemplifica. “Pode acontecer de a gente não chegar a ter uma inserção massiva de veículos elétricos. Mas, necessariamente, haverá alguma adaptação”.

O ponto principal será ter alguma estratégia para passar pela transição energética, segundo Bruno Dias. “O Brasil deve acompanhar as mudanças para adaptar, para a nossa realidade, o que for mais conveniente (…). Precisamos estar por dentro dessas mudanças, avaliando quais são as melhores soluções, porque as mudanças acontecem muito rapidamente”.

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