Saúde reduz fila de cirurgias, mas problema de longa espera persiste

Hoje 1.710 pacientes aguardam procedimentos eletivos, mas, com demora, alguns casos se agravam e podem se transformam em urgência


Por Rafaela Carvalho

10/05/2018 às 07h00- Atualizada 10/05/2018 às 19h30

Eugênio de Oliveira, de 61 anos, aguarda há meses por cirurgia de catarata. Neste período, acabou perdendo a visão dos dois olhos. Secretaria garante que ele será operado em junho (Foto: Marcelo Ribeiro)

A realização de cirurgias eletivas, procedimentos caracterizados por não serem urgentes, mas necessários para garantir qualidade de vida e evitar agravamentos do estado de saúde dos pacientes, continua prejudicada em Juiz de Fora. Em maio do ano passado, a Tribuna publicou reportagem em que apontava os principais entraves para os mais de quatro mil juiz-foranos que aguardavam ser chamados para as cirurgias. Um ano depois, dados da Secretaria de Saúde apontam redução significativa na lista de espera, com 1.710 laudos de pacientes que deram entrada neste ano e aguardavam cirurgias até 23 de abril. No entanto, novos problemas são enfrentados pelos pacientes, que reclamam da falta de orientação sobre os procedimentos e da demora para serem chamados. Em alguns casos, procedimentos que poderiam esperar acabam se tornando urgentes.

Segundo a Ouvidoria de Saúde do município, desde o início do ano, cerca de dez reclamações são formalizadas no órgão semanalmente. Os gargalos estão relacionados à falta de estrutura e insumos, além da má organização na regulação e no acompanhamento das demandas, que comprometem, principalmente, a realização de cirurgias gerais, ortopédicas e oftalmológicas. Como consequência, há pacientes que encaram uma via-crúcis para conseguir o procedimento, enquanto seus estados de saúde se agravam.

PUBLICIDADE

LEIA MAIS:

O caso do juiz-forano morador do Bairro Vila Alpina, Eugênio de Oliveira, é um exemplo. O homem de 61 anos aguarda por uma cirurgia de catarata há três meses. Segundo a assessoria de comunicação da Secretaria de Saúde, a previsão é que o procedimento seja realizado em junho. Apesar disso, Eugênio afirma não ter ideia de como está sua demanda atualmente e não consegue mais exercer suas atividades, porque a catarata já atingiu seus dois olhos.

Ele relata que começou a sentir os sintomas da doença há cerca de um ano e seis meses, quando a catarata atingiu seu olho direito. De lá para cá, os sintomas se agravaram, e a doença atingiu também o olho esquerdo. “Antes da doença eu enxergava muito bem, não tinha problema nenhum. Minha visão estava boa quando comecei a fazer os exames, mas ficam só me enrolando e eu perdi a visão do olho esquerdo há uns dois meses. Me falavam para fazer os exames e aguardar os resultados. Mas agora eu já fiz todos e só falta a cirurgia, mas não recebi nenhuma notícia”, conta.

Eugênio parou de trabalhar quando a visão do olho direito foi prejudicada e, atualmente, depende da ajuda de familiares para desenvolver qualquer atividade. Os filhos temem, inclusive, que ele possa ter uma depressão por conta da situação. “Eu fico só deitado porque não tem como andar, não consigo enxergar nada. Tenho uma pessoa que fica por minha conta e arruma tudo pra mim. Fiquei dependente, antes eu trabalhava, e já faz um ano e seis meses que eu estou parado”, lamenta.

A realidade vivida por ele não é muito diferente do que a Tribuna apurou há cerca de um ano. Na reportagem publicada no ano passado, mais de quatro mil juiz-foranos aguardavam um procedimento. Na ocasião, um idoso de 78 anos também esperava para fazer uma cirurgia de catarata havia seis meses, e relatou o agravamento do problema enquanto aguardava. À época, a demora estaria relacionada à falta de leitos suficientes e ao déficit de profissionais para realizar as cirurgias. Passado um ano, ambos os problemas continuam existindo, mas impactam o atendimento de maneiras diferentes.

Problemas antigos geram novos entraves

Entre os principais entraves verificados pela Ouvidoria de Saúde com relação às cirurgias eletivas estão a falta de estrutura e de insumos por parte de alguns prestadores habilitados para realizar os procedimentos. As reclamações recebidas pelo órgão giram em torno da longa espera, mas não são dados absolutos, pois a Ouvidoria depende da espontaneidade do usuário em formalizar as reclamações. No entanto, para a ouvidora de Saúde, Samantha Borchear, os problemas apontados pelos usuários refletem situações vivenciadas pela maioria dos pacientes que aguardam uma cirurgia eletiva no município, decorrentes também de má organização no fluxo dos atendimentos e na regulação dos pacientes para os prestadores habilitados.

“Os principais problemas são a falta de estrutura. Se tivesse estrutura, a fila das cirurgias andaria mais rápido e todo mundo seria atendido. Também é necessária uma reorganização da regulação, porque, atualmente, ela não intervém no atendimento das demandas. Além disso, sempre está faltando alguma coisa. Os serviços credenciados, em geral, são muito bons. O problema é que os recursos são finitos, e as prioridades precisam ser revistas. Nesse contexto, quem sofre mais é o usuário, porque o estado de saúde dele piora e acaba migrando para a urgência”, explica Samantha.

No caso da falta de leitos, problema antigo e também relatado na reportagem sobre cirurgias eletivas publicada pela Tribuna no ano passado, a questão envolve não só a necessidade de se priorizar as cirurgias de emergência, mas também tem a ver com dinheiro, já que o SUS ainda paga muito pouco para os prestadores particulares conveniados para atender os pacientes. Conforme a ouvidora, em decorrência disso, muitos hospitais optam por se credenciar em procedimentos muito especializados, cujo valor pago pelo SUS é maior. Porém, esses procedimentos não refletem as necessidades reais do Município.

“O credenciamento é um conceito amplo, mas nos deparamos, cada vez mais, com as subespecialidades no atendimento médico. No caso dos AVCs, por exemplo, em que o paciente necessita de uma cirurgia vascular, existe um prestador na cidade que diz atender apenas pacientes cujo AVC não foi hemorrágico. Além disso, há também uma questão política, já que, muitas vezes, são credenciadas unidades por conta de negociatas. Isso está errado, porque os credencimentos têm que ser feitos de acordo com a necessidade da demanda. Se a demanda aqui é de leito A, eu não tenho que credenciar leito B. Não adianta o prestador comprar máquinas e leitos de serviços para se habilitar em uma área porque o SUS paga melhor, mas deixando de atender nossa realidade.”

A maior especialização por parte dos profissionais também impacta na disponibilidade para realizar os procedimentos e acaba restrigindo o atendimento ao cidadão em algumas ocasiões. É o caso das cirurgias gerais, uma das principais demandas da cidade. “Além de não termos muitos profissionais disponíveis, ainda enfrentamos um problema de fluxo, já que o paciente é encaminhado para se consultar com um especialista que não realiza a cirurgia. Essa questão também tem barrado a realização de cirurgias ortopédicas, que se tornaram a maior demanda no município desde o ano passado”, explica Samantha.

Falta de insumos gera demanda reprimida na ortopedia

Conforme dados da Ouvidoria de Saúde, cerca de 60% das reclamações formalizadas por usuários do SUS têm como origem a longa espera pela realização de cirurgias ortopédicas. Atualmente, esta especialidade é a terceira com maior demanda reprimida, segundo a Secretaria de Saúde, com 678 pacientes aguardando uma cirurgia até 23 de abril deste ano. O problema estaria relacionado, principalmente, à falta de insumos para a realização das cirurgias, como próteses e outros materiais. “Muitas cirurgias requerem insumos, próteses ou outros instrumentos e ferramentas que o SUS não oferece. O paciente tem que ficar esperando e não consegue a cirurgia. Alguns serviços, inclusive, orientam a ajuizar as questões, detalhando as necessidades específicas destes insumos, mas isso pode levar a uma demora ainda maior”, lamenta Samantha Borchear.

O gerente do Departamento de Apoio, Diagnóstico e Terapia da Secretaria de Saúde, Sydney Castro, reconhece o problema e atribui a questão ao Ministério da Saúde, que não prevê em seu elenco de procedimentos todas as ferramentas necessárias. “As cirurgias ortopédicas ficam reprimidas por conta do impasse de como arcar com os insumos que ainda não estão incorporados pelo Ministério. Não temos como contratualizar para comprar esses insumos, mas o médico tem a responsabilidade de prescrevê-los caso identifique a necessidade. O prestador não é, de fato, responsável por isso, e nem o Município. Mas temos uma responsabilidade compartilhada de não deixar esses pacientes desassistidos, então tentamos regular esse paciente para outro município. Para isso, damos o transporte ou a passagem aérea para que ele possa realizar esse procedimento em outra cidade. Não recebemos o recurso para arcar com esse custo, mas é a maneira que encontramos para não gerar desassistência.” Conforme o gerente, o problema não atinge somente as cirurgias ortopédicas, mas também as oncológicas, oftalmológicas e cardiovasculares de alta complexidade, tanto nos níveis ambulatoriais como nos hospitalares.

O conteúdo continua após o anúncio

Segundo as informações disponibilizadas para a Tribuna, uma das instituições habilitadas onde o problema estaria acontecendo é o Hospital Universitário da UFJF (HU/Ebserh). O jornal procurou a assessoria de comunicação do HU, que se posicionou por meio de nota e informou que realizou 6.706 cirurgias eletivas em 2017, com média de 558 procedimentos por mês, e que possui 15 especialidades cirúrgicas referenciadas pelo SUS, sendo o segundo hospital em variedade de procedimentos cirúrgicos realizados pelo sistema em Juiz de Fora, segundo dados do Data SUS. Ainda conforme a nota, “o número de procedimentos cirúrgicos do hospital está de acordo com a meta contratualizada com o gestor municipal do SUS”. O HU destacou ainda que zerou a fila de espera de cirurgias reparadoras e reconstrutivas pelo SUS.

Subespecialidades

Sydney Castro mencionou também a dificuldade em encontrar profissionais que atendam as especialidades de forma mais generalizada. No caso da ortopedia, por exemplo, há profissionais que se especializam em atender fraturas em um membro, como mão, joelho, coluna, etc, e optam por não operar os pacientes que apresentam problemas em outras partes do corpo. É o caso, também, da cirurgia ortopédica infantil, já que muitos especialistas afirmam que não são capacitados para operar crianças. “Os médicos, hoje, estão muito especializados em uma área específica, e aí temos dificuldade até para contratar. Se contratamos um ortopedista especialista em ombro, mas a demanda é de pé, ele já tem a tendência de não operar esse paciente. Essa é uma nova realidade à qual o Ministério da Saúde vai ter que se adaptar”, comenta Sydney. A reportagem procurou o Ministério da Saúde, que não se manifestou.

Ouvidoria defende maior acompanhamento das demandas

Outro problema é a falta de acompanhamento das demandas e a má organização do fluxo e da regulação dos pacientes. Conforme a ouvidora Samantha Borchear, a falta de monitoramento dos pedidos a partir do momento em que são repassados para os hospitais habilitados levam à desassistência. É comum que isso aconteça em casos em que os pacientes são atendidos, primeiramente, em ambulatórios da Secretaria de Saúde, onde há consultas com especialistas. Porém, esses profissionais não operam pacientes, encaminhando-os para atendimento nos prestadores, onde a demanda fica reprimida.

Segundo o gerente do Departamento de Apoio, Diagnóstico e Terapia, a secretaria já está ciente dos problemas e tem intensificado a relação com os prestadores, de maneira que eles assumam os pacientes dos ambulatórios para realização das cirurgias. “Essas pessoas continuam atendidas nos ambulatórios, mas quando chegam, entramos em contato por meio da central de guias e já marcamos uma consulta para ela com o especialista do hospital. A partir daí, é como se esse paciente estivesse apadrinhado. Vamos monitorar para o processo fluir de maneira mais rápida e objetiva para o usuário”, pontua Sydney Castro.

Cirurgias oftalmológicas também são preocupação

As cirurgias de vitrectomia, indicadas para o tratamento de diversas doenças oftalmológicas, também se tornaram um problema recentemente em Juiz de Fora. Conforme a Ouvidoria de Saúde, a demanda não era tão grande no ano passado, mas aumentou, e não há prestadores suficientes para atender os pacientes. Atualmente, apenas um hospital está habilitado para fazer esse procedimento. “Tenho recebido usuários para reclamar desta demanda toda semana. Inclusive, tenho informações de que os próprios cirurgiões estão pleiteando o aumento da cota de cirurgias dessa instituição, pois não está dando vazão. Só que isso envolve recursos e instrumentos. Por isso, algumas pessoas estão ajuizando os pedidos na tentativa de conseguir as cirurgias.”

A Secretaria de Saúde confirma que há apenas um prestador habilitado na cidade e que são realizados cerca de dez a 15 procedimentos por mês, por conta de definições do Estado de Minas Gerais. No entanto, conforme Sydney Castro, o Município tem buscado outro prestador que se credencie no Ministério da Saúde. A expectativa é que, ainda neste mês, outra unidade de saúde passe a realizar os procedimentos, aumentando o atendimento a esta demanda em Juiz de Fora. Sobre as cirurgias de catarata, a mesma especialidade pela qual o idoso Eugênio de Oliveira aguarda há cerca de quatro meses, a pasta informou que são realizadas cerca de 200 a 300 cirurgias por mês e que, este tempo na fila de espera, é considerado comum para este procedimento.

Mutirões

Um entrave apontado pela secretaria com relação às cirurgias de catarata tem relação com os recursos enviados pelo Ministério da Saúde para a realização de mutirões. Conforme Sydney, a última verba recebida foi no final do ano passado, e um mutirão foi realizado. Houve uma sobra no Estado de Minas, valor que foi redirecionado para os municípios. A expectativa é de iniciar outro mutirão neste mês, realizando 300 cirurgias de catarata até julho. Questionado pela Tribuna sobre a previsão de envio de mais recursos, o Ministério da Saúde não se posicionou.

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.