Cortes já afetam estudos e pesquisas na UFJF
Apesar de fechar o ano com as contas pagas, universidade corre o risco de não ter recursos para se manter em 2018
Para se manter em funcionamento, a UFJF tem cortado gastos na carne, impactando diretamente as pesquisas e a qualidade do ensino. Sem verbas, estudos importantes desenvolvidos por departamentos de pós-graduação da universidade estão seriamente comprometidos, sendo alguns já interrompidos e outros funcionando à base de apoio de outras instituições ou, até mesmo, com professores tirando dinheiro do próprio salário para custear as atividades e as publicações em revistas científicas. A situação enfrentada é resultado da crise de arrecadação associada à política do Governo federal de reduzir os orçamentos para as instituições públicas de ensino superior do país. Apesar do quadro de dificuldades, que tem como consequência cortes em verbas em vários setores estratégicos de fomento aos estudos, a universidade deverá chegar ao fim de 2017 com todas as obrigações financeiras em dia, mas o quadro é preocupante e considerado sombrio para 2018.
Para se ter ideia da realidade, a UFJF estima receber da União, até o fim do ano, cerca de dois terços do necessário para as despesas correntes, que reúnem gastos como auxílios financeiros a estudantes e pesquisadores, passagens e despesas com locomoção para participações em congressos, seminários e estudos de campo, além de serviços básicos, como pagamento de energia elétrica, terceirizados e o funcionamento do Restaurante Universitário (RU). Ao todo, as despesas representam R$ 66 milhões, sendo que somente 75% foi liberado pelo Ministério da Educação até o momento, de acordo com o próprio reitor Marcus David.
Mas manter os campi de Juiz de Fora e Governador Valadares requer despesa estimada em R$ 103 milhões em 2017. Para chegar a este valor até dezembro, a instituição usa de outras fontes, como uma reserva do ano passado e recursos próprios. Desses, quase a totalidade é uma pequena parcela proveniente dos contratos firmados pelo Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (Caed). No entanto, não existe a certeza da mesma fonte de arrecadação para 2018, e o MEC sinaliza, como proposta de orçamento, o empenho de apenas R$ 67 milhões para o próximo período. Mas em nota, garantiu que a previsão orçamentária para a UFJF, em 2018, é de R$ 114,8 milhões. Além disso, na última quarta-feira (6) informou que foi disponibilizado mais R$ 1 bilhão para as universidades do país este ano, que aumenta o percentual liberado de 75% para 80%.
Para o presidente do Diretório Central dos Estudantes da UFJF (DCE), Arthur Avelar, caso a previsão inicial de R$ 67 milhões seja concretizada, o cenário traçado pode significar um colapso nas contas e a dificuldade de encerrar o próximo ano letivo. “Isso representa um déficit de 40 milhões. Estamos falando de a universidade funcionar só até o meio do ano que vem, este é o cenário para 2018. A situação é grave.”
E não se trata de um problema local. Na semana passada, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), publicou uma nota à sociedade dizendo preocupada com a situação do ensino no país. De acordo com este levantamento, o orçamento de custeio das instituições em 2017 representou corte de 6,74% se comparado ao de 2016, sem levar em consideração a recomposição inflacionária. Além disso, denuncia que, para 2018, o orçamento mantém os valores de 2017, desconsiderando, mais uma vez, a inflação do período e a expansão das universidades.
Pesquisas comprometidas na Engenharia
O doutor em Engenharia Cézar Henrique Barra Rocha, que coordena dois laboratórios de pós-graduação, já sofre as consequências da falta de recursos do governo. Um dos trabalhos mais emblemáticos desenvolvido por ele e seus bolsistas teve que parar por falta de insumos. Trata-se da pesquisa que identifica a qualidade das águas que chegam nas represas de São Pedro e João Penido por meio dos seus córregos de contribuição. “Não temos recursos para comprar os reagentes para analisar a água nos equipamentos importados. Congelamos as últimas amostras, coletadas em 2016, e ainda não tivemos como fazer a avaliação. Perdemos toda uma série histórica de pesquisa contínua.” Dentro do seu laboratório, há outras consequências da falta de dinheiro. Um equipamento de alto custo, chamado de GPS RTK, usado para georreferencimaneto em tempo real, está parado porque não há dinheiro para comprar bateria.
Professor de Engenharia de Produção da UFJF, o doutorando Márcio de Oliveira, que é orientado por Cézar, tem dificuldades para manter as pesquisas de análises das águas da represa Chapéu D’Uvas. Segundo ele, o estudo só não foi comprometido porque foi firmado um apoio com o Corpo de Bombeiros e a Cesama para os trabalhos em campo e as análises laboratoriais. “Hoje, eu só recebo o meu salário como professor. O benefício do programa de qualificação da Universidade, que auxilia os estudos dos professores, se encerrou no mês passado, e não há previsão de retorno.”
Em outro laboratório sobre responsabilidade de Cézar, de georreferenciamento, o estudo sobre encostas em áreas de risco de cidades da região só se mantém por causa de um convênio com o Corpo de Bombeiros. Mesmo assim, o professor conta com quatro estagiários para analisar as amostras e avançar nos estudos, visto que há apenas um bolsista integrado a este programa. “O ideal seria pelo menos quatro. Computadores os alunos trazem de casa, porque os do laboratório não comportam os programas, só servem para texto e planilhas. Na verdade, a gente junta peça de dois ou três para montar um computador. A impressora, eu pago o cartucho de tinta do próprio bolso, além de trazer, de casa, água, café e papel higiênico.”
Redução de gastos é significativa para estudantes
Para identificar os impactos da redução dos gastos da União com a UFJF, a Tribuna fez levantamento no Portal da Transparência do Governo federal. Entre as despesas que mais sofreram com diminuição de recursos estão auxílios a estudantes e pesquisadores, passagens e despesas com locomoção e verbas direcionadas a obras e instalações. As bolsas de auxílio não estão com pagamentos atrasados, embora os valores pagos estejam congelados.
Para chegar ao resultado, a reportagem considerou a média dos repasses feitos em 2015 e 2016, aplicada proporcionalmente aos já disponibilizados em 2017, visto que os dados do Governo consideram os repasses feitos até julho. Mesmo assim, o reitor Marcus David considerou que os impactos podem não ser exatos, pois alguns empenhos não foram pagos ainda. Mas na prática, a falta de recursos é flagrante.
O coordenador de pós-graduação em Geografia, Roberto Marques, afirma que os cortes tiveram impacto significativos a partir de 2015, e as maiores dificuldades estão em custeio para viagens. “Não conseguimos hoje dar o apoio necessário para o aluno e o professor participarem de congressos. Além disso, está limitada a possibilidade de trazer docentes de fora para palestras e simpósios.”
Para ele, a pesquisa fica prejudicada no momento em que, cessa, também, os recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). “Nosso temor é que a situação se agrave ainda mais.”
A situação não é isolada. O coordenador do programa de Pós-graduação em Ecologia do Departamento de Botânica da UFJF, Fabrício Carvalho, afirma que falta dinheiro da UFJF e dos programas de pesquisas, como do CNPq e da Capes, até mesmo para garantir publicações dos estudantes em revistas científicas.
“Hoje a gente se mantém com 40% da verba que tinha em 2013, quando nosso programa era muito menor. Há dois anos, não temos mais recursos para participar de eventos fora do país, apesar da ideia de internacionalizar a UFJF. Hoje eu vivo uma era em que falo mais não do que sim. E esta situação dói, pois é muito difícil gerenciar recursos com estas limitações.”
Conforme Fabrício, o resultado deste cenário são pesquisas mais simples, “por falta de recursos básicos, como diárias e locomoção”. Quando a pesquisa supera as dificuldades e chega ao nível de uma grande publicação, ainda é preciso dinheiro para os pagamentos das taxas, que, em algumas revistas, chega a US$ 1.500. “Acabo pagando por isso. Boa parte da ciência que desempenho hoje sai do meu salário. Para publicações fora do país, ainda tem o custo da tradução, que fica entre US$ 300 e US$ 500. E eu pago isso.”
Segundo o professor, recentemente, a UFJF conseguiu um edital para pagamento destas publicações, mas que selecionaria, no máximo, cinco estudos. “E a gente publica 130 artigos científicos por ano. Acaba que escolhemos uma revista mais fraca e mais barata.” Em nota, o MEC informou que tem o compromisso de assegurar os investimentos nas universidades federais do Brasil e já liberou 45% do orçamento de capital para aquisição de equipamentos e outras melhorias. “O MEC já liberou cerca de R$ 516 milhões para investimento, mas as universidades só empenharam cerca de R$ 295 milhões. Ou seja, ainda há aproximadamente R$ 221 milhões disponibilizados e não empenhados”.
Reitor critica modelo de financiamento
O reitor Marcus David critica o fato de a receita eventual da UFJF precisar ser usada para custeio e manutenção. Segundo ele, em 2017, a universidade tem uma situação diferenciada de outras instituições por causa da arrecadação própria, que é expressiva, e, portando, os compromissos serão todos pagos. No entanto, ao seu ver, este recurso é eventual e deveria ser usado para programas e investimentos pontuais. “Poderia estar usando esta receita para comprar um equipamento, promover um evento ou custear um programa de capacitação de docentes. A lógica é que este montante, que não é fixo, não poderia ser usado para manter a universidade. Isso é mudar o sistema de financiamento das universidades brasileiras. E é muito arriscado, porque estão sujeitando o orçamento a uma volatilidade grande. Quer dizer que, se tiver projetos e contratos, as contas se pagam, ao contrário, não? Quero deixar claro que este não é um modelo de financiamento que posso defender como reitor.”
Para 2018, porém, o cenário ainda é de incerteza. O reitor afirma que não será possível trazer um recurso acumulado de 2017, como foi feito em 2016 para este ano. E, por isso, equilibrar as contas dependeria de “um fenômeno de arrecadação própria”. A maior chance de isso ocorrer, embora não a ideal, seria uma nova captação de projetos por meio do Caed. “Mas eu não posso imaginar que isso vá acontecer. Claro que, a qualquer momento, um novo contrato pode ser celebrado, mas é preciso salientar que a parcela recebida pela própria universidade é apenas um resíduo do contrato. O que se ganha nestes projetos é quase tudo utilizado no próprio Caed.” Outra possibilidade que Marcus David e outros reitores aguardam com expectativa é a sinalização quanto ao orçamento do MEC para 2018, que também depende das discussões no Congresso. Embora já tenha sinalizado o valor semelhante ao de 2017, ainda não há algo definitivo.
E, para ele, manter o mesmo orçamento desde ano em 2018 é ainda pior, tanto pela ausência de recursos próprios, como também por outras perdas na área da educação. “Zerou o nosso capital e alguns projetos que tínhamos receitas vinculadas estão deixando de existir. Soma-se a isso uma forte redução nas verbas de ciência, tecnologia e dos editais, que resultavam em projetos para equipar laboratórios” O reitor teme o sucateamento da universidade, embora a reportagem mostra que em alguns casos este fato já ocorra.
MEC
Além de garantir verba maior que a sinalizada para 2018 à UFJF, o MEC respondeu à crítica do modelo de financiamento das universidades. Disse que as instituições têm autonomia administrativa e de gestão financeira e patrimonial. “Desta forma, o ministério, após efetuar liberação financeira, não possui qualquer ingerência sobre os processos de pagamentos que estejam a cargo de suas unidades.
Sobre a situação de redução dos investimentos, o ministério condicionou o problema ao fato de 2014 ter sido ano eleitoral, o que teria contribuído para o salto de 8% nos repasses em relação a 2013. “Por outro lado, em 2015 houve redução de 14% em relação ao ano eleitoral, enquanto em 2016, na atual gestão, ocorreu um crescimento de 9% em relação a 2015”. Também ressaltou que os repasses estão regulares desde maio do ano passado.
Deputada defende manutenção de gestão pública integral
A deputada federal Margarida Salomão (PT), que é presidente da Frente Parlamentar de Valorização das Universidades Federais, destaca a situação da UFJF como “sombria”. “Existe uma mentalidade expressada pelo MEC que as universidades públicas deveriam complementar seus investimentos com cobrança de mensalidade. Seria como onerar o cidadão brasileiro por algo que ele já paga através dos impostos. Isso é contra a luta histórica da educação e defende uma concepção política, que quer desonerar o poder público da gestão integral das universidades. Mas nós entendemos que a educação pública deve ser gratuita.”
Para aumentar os recursos, a deputada diz trabalhar para promover uma comissão plenária. “Vamos convidar o governo, os reitores, os estudantes, os técnicos e os professores para fazer um amplo debate. Queremos evitar o colapso. Nossa luta é para aumentar o orçamento”, disse. Uma estratégia, segundo Margarida, é autorizar o aumento do teto da dívida pública, que o Governo tenta aprovar em Congresso, condicionando parte deste recurso a mais para o uso na educação. “Porque fazer um rombo deste tamanho (estimado em R$ 20 bilhões além do inicialmente previsto) para pagar juros ou o governo comprar a sua base é irresponsabilidade. Infelizmente, o cenário é sombrio, absolutamente sombrio, e que nos convoca à luta.”