Violência no Espírito Santo leva pânico a juiz-foranos
Nem mesmo com as ruas patrulhadas por soldados do Exército, a Região Metropolitana de Vitória (ES) ficou menos violenta. Na madrugada de segunda para terça-feira, dez mortes em atos de violência foram confirmadas na capital capixaba, somando 75 homicídios nos últimos quatro dias. A crise na segurança pública do estado retirou a Polícia Militar das ruas desde a madrugada de sábado. Reivindicando reajuste salarial e pagamento de benefícios, a PM do Espírito Santo entrou em greve na última sexta-feira. A onda de violência levou o presidente Michel Temer (PMDB) a determinar o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem no Espírito Santo. A situação deixa a população em pânico. Juiz-foranos que estão de férias no litoral do estado, em cidades como Piúma e Guarapari, por meio das redes sociais, relatam situações de insegurança para permanecer nesses municípios e até voltar para casa, já que têm receio de pegar a estrada. O problema enfrentado pelo Espírito Santo também impacta a venda de passagens para o estado no Terminal Rodoviário Miguel Mansur, que já registra devolução de bilhetes. Mineiros que já se fixaram no território capixaba também denunciam, à Tribuna, por telefone, o estado de sítio no qual estão vivendo, pois famílias inteiras estão se trancando dentro de ruas residências, como é o caso da juiz-forana Sarah Bartels, de 28 anos.
Ela é casada, não tem filho e mora em Vitória há sete anos. “O clima é de muita insegurança. Hoje (ontem) está quase todo mundo trabalhando em esquema de home office. Ontem (segunda-feira) fui trabalhar, e o expediente foi encerrado. As escolas estão fechadas, a prefeitura está fechada, todos os órgãos municipais não estão funcionando. Os postos de saúde que estão fazendo parte da vacinação contra a febre amarela não abriram ontem (segunda) e, hoje (ontem), o comércio e os restaurantes não estão funcionando. Na segunda, o shopping fechou às 14h e hoje (ontem) nem sei se abriu. Os supermercados estão sendo saqueados, e a situação é grave. Foi divulgado na mídia o furto de 200 carros e, como usamos carro, ficamos preocupados. Temos receio até do coletivo fretado da empresa, porque estão abordando os ônibus e matando as pessoas. Já são 75 mortos desde sexta-feira, e o IML não comporta mais corpos”, ressalta Sarah, que é economista e trabalha em um porto seco na cidade de Cariacica, na Grande Vitória.
Desde as 14h da última segunda-feira até o momento em que conversou com a Tribuna, na tarde de ontem, por volta das 16h, Sarah estava trancada em casa e só sairia hoje caso a situação estivesse mais tranquila. Segundo ela, na varanda de sua residência, presenciou o roubo à mão armada contra dois carros e observa pessoas estranhas rodando na rua. “É um verdadeiro estado de sítio. Tem gente que já está desesperada, pois não tem alimento, o gás já acabou e não consegue comprar. Ontem (segunda-feira), às 16h, os ônibus pararam de funcionar na Grande Vitória e muitas pessoas não conseguiram voltar para casa. Hoje (ontem) de manhã voltaram a rodas às 10h e muitos não foram trabalhar. A mídia nacional não está mostrando o que de fato está acontecendo. Estamos num ‘presídio domiciliar'”, desabafa a juiz-forana.
O repórter da Rádio CBN de Vitória, Diony Silva, formou-se em jornalismo em Juiz de Fora e vem fazendo coberturas sobre a situação desde a deflagração da greve da Polícia Militar. Como ele aponta, o quadro está difícil inclusive para imprensa. Ontem ele relatou para a Tribuna como estava a capital do estado. “Nas ruas, as pessoas não estão tranquilas, o comércio está fechado, os ônibus estão parando em diversos momentos. Agora o Exército está nas ruas, mas a sensação ainda não é de muita segurança. Não é de segurança para repórteres e nem para a população, que já começa a se revoltar contra o movimento da polícia em ficar dentro dos batalhões que, inclusive, já foi declarado pela Justiça como ilegal.”
Conforme noticiado ontem pelo jornal “O Globo”, durante a madrugada de terça-feira, 24 pessoas foram presas em flagrante pelos crimes de roubo, furto e tráfico de drogas. Ninguém havia sido preso por homicídio. Sem a Polícia Militar na rua, os flagrantes foram realizados por policiais civis da delegacia de plantão, acionados por guardas municipais.
Famílias apreensivas
A jornalista Michelle Cafiero,32, viajou com o marido e a filha de 1 ano e 8 meses para Piúma, no Sul do estado, para curtir as férias, mas está preocupada com a situação que encontrou na cidade que já frequenta há anos. “Não vimos vandalismos e atos de violência, mas os comerciantes estão relatando sobre assaltos aos mercados. O que mais me assustou foi que ontem (segunda-feira), às 15h, tentamos ir ao mercado e todos os estabelecimentos já estavam fechados por medo de assalto. Em Marataízes, que é próximo daqui, havia lojas arrombadas”, afirma Michelle, que chegou a Piúma no dia 04. “Estava tudo tranquilo e, de domingo para segunda-feira, tudo mudou. O clima ficou tenso. As famílias de policiais militares estão acampadas na frente do quartel da PM aqui na cidade”, relatou. Segundo ela, parte de sua família mora em Vila Velha e está sentindo a violência bem perto da casa deles. “Eles pediram para que nós não fôssemos até lá para visitá-los até a situação se estabilizar.”
Com familiares no Espírito Santo, a empresária juiz-forana Liliane Guimarães de Carvalho está apreensiva com a situação e, junto com a mãe de 80 anos, tem mantido contato telefônico frequente com a irmã, o cunhado e os três sobrinhos que moram no estado vizinho. A família, que é proprietária de seis padarias em Vitória e Vila Velha, garante nunca ter vivenciado situação semelhante. “Na segunda-feira, meu cunhado ficou com medo e fechou as padarias às 3 horas da tarde. Hoje (ontem) ele abriu, mas poucos funcionários foram trabalhar. Minha irmã disse que a maioria do comércio está fechada, muitas lojas tiveram os vidros quebrados, e não há quase ninguém nas ruas. Ontem (segunda-feira) meu sobrinho seguia de táxi para o trabalho e acabou no meio de um arrastão. Estão todos apavorados”, declarou Liliane.
Tensão no interior
O juiz-forano Celso Bastos, 37, mora em Mimoso do Sul, onde trabalha como representante comercial, e percorre diversas cidades do Espírito Santo para atender os clientes. Segundo ele, esta semana o cenário está assustador. “Ontem (segunda-feira) fomos pegos de surpresa. As lojas fecharam as portas em Mimoso, Muqui, Iconha, Atílio Vivacqua e Cachoeiro do Itapemirim. Os comerciantes estão dormindo dentro dos estabelecimentos na tentativa de proteger o patrimônio. Hoje (ontem), os que abriram mantiveram a espingarda embaixo dos balcões”, contou, afirmando que, ao passar por Vila Velha, se deparou com duas pessoas baleadas na porta de um shopping. “Não tem ninguém para prender, porque a quantidade de polícia na rua é insignificante. Na segunda estive em Meaípe e almocei em um restaurante com as portas trancadas”, relatou Celso, acrescentando que, depois que anoitece, as ruas ficam desertas.
Juiz-foranos cancelam viagens e devolvem passagens
Somente nesta terça-feira (7) foram devolvidas 22 passagens, entre compras no dinheiro e cartão, no guichê da Viação Riodoce, empresa responsável pelo trajeto Juiz de Fora/Espírito Santo há mais de 20 anos. Além do ponto localizado no Terminal Rodoviário Miguel Mansur, há outras unidades de venda espalhadas pela cidade, mas, até o início da noite de ontem, não tiveram os bilhetes devolvidos computados. De acordo com o despachante de passagem, Alfredo Luiz Honório, os usuários podem realizar o procedimento de devolver ou remarcar a passagem sem custos até três horas antes do embarque. Após esse horário é cobrado 20% do valor normal. Já o gerente de operações da Viação Riodoce, Fenelon Abreu, disse que, diariamente, saem três ônibus com destino ao Espírito Santo (8h30, 20h30 e 21h) e que, até ontem, a empresa não havia diminuído o número de carros considerado normal para o período.
Moradores protestam pedindo a volta da PM
(ABr) – O clima ficou tenso, ontem à tarde, em frente ao Comando Geral da Polícia Militar do Espírito Santo em Maruípe, na região central de Vitória. Moradores pediam a volta dos policiais militares para o patrulhamento das ruas e protestaram contra a presença dos familiares – principalmente mulheres – em frente aos quartéis. Desde sábado, a capital capixaba está sem policiamento nas ruas e parentes de policiais militares estão impedindo a saída de viaturas como forma de protesto. Os familiares reivindicam reajuste salarial e o pagamento de benefícios aos policiais.
Os militares do Exército que chegaram na segunda-feira para reforçar a segurança no Espírito Santo tiveram que separar os dois grupos e liberar o trânsito na Avenida Maruípe que havia sido interditada pelos manifestantes.
A manicure Marislaine da Silva Feu, 32 anos, era uma das que protestavam contra a presença das mulheres em frente ao quartel. “Eu sou filha de militar, mas eu não sou a favor dessa greve. A gente está sofrendo. Escolas estão fechadas, comércio sendo saqueado, pessoas morrendo”, disse a moradora de Vitória.
Em frente à entrada do quartel geral, a professora Priscila Nascimento de Almeida, de 27 anos, namorada de um policial militar, levou uma pedrada na cabeça, segundo ela, jogada pelos manifestantes. “Queremos reivindicar um salário melhor porque eles passam dificuldade, correm risco. Os moradores deveriam ir atrás do secretário de Segurança e não vir para cá. A gente está fazendo a nossa manifestação sem agredir ninguém”, disse Priscila, que está desde sábado acampada com outras mulheres em frente ao batalhão.
Clima de insegurança
Apesar da presença de mil homens das Forças Armadas e 200 da Força Nacional que patrulham as ruas para reforçar a segurança da região metropolitana de Vitória, a maior parte do comércio permaneceu fechado ontem. Poucos ônibus circulam e muitas ruas estão vazias.
Pelo segundo dia consecutivo, a Prefeitura de Vitória suspendeu a volta às aulas na rede municipal e o atendimento em todas as unidades de saúde da capital do Espírito Santo.
Liminar
Uma liminar do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) não impediu a mobilização de parentes de policiais militares. A Justiça decretou a ilegalidade do movimento e proibiu a realização de qualquer tipo de paralisação dos serviços de segurança pública pelos policiais, sob pena de multa diária de R$ 100 mil para as associações de classe dos militares. O desembargador do TJES, Robson Luiz Albanez, determinou ainda que os piquetes montados nas sedes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros sejam desfeitos.
Na decisão, Albanez argumenta, baseado na Constituição, que é vedado qualquer tipo de paralisação por parte de militares, uma vez que seus serviços são indispensáveis para a sociedade e que a ausência de policiamento coloca em risco a segurança coletiva.