Volume de chuvas é menor que o da crise hídrica

Acumulado está abaixo do que foi observado nos anos de 2014 e 2015; Rio Paraibuna sofre com estiagem, evidenciando sujeira, assoreamento e alta concentração de esgoto


Por Eduardo Valente

06/08/2017 às 06h00

O volume de chuvas que caiu sobre Juiz de Fora nos sete primeiros meses de 2017 é menor do que foi observado em igual período em 2014 e 2015, quando a cidade e toda a região Sudeste do país sofreu com uma grave crise hídrica. De acordo com dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), acompanhados diariamente pela Tribuna, o acumulado de precipitações até o momento é de 526 milímetros, quando a média histórica previa 949,7 milímetros (ver quadro). Apesar dos dados impactantes, a Cesama garante que não há riscos no abastecimento de água em curto e médio prazo, por causa da contribuição do manancial Chapéu D’Uvas, 11 vezes maior que João Penido. No entanto, outras consequências da estiagem severa já são observadas, sendo a principal delas o aspecto pouco atrativo do Rio Paraibuna. A cidade não tem chuva acima de dez milímetros em um dia desde 14 de junho.

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O rio que corta Juiz de Fora sofre com a estiagem. Bolsões de areia aparecem em vários pontos, da Zona Norte à Zona Sudeste; as águas do rio estão ainda mais escuras, por causa da menor diluição do esgoto; e o volume de água sobre a calha está mais baixo do que o esperado até mesmo para esta época do ano. De acordo com dados da Agência Nacional de Águas (ANA), o nível próximo ao Bairro Vila Ideal é de 114 centímetros em média, sendo que em igual período, ano passado, era de 141 centímetros. Pior: em 2015, no auge da crise hídrica, o nível na calha do rio em julho era de 122 centímetros no mesmo ponto.

A vazão também está diferente. Em julho de 2016, passava, em média, 14 mil litros de água sobre o rio a cada segundo e, este ano, são nove mil litros. Deste total, estima-se que cerca da metade seja de esgoto que cai no leito vindo dos córregos. Outros cinco mil litros de água são despejados pela Cesama, a cada segundo, da Represa de Chapéu D’Uvas, justamente para perenizar o rio.

Sinal de alerta
No entanto, existe um dilema: quanto maior for esta descarga, menor será o nível de acumulação no manancial, o que pode significar problemas a longo prazo, caso o regime de chuvas se mantenha atípico. Segundo o diretor de desenvolvimento e expansão da Cesama, Marcelo Mello do Amaral, a situação atual liga um sinal de alerta para a companhia, embora ele reforce que não há possibilidade de problemas no abastecimento em curto e médio prazo.

A tranquilidade, segundo ele, é explicada pelo volume de água retirado para o tratamento em Chapéu D’Uvas, que não chega a 10% do que é despejado no rio. “Hoje preservamos bastante João Penido, extraindo aproximadamente 300 litros de água por segundo de Chapéu D`Uvas. E nossa outorga permite captar até 900 litros de água por segundo. Para se ter ideia, João Penido se mantém com bom nível de acumulação nesta época do ano (67%) e não estaria desta forma se não tivéssemos Chapéu D’Uvas em operação.”

Vazão do rio pode ser maior
Aumentar a vazão do Rio Paraibuna para melhorar o seu aspecto, usando as águas acumuladas em Chapéu D`Uvas, é uma decisão que depende de alguns fatores, segundo Marcelo. Entre eles, analisar o comportamento das chuvas em agosto e acompanhar os próximos prognósticos de volume chuvoso. Isso porque, até o momento, não existe qualquer anormalidade apontada pelos institutos de meteorologia para 2017. O que aconteceu em Juiz de Fora, segundo o próprio Marcelo, foi a infeliz consequência de seguidas aproximações de massa de ar polar, que funcionam como bloqueios atmosféricos e impedem a entrada das frentes frias e das chuvas.

Na região do Bairro Industrial, bolsões de areia formam ilhas no leito do Paraibuna, que tem baixo nível de água. (Foto: Leonardo Costa)

O geógrafo Yan Vianna, do laboratório de climatologia da UFJF, explica que, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as chuvas seriam, de fato, dentro da normalidade em 2017. “E esta mesma expectativa se mantém, portanto as anomalias nas chuvas não devem permanecer nos meses do verão, dada a ausência do El Niño e de mudanças nas temperaturas do oceano.”

Mesmo assim, a Cesama se organiza para o pior cenário possível. Nesta situação, a estiagem seria prolongada e, portanto, não economizar hoje poderia trazer efeitos indesejáveis daqui a alguns meses. “Seria leviano da nossa parte agora aumentar muito o volume de água no rio sabendo que podemos enfrentar um período de seca, podendo se estender para um segundo período. Então a gente precisa sempre trabalhar com a hipótese mais desfavorável possível, mesmo sabendo que nossa infraestrutura hoje nos dá tranquilidade.”

Pouco efeito
Além disso, conforme Marcelo, o aumento do volume liberado para descarga hoje traria poucas consequências, pois os 21 cursos hídricos abaixo de Chapéu D`Uvas estão muito vazios, e a água não chegaria em sua totalidade ao leito do rio na área urbana. Existe ainda, segundo ele, a questão da evaporação da água, pois o período de estiagem também é de tempo seco e baixa umidade relativa do ar.

Outro fator que pesa na decisão, segundo Marcelo, é a demanda desta vazão atual pelas usinas da Cemig. “Não adianta aumentar agora e as usinas não conseguirem produzir, pois será desperdício que pode vir a fazer falta depois. Por isso, vamos continuar tomando decisões a partir das avaliações das tendências climatológicas.”

Paraibuna depende de chuva

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O professor da UFJF Pedro Machado, doutor em recursos hídricos e que desenvolve pesquisas sobre Chapéu D’Uvas e o Paraibuna, afirma que sem a descarga de Chapéu D’Uvas a situação do rio estaria muito pior. “É um rio de regime tropical, portanto depende da chuva e desta regularização da vazão feita pelo manancial. Mas é importante ressaltar que, quanto menos a vazão dele, pior vai ficando a qualidade da água. Ou seja, menos água para diluir a mesma quantidade de esgoto.”

Segundo o diretor de desenvolvimento e expansão da Cesama, Marcelo Mello do Amaral, a situação do Paraibuna sempre será preocupante pelo fato de haver esgoto sendo despejado diariamente, quadro que piora com menos diluição. Apesar de o dejeto estar mais concentrado, ele afirma que a qualidade da água está sendo monitorada diariamente e os níveis ainda estão dentro do aceitável para um rio que recebe esgoto.

Assoreamento
O baixo volume de água no Rio Paraibuna também evidencia outros problemas. Com pouca água, bolsões de areia se formaram em diversos pontos, formando montes de lixos. O assoreamento, consequência da contribuição dos córregos poluídos, associada à falta de educação e respeito da comunidade, reacende ainda a discussão sobre a efetividade das dragagens, processo em que sedimentos são retirados do fundo do rio. Para Pedro Machado, o processo não é economicamente viável. “O que vemos hoje é o reflexo do que se faz com o rio em toda a bacia. A dragagem é mais um paliativo, pois se desassoreia o rio hoje, o problema não será resolvido, pois a sujeira vai continuar chegando.”

Retirada do esgoto
A despoluição do rio, com a consequente redução da chegada dos sendimentos, passa pela finalização das obras da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) União-Indústria, em Granjas Bethel, Zona Sudeste, que tem previsão de começar a operar em setembro, tratando cerca de 200 litros de esgoto por segundo, o que representa 30% da demanda da cidade.

Quando estiver totalmente pronta, a ETE terá capacidade para tratar até 850 litros por segundo de dejetos. Conforme a Cesama, o volume de esgoto tratado, e consequentemente retirado do Rio Paraibuna, vai aumentar gradativamente, à medida em que for avançando as obras de interligação das redes coletoras e interceptoras. As primeiras são colocadas nos córregos, enquanto a outra é instalada às margens do rio, na Avenida Brasil, evitando que os efluentes caiam sobre o leito.

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