Há 69 anos, Mounira Rahme fez de Juiz de Fora seu lar após sair da Síria

Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, Tribuna conta histórias de imigrantes que, longe do país de origem, escolheram Juiz de Fora como sua morada


Por Nayara Zanetti, sob supervisão da editora Fabíola Costa

05/03/2023 às 06h30

Tem pessoas que ficam ligadas a uma cidade desde o nascimento. Criam ali suas memórias da infância, se estabelecem como adultos e permanecem durante todo o envelhecimento. Há outras que deixam o destino (ou a circunstância) mostrar qual é o seu lugar no mundo e vão para mais longe do que jamais poderiam imaginar. Distante de casa, da cultura em que estão familiarizados e, em muitos casos, longe até mesmo da própria família, há quem escolha ficar.

No mês das mulheres, a Tribuna conta histórias de imigrantes que, longe do país de origem, acolheram Juiz de Fora como sua morada. Vamos abordar seus cotidianos na cidade mineira, como foram recebidas aqui e as dificuldades que encontraram para se adaptar. Cada uma vinda de um lugar diferente da outra, também encontraram maneiras diversas de viver na cidade e de manter, ao menos em si, a lembrança viva de onde vieram.

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Mounira é comerciante e criou dois filhos, cinco netos e quatro bisnetos em Juiz de Fora (Foto: Pedro Moysés)

A primeira reportagem é sobre Dona Mounira Rahme, que há 69 anos deixou a Síria rumo ao município mineiro. Nada menos que 10.469 quilômetros separam Yaborud, sua cidade natal, de Juiz de Fora. Com 16 anos, após se casar com um sírio que morava no Brasil, Mounira percorreu toda essa distância dentro de um navio para ajudar nos negócios da família. Era um sábado quando viu a cidade pela primeira vez, no dia 20 de fevereiro de 1954. Encantada, quis criar raízes aqui e assim o fez. Hoje, aos 85 anos, ela se orgulha de ter criado dois filhos, cinco netos, quatro bisnetos, uma carreira e laços na cidade, que, no quesito amor, é quase igual ao que sente pela Síria.

A comerciante é proprietária da tradicional loja de tecidos Casa Chic, inaugurada bem antes de Mounira chegar ao país, em maio de 1930 pelo tio e pelo cunhado. Em 1977, ela assumiu a loja depois da morte do marido e hoje toca o empreendimento ao lado da filha e de um dos netos. Dona Mounira não deixa de trabalhar um dia sequer na loja, localizada na Rua Marechal Deodoro. Aos poucos, ela foi incorporando outras paixões brasileiras ao estabelecimento, como os artigos de carnaval.

“A primeira vez que vi o carnaval, o samba, comecei a encantar com os pés, com as pernas, corria de um lado para o outro, queria pular junto e acompanhar o desfile para não perder aquela dança maravilhosa”, relembra. Mais tarde, ela chegou a desfilar nas escolas de samba da cidade.

Quando chegou no Brasil, não sabia falar uma palavra em português e não conseguia se comunicar com os clientes. Sua cunhada fazia a intermediação e passava as coordenadas: “Corta quatro metros desse tecido. Qual o valor daquele outro?”. Não demorou muito para ela aprender a língua sozinha, mas, mesmo assim, fez questão de ensinar aos filhos a falar árabe para manter viva parte de sua história. “Parece que tem um negócio dentro de você que grita ‘meu país’ quando escutamos português em algum lugar.”

Saudade de casa

A mais velha de cinco irmãs, Mounira trabalhava no campo junto com seu pai no tempo em que viveu na Síria. Foi lá também que o gosto pelo mundo da moda se aflorou ao aprender costura com a mãe. “Eu era muito pequena e lembro bem de ajudar minha mãe a rodar a manivela da máquina e meu pai a plantar. Já tinha noção da vida.”

A saudade da família foi a maior dificuldade que enfrentou por muitos anos depois de sair do seu país de origem. “Nós éramos uma família muito grande, lá eu ajudava com todo o trabalho. Senti muita falta do ambiente familiar antes de ter meus filhos.” A comerciante visitou a Síria 25 vezes após sua partida, mas é menos do que gostaria. “Com a guerra ficou muito difícil ver minha família, até hoje fico preocupada. A última vez que fui foi em 2017, queria ter ido no ano passado para visitar a cidade, minhas irmãs, meus sobrinhos, mas não consegui por causa da Covid.”

Tradição Síria na cidade

Há 30 anos, Mounira atua como presidente do Clube Sírio e Libanês. Desde que chegou na cidade buscou manter contato com imigrantes do seu país que também viviam aqui, para tentar diminuir a saudade de casa e manter vivas as tradições. “Nós temos um grupo de mulheres sírias que se reúnem até hoje, somos seis, nos reconhecemos. De duas a três vezes por ano nos encontramos para falar, rezar, cantar e dançar em árabe”, conta.

Além disso, com frequência ela cozinha comidas típicas do seu país, receitas que aprendeu com a mãe e hoje gosta de fazer para a família. “Eu cheguei aqui não sabendo nada, mas usei toda a sabedoria que aprendi na Síria. Em Juiz de Fora, fui muito acolhida com amizade, simplicidade e consideração. O Brasil é o país mais lindo do mundo”, diz.

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De todos os cantos da cidade, seu favorito é o Morro do Cristo, por ver o município por inteiro. Mounira acredita que Juiz de Fora a escolheu.

“Quando cheguei aqui era para ficar um pouco e ir embora. Mas me apaixonei pela cidade e não a troco por lugar nenhum.”

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