Inimigas silenciosas dos gatos

FIV e FeLV são doenças virais que vitimizam gatos em todo mundo. Sem cura, a única forma de evitá-las é a prevenção


Por Bárbara Riolino

03/07/2017 às 15h33- Atualizada 03/07/2017 às 15h38

Legenda bárbara assis adotou cinco gatos positivos para FelV e um com FIV (Olavo Prazeres)
Bárbara Assis adotou cinco gatos positivos para FelV e um com FIV (Olavo Prazeres)

Uma dessas piadas que viralizam nas redes sociais fez uma analogia sobre a internet ser um “possível retorno” ao Antigo Egito, dado o interesse das pessoas nos gatos. Na timeline, não faltam vídeos e fotos de gatinhos fazendo alguma fofurice ou levando as pessoas ao riso.

Mas quem cuida de um felino deve estar atento a um fato muito sério: FIV e FeLV são doenças virais sorrateiras e perigosas, não têm cura e podem levar o bicho à morte.

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Em todo o mundo, as prevalências chegam a 44% para a FIV e a 38% para a FeLV. No país, conforme estudos realizados nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, o número de gatos positivos para a FIV variou de menos de 2% a 37,5%; já para a FeLV, de 8% a 63%, o que significa que há lugares onde um a cada dois gatos está infectado. Em Belo Horizonte, por exemplo, este número chega a 47,5%. Embora não exista cura para ambas as doenças, há tratamentos que ajudam o gatinho a conviver melhor com os sintomas e ter mais qualidade de vida.

O vírus FeLV pertence a mesma família do Vírus da Imunodeficiência Humana, o HIV, e é responsável por desencadear no organismo do gato a Leucemia Viral Felina. Já o FIV – Vírus da Imunodeficiência Felina – pode levar o gato a desenvolver uma síndrome aidética felina (Faids), semelhante à AIDS nos humanos. “Quando o gato se infecta, esses vírus modificam seu material genético de forma a se integrarem às suas células e acabam se protegendo da ação das células de defesa. Apesar de serem de uma mesma família, os locais onde os vírus atuam dentro do organismo do gato são distintos e isso leva a diferenças na forma como as doenças se manifestam”, explica Raphael Mattoso, médico veterinário e mestrando em retroviroses de felinos pela Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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Segundo o pesquisador, um animal positivo para FIV pode viver bem e sem apresentar sintomas pelo resto da vida. A morte geralmente ocorre por outras causas. “Entretanto, sua expectativa de vida é menor quando comparada com a de um animal livre da doença, uma vez que o vírus da FIV age diretamente nas células protetoras”, observa. Ao contrário do vírus da FIV, que é mais silencioso, o da FeLV é muito mais agressivo e rápido. A expectativa de vida do gato após a infecção é, em média, de dois anos e meio. “O fator mais marcante na FeLV é a presença de tumores em maior frequência, geralmente no pulmão e na medula. Nessas duas áreas, os tumores comprimem os órgãos. Alguns animais podem apresentar perda da visão, incontinência urinária e até dificuldade de se locomover, perda de equilíbrio, pois o vírus pode também lesionar células nervosas importantes. Isso não é visto na FIV e quando surge é mais tardio, pois o sistema imune do gato não controla mais as células protetoras. Os sinais clínicos são comuns devido à baixa imunidade.”

Presença do vírus e diagnóstico

Há dois anos, a consultora em comunicação Flávia Cadinelli se despediu do pequeno Guru, que perdeu a batalha contra a FeLV. Segundo ela, Guru era um gatinho aparentemente saudável, que passou pela consulta veterinária de praxe logo depois da adoção, com um mês de vida. “Ele adoeceu com um ano de idade e demoramos a chegar no diagnóstico da FeLV. Foi uma batalha! O principal e mais doloroso sintoma foi a perda do movimento das patinhas traseiras. Os diagnósticos iniciais eram desde infecção urinária a hérnia de disco, problemas na coluna. Depois de muito procurar, uma equipe de profissionais de Juiz de Fora realizou o exame e deu positivo”, relembra.

Flávia conta que o gatinho sentia muitas dores em um ponto da coluna, onde foi localizado um coágulo. Para amenizar o sintoma, foi realizada uma cirurgia muito complicada, o que rendeu uma internação longa e cuidados extras em casa. “Foi um processo muito triste, de uma entrega muito grande para salvar a vida dele. Ele chegou a fazer sessões de fisioterapia e cada avanço era uma alegria. Mas o corpo começou a enfraquecer, eram muitos remédios, o fígado inchou e o rim parou de funcionar. Eu não desejo a ninguém o que eu passei ao acompanhar a doença do meu Guru.”

Depois de passar pelo luto, a consultora decidiu adotar um casal de gatinhos: Mike e Maya. Ambos foram testados antes de serem levados para a sua casa. Felizmente, ambos eram negativos. “Quis me precaver, principalmente por serem dois e não seria justo um deles passar a doença para o outro. Os exames dos dois deram negativo e eles são muito saudáveis”, conta.

Consciente da gravidade dessas doenças, a psicóloga Bárbara Assis aceitou o desafio de cuidar de cinco gatos positivos para FeLV e um com FIV. “Comecei cuidando da Mina, uma gatinha de rua que apareceu no meu escritório. Na mesma época surgiu o Minio, que tinha FIV. Como já era tutora de outros quatro gatos, todos negativos, passei a deixá-los no trabalho. Descobri a FeLV quando Mina apareceu machucada. Para fazer companhia, resgatei a Nicolina, que também tinha FeLV. Depois de uns seis meses, Mina acabou falecendo e acabei pegando outros, a Eva, o Bruce e o Zequinha, também com FeLV, todos vindos da rua”, conta.

A turma foi para a casa dela quando se mudou da casa da mãe, onde deixou os gatos sadios, para evitar a contaminação. “Desde que adotei todos eles, nunca tive problemas, porém fico atenta aos sinais e cuido da alimentação para mantê-los saudáveis e com a imunidade alta. As pessoas têm receio em adotar um gato com FIV ou com FeLV. Por um lado é compreensível, por conta do medo de perdê-los, mas elas precisam pensar no animal, na oportunidade de terem um lar, uma família. São gatos muito excluídos que merecem a nossa atenção e carinho”.

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 Meu gato é positivo?

A descoberta do vírus da FIV e da FeLV no organismo do gato se dá por meio de exames que utilizam amostras de sangue feitos em laboratório ou por meio kits específicos disponíveis na maioria das clínicas veterinárias. Segundo a médica veterinária especialista em clínica médica de felinos, Cristine Kirsten, o teste no gatinho precisa ser feito logo depois da adoção, independente se o animal será único ou conviverá com outros gatos. “Caso o animal seja muito novo, com menos de 16 semanas, e o teste apontar positivo para FIV, indica-se retestar após esse período, pois os anticorpos maternos podem interferir no teste. Caso a FeLV seja uma suspeita, mesmo que tenha resultado negativo anterior, deve-se realizar o teste novamente”, recomenda.

Conforme Cristine, não existe vacina contra FIV, mas há uma que induz proteção contra a FeLV: a quíntupla. Contudo, a convivência entre gatos negativos e positivos precisa de atenção. “A vacinação não gera proteção de 100%, por esse motivo que os negativos vacinados e positivos devem ser mantidos separados.” Como não existe cura para a FIV e a FeLV, os tutores devem focar na prevenção, mantendo os gatos em casa para evitar fugas e brigas, realizar exames regulares, e diminuir fatores estressantes, como viagens, mudanças de rotina/alilmentação ou a introdução abrupta de outros animais no ambiente. “Caso o gato apresente qualquer sinal de doença ou alteração de comportamento, deve-se recorrer ao veterinário prontamente para nova avaliação e intervenção precoce.”

 

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