Abusos persistem, e acidentes triplicam


Por NATHÁLIA CARVALHO

02/08/2015 às 07h00

Base Comunitária Móvel da PM é usada durante a campanha da Lei Seca nas ruas (FERNANDO PRIAMO/31-07-15)

Base Comunitária Móvel da PM é usada durante a campanha da Lei Seca nas ruas (FERNANDO PRIAMO/31-07-15)

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O número de acidentes envolvendo motoristas embriagados mais que triplicou na cidade no primeiro semestre deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado, saltando de 16 para 54 casos. Os dados chamam a atenção por estarem na contramão da realidade de Juiz de Fora, cujo número de acidentes totais diminuiu em mais de 20%, segundo a Polícia Militar (PM) (ver quadro). Desde 2013, com o endurecimento da Lei Seca em todo o país, as polícias alegam ter intensificado o trabalho de fiscalização, com aumento do uso do etilômetro nas operações, principalmente neste ano. Contudo, a realidade aponta que a incorporação de uma efetiva conscientização sobre os perigos de dirigir um veículo depois de beber caminha a passos lentos. Além de não ver necessidade em respeitar a legislação, muitas pessoas optam por ajudar possíveis infratores, com uso de aplicativos e redes sociais que informam horários e locais de blitze. Para especialistas, é necessário realizar fiscalização de forma constante e ampla, ou seja, não apenas próximo a locais onde acontecem festividades e uso de bebida alcoólica. Além disso, sugere-se aumentar as campanhas e endurecer as formas de punição.

Chefe da seção de Planejamento Estratégico da 4ª Companhia de Missões Especiais da PM, tenente Carlos Magno Vilaça, explica que o trabalho de elaboração das operações de Lei Seca em Juiz de Fora é feito de forma estratégica e com base em estatísticas. “Executamos as operações de acordo com o que é estipulado pelo Governo estadual. Analisamos os dados, como acidentes e infrações, e a ocorrência de eventos com possibilidades do uso de bebida alcoólica. Uma terceira vertente trabalhada é a participação social, como denúncias, por exemplo”, explica. O comandante do Pelotão de Trânsito da PM, tenente Rodrigo Oliveira, acredita que já houve mudança de comportamento dos condutores. “Intensificamos o número de operações, em horários alternados e de forma mais abrangente. Fiscalizamos táxis, motos e carros. Nossa maior preocupação é coibir a prática de dirigir embriagado, e não punir pessoas. O que queremos é preservar a vida.” Atualmente, o limite para que o condutor não seja multado é de 0,05 miligramas de álcool por litro de ar.

 

Estradas

Nas estradas federais que cruzam Juiz de Fora, o diagnóstico não é diferente. Balanço da Polícia Rodoviária Federal (PRF) mostra um aumento de 28% das ocorrências na comparação do primeiro semestre deste ano com o mesmo período do ano passado. Conforme o chefe do Núcleo de Policiamento e Fiscalização da PRF, inspetor José Márcio Gomes, as principais operações nas rodovias são realizadas em feriados, férias e fim de ano. “Aquelas direcionadas para Lei Seca acontecem de acordo com eventos com grande concentração de pessoas e com consumo de bebida alcoólica. Na fiscalização normal de rotina, todos os condutores são convidados a fazerem o teste do etilômetro”, explica. Já nas rodovias estaduais, o número de acidentes com causa presumida de alcoolemia diminuiu no período, caindo de 48 para 38. O comandante do Pelotão de Trânsito da Polícia Militar Rodoviária (PMR), tenente Jader Augusto de Oliveira, disse que a corporação também prioriza blitze próximas a pontos de festividade, como exposições agropecuárias e torneios. “Hoje está mais comum usar o bafômetro. A gente observa que as pessoas estão mais conscientes, mas ainda assim flagramos muitos que insistem na prática.”

 

Cinco ocorrências em 20 dias

Somente no mês passado, foram cinco acidentes em Juiz de Fora causados por motoristas embriagados. Na tarde do dia 5, um aposentado de 58 anos perdeu o controle do veículo no Bairro Industrial e bateu em outro, que transitava em sentido contrário, e em um caminhão estacionado. Segundo a PM, conforme contato posterior com o condutor no HPS, ele sequer lembrava do ocorrido. Dias depois, um homem de 36 anos chocou seu carro contra um poste no Morro do Imperador. Na madrugada do dia 23, um vendedor de 33 anos bateu contra o muro das obras do Hospital Regional, na Zona Norte. Após dois dias, um jovem de 20 anos perdeu o controle do veículo no Manoel Honório, que caiu às margens do Rio Paraibuna. No mesmo dia, um condutor foi surpreendido por uma guarnição da PM enquanto dormia o volante em um semáforo da Avenida Brasil, esquina com Rua Marechal Setembrino, no Ladeira.

Na opinião do presidente da Associação dos Taxistas de Juiz de Fora, Luiz Gonzaga Nunes, a conscientização ainda é pequena. “Não aumentou a procura por táxi durante horários de festa e à noite. As pessoas têm bebido do mesmo jeito, principalmente nos fins de semana. Obviamente não é todo mundo, mas o comportamento mudou pouco.” Já o presidente do Sindicato dos Taxistas, Aparecido Fagundes, vê a situação com outros olhos. Para ele, nos últimos meses, houve um aumento da fiscalização e consequente crescimento da procura por táxis em horários de festa na cidade. “Quando intensificaram as operações da Lei Seca, a demanda cresceu, mas depois houve um relaxamento. Contudo, nos últimos três meses, tenho percebido que as pessoas estão tomando mais cuidado. O próprio taxista da noite já procura os pontos de festa e tem clientela. É algo bom para a categoria e para a população”, diz.

 

Aperfeiçoamento da campanha

Em 2011, a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) deu início à campanha “Sou pela vida. Dirijo sem bebida”, que, dois anos depois, foi levada para as cidades do interior, incluindo Juiz de Fora. “Vale ressaltar que, em fevereiro de 2014, as blitze integradas foram suspensas pelo antigo governo e só retomadas em novembro. Ou seja, Belo Horizonte ficou por oito meses sem blitze integradas em 2014. Portanto, as blitze integradas já não tinham no governo passado representatividade na política global de combate à embriaguez ao volante em Minas Gerais pelo Sistema de Defesa Social”, informou a Seds. Foi dito ainda que a atual gestão vem estudando formas de aperfeiçoar as ações da campanha.

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‘Em Minas, o controle é muito pequeno’

A socióloga e professora universitária Andreia dos Santos, autora de tese de doutorado sobre pessoas que cumpriram penalidades por crimes de trânsito, acredita que a mudança de comportamento esperada pela Lei Seca ainda não foi bem introjetada no país. “Acho muito pouco provável que tenha aumentado a conscientização. A maioria das pessoas não tem deixado de ir às festas e beber e dirigir por conta disso. E é um crime que pode acontecer com qualquer um”, alerta. Ela também chama a atenção para o trabalho exercido pelo Poder Público, principalmente em Minas Gerais. “Deveria haver uma regulamentação em rede por parte da Seds (Secretaria de Estado de Defesa Social) no estado, juntamente com as companhias de trânsito. Por mais boa vontade que a PM tenha em coibir esse tipo de ação, ela não tem perna para realizar isso da forma global como deveria ser. O ideal seria realizar o trabalho juntamente com outros órgãos de segurança pública, para criar uma consolidação moral sobre os efeitos de beber e dirigir e, assim, reduzir os índices”, opina.

Para a socióloga, são necessárias punições mais severas. “Não existe legislação que proíba vender bebida para quem está dirigindo. Com isso, não se cria um vínculo social com o problema, ninguém se compromete ou se responsabiliza. E, quando acontece um acidente, as consequências ainda são muito baixas, a pessoa paga cesta básica e vai uma vez ao mês no juiz. Não tem punição pelo crime de homicídio, mas sim algumas suspensões na carteira.” Para ela, “aqui em Minas, o controle é muito pequeno. Se a pessoa se acidenta, obviamente a última coisa que farão é um teste de alcoolemia”.

 

Redes sociais

Para Andreia, as fiscalizações precisam fugir dos locais óbvios. “Existe uma dificuldade de convivência com a lei. As pessoas trocam mensagens por meio de aplicativos e avisam onde será a fiscalização, e aí todo mundo foge do local. Em Belo Horizonte, por exemplo, a polícia intensificou as blitze perto de alguns bares, e isso só provocou a migração dos clientes para estabelecimentos de outros bairros.”

O tenente Carlos Magno Vilaça também alerta sobre os perigos da divulgação das blitze nas redes sociais. “Quando a pessoa faz isso, ela não está informando ninguém, mas sim coibindo possíveis crimes, acidentes, lesões e mortes. É necessário conscientizarmos que não apenas o condutor é o culpado, mas sim todas as pessoas envolvidas na divulgação e propagação daquela informação de fiscalização. Ao anunciar, você potencializa o crime. Precisamos ter uma consciência diferente, com toda a comunidade envolvida.”

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