Declaração Universal dos Direitos dos Animais completa 45 anos

Especialistas refletem sobre o significado do texto proclamado em 1978 pela Unesco, do qual o Brasil é signatário


Por Letícia Lapa, estagiária sob supervisão da editora Rafaela Carvalho

27/01/2023 às 07h47

Proclamada pela Unesco em Bruxelas, na Bélgica, no dia 27 de janeiro de 1978, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais completa 45 anos nesta sexta-feira (27). Ela estabelece, em 14 artigos, o direito que os animais possuem de viver dignamente. O documento reforça que todos os animais são iguais perante a lei, devendo ser respeitados, protegidos e não explorados.

Doutor em ciência animal e professor de medicina veterinária na Universidade Federal de Juiz de Fora, Leonardo Lara e Lanna considera que “a Declaração representa um conjunto de valores e princípios, de elevado valor moral, sendo um marco importante no processo de redefinição da relação dos seres humanos com os animais.” O professor ainda aponta a relevância do documento no cenário internacional. “Do ponto de vista prático, ela representou um compromisso dos países signatários em implementar os instrumentos jurídicos para atingir os objetivos estabelecidos no documento.”

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A Declaração deixa claro que nenhum animal pode ser submetido nem a maus-tratos nem a atos cruéis. Além disso, é evidenciado que quando for necessário cessar a vida de um animal, é preciso ser feito de forma instantânea, sem dor e de modo a não lhe provocar angústia. Contudo, nem sempre a teoria é cumprida plenamente, mesmo com o aumento da consciência da população em relação ao bem-estar e proteção dos animais. Quase que diariamente são observados episódios de violação dos princípios reunidos na Declaração.

Lara e Lanna nota que as razões para os maus-tratos ainda ocorrerem são complexas, mas podem ter relação com a objetificação dos animais. “Há uma percepção de que os animais estão dentro de uma dimensão mecanicista e meramente materialista, na qual as pessoas os reconhecem como objetos. Existe também a questão do ambiente em que a pessoa vive. Se o ambiente é hostil e agressivo, ela pode ter tendências à agressividade e crueldade com os animais ou mesmo com outras pessoas.”

O médico veterinário explica que, para além de aspectos culturais, a falta de políticas educacionais voltadas para mostrar como dar uma vida digna ao animal e a sua importância corroboram para os maus-tratos. Ele ainda observa que existe pouca divulgação, fiscalização e cumprimento efetivo dos direitos dos animais, nas mais diversas formas de sociedade.

O abandono de um animal, como esse amigão flagrado na rua pelo fotógrafo Felipe Couri, “é um ato cruel e degradante”, segundo a Declaração Universal dos Direitos dos Animais (Foto: Felipe Couri)

Declaração não possui força de lei

A Associação Amor Não Tem Raça cuida de gatos e cachorros que foram resgatados das ruas ou estavam sob guarda de tutores que os maltratavam. A entidade provê um lar temporário para os animais até que sejam adotados. Uma de suas fundadoras, Miriam Neder faz coro com o professor Leonardo Lara e Lanna com relação à Declaração Universal dos Direitos dos Animais. “Foi um grande avanço em uma época que pouco se falava em direitos dos animais, mas ela é uma recomendação e não possui força de lei.” Um dos entraves para o respeito às diretrizes da Declaração, para Miriam, seria a branda punição do crime de maus-tratos, que mesmo com o aumento da pena ainda é, segundo a protetora, pequena.

Em 29 de setembro de 2020, a Lei nº 14.064 foi sancionada, mudando a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, com o objetivo de aumentar as penas pelo crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato. “Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de dois a 5 cinco anos, multa e proibição da guarda.” A protetora diz que as leis criadas a partir da Declaração não concedem aos animais a plenitude de seus direitos, sendo necessário acrescentar que não só o sofrimento físico precisa ser evitado, mas, também, o sofrimento mental.

Em Juiz de Fora, projeto de lei apresentado este mês pelo vereador Marlon Siqueira (PP) defende o aumento no valor da multa aplicada a pessoas flagradas cometendo maus-tratos contra animais na cidade. Atualmente, a sanção pecuniária prevista para o comportamento é de R$ 1 mil, valor que pode ser ampliado para R$ 3 mil, caso o texto seja aprovado. O nome da proposta, “Lei Cadelinha Milly”, faz referência a um caso ocorrido no Centro de Juiz de Fora no dia 16 de dezembro, quando uma cadela foi encontrada morta na Rua São Sebastião. Populares afirmaram que o cão teria sido arremessado de um prédio, a partir da janela de um apartamento do terceiro andar. O suspeito de maus-tratos foi preso na ocasião.

Uma sociedade evoluida cuida de seus animais

Átila de Jesus Souza, diretor do Canil Municipal de Juiz de Fora, assume que a realidade dos animais no Brasil é bem diferente daquela preconizada pela Declaração. Ele explica que o Canil é uma casa de passagem, com o objetivo de garantir um lar para os animais que ali estão, sendo o espaço pequeno para o número de cães uma das dificuldades atuais. Ele revela que existe muita desinformação e que a “prática do crime de abandono continua em pleno crescimento”, sendo cruel e desumano.

Questionado se uma sociedade que cuida dos seus animais seria mais evoluída, Átila não tem dúvida. “Completamente mais evoluída. Pois seus princípios estão alicerçados no convívio mútuo entre os seres vivos. Sempre com respeito, visando à harmonia que deve existir na convivência de todas as espécies viventes do planeta Terra.”

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Leonardo Lara e Lanna compartilha de opinião semelhante. “Eu diria que uma sociedade evoluída cuida melhor dos seus animais uma vez que a opinião pública e os diferentes setores envolvidos entendem a importância dos princípios de comportamento e bem-estar animal, buscando mecanismos para aperfeiçoar o manejo e para redução do estresse dos animais, além do cumprimento e da aplicação das leis vigentes.” Miriam Neder possui a mesma opinião e acredita que nos países onde o sofrimento animal é menor, a saúde da população humana também é melhor. “Eles entendem que, para que as pessoas sejam saudáveis, os animais e o meio ambiente também precisam de cuidados.”

Quer adotar?

Para quem busca adotar conscientemente um animal, a Associação Amor Não Tem Raça fica localizada na Avenida Francisco Valadares, no Bairro Nossa Senhora de Lourdes, em Juiz de Fora. É necessário agendar visitas pelo telefone (32) 9961-1971. Já o Canil Municipal recebe visitas das 9h às 11h e das 13h às 15h, de segunda a sexta, ou mediante agendamento pelo telefone (32) 3225-9933, para outros dias. O Canil fica na Rua Bartolomeu dos Santos 680, Bairro São Damião. De acordo com a PJF, para adotar é preciso original e cópia do RG, CPF e comprovante de residência. Além disso o interessado será submetido a uma entrevista minuciosa, para analisar se está apto a levar um novo amigo para casa.

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