Autopapo com Boris Feldman: É necessário mais que o rigor da lei


Por Tribuna

31/12/2017 às 07h00

O país vem apertando a legislação que pune o motorista. A Lei Seca, de 2008, vai completar dez anos. Ela é até mais rigorosa que em países do primeiro mundo, como os Estados Unidos e vários europeus, onde se tolera uma a duas doses de bebida, pois está comprovado que não influem na capacidade de quem está ao volante. Em 2010, mais uma volta no parafuso ao cercar os motoristas alcoolizados que escapavam do bafômetro. E várias outras que dobraram o valor da multa para várias infrações: falar ao celular, exceder em 50% a velocidade máxima, não respeitar faixa de pedestres e outras. Mas o rigor da lei não basta.

Infelizmente, a legislação mais rigorosa ajuda, mas está longe de resolver o problema, e nossas trágicas estatísticas de mortos e feridos no trânsito não recuam, pois faltam dois itens fundamentais para combater esta verdadeira guerra no asfalto: fiscalização e educação.

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Poucas cidades além das grandes capitais como Brasília, São Paulo, Rio e Belo Horizonte puseram a polícia na rua para flagrar motoristas alcoolizados. A fiscalização é deficiente na cidade e na estrada. Com exceção de Brasília e São Paulo, faixa de pedestre é elemento decorativo do asfalto. O respeito à velocidade máxima se limita aos trechos dotados de radares.

A inspeção veicular foi estabelecida há 20 anos, mas, por enquanto, é mais uma lei que “não pegou”. O Contran decidiu recentemente estabelecer prazo até o final de 2019 para que seja cumprida. Será? Por enquanto, um considerável volume de veículos sem a mínima condição de segurança circula por aí colocando em risco a integridade de todos. Publicar leis é simples, basta a canetada da autoridade. O problema é fazer cumpri-las, é punir quem as desrespeita. Mas como, se o próprio Governo federal sequer se enrubesce diante do calamitoso estado de suas rodovias, que tantos acidentes provocam?

O mais grave desta situação é que a sociedade encara com naturalidade as dezenas de milhares de mortes registradas anualmente no trânsito. Há uma verdadeira comoção na queda de um avião que resulta em 200 mortes. Mas nenhum espanto para este mesmo número de vítimas fatais a cada dois dias nas ruas e estradas. Um pedestre atropelado na sua faixa ou um motorista sóbrio atingido fatalmente por outro alcoolizado são ocorrências classificadas como “acidentes” e não como crimes. Sem mencionar a situação absurda em que um motorista assassina o outro por uma simples briga de trânsito ou disputa de vaga no estacionamento.

Foi estabelecida internacionalmente uma meta para a década que vai até 2020 de se reduzir à metade o número de mortes no trânsito. Chance quase nula de ser cumprida no Brasil pelo descaso e leniência de nossas autoridades, que só fazem confirmar as estatísticas de que o percentual de acidentes nos países “em desenvolvimento” é muitas vezes maior que no primeiro mundo.

Este preocupante registro traz à tona outro item que deveria merecer a atenção da sociedade: além da fiscalização, a educação do trânsito como única fórmula para mudar o comportamento de quem está ao volante. Campanhas publicitárias podem contribuir mas não sensibilizam o motorista e pouco influem em sua conduta. O respeito ao próximo e à lei só será consolidado no Brasil quando se criar uma disciplina no currículo escolar de educação no trânsito para incutir noções de civilidade desde a infância até a idade adulta. Esta é a única solução para se formar não apenas o motorista consciente e que respeita a lei, mas um cidadão digno de pertencer a uma sociedade civilizada. E não tem nada de civilizado um país que assiste de braços cruzados esta verdadeira barbárie em que se transformou nosso trânsito.

Caso contrário, só resta uma esperança de se reduzir sensivelmente as trágicas estatísticas de acidentes de trânsito em países como o Brasil: o dia em que tivermos automóveis autônomos e independentes do terrível componente entre o volante e o banco.

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