Perfeitos na praia, buggies circulam orgulhosos por JF
Famosos no litoral por andar entre dunas, modelos fabricados no Brasil guardam histórias de afetividade e lembranças familiares
Dos mais simples aos mais sofisticados, os carros sempre serão mais que um bem material perecível. Para muitos apaixonados, ter um automóvel na garagem é o mesmo que preservar a memória da própria família, lembrar de momentos bons e ter muita história para contar. Não é diferente com os personalizados buggies, uma invenção norte-americana que fez – e ainda faz – muito sucesso em terras tupiniquins.
Embora sejam veículos muito comuns no litoral, pela capacidade de subir dunas e encarar pisos com pouca aderência, Juiz de Fora possui colecionadores de modelos raros. De acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), são 81 emplacados no município, entre os anos de 1964 e 2006, e muitos ainda podem ser vistos nas ruas. Principalmente nesta época do ano, quando o ausência do teto deixa de ser um problema para quem não gosta de vento frio pelo corpo.
A história do buggy no mundo começa na Califórnia, nos Estados Unidos, na década de 1960. O marinheiro e inventor Bruce Meyers quis construir um carro seguro e econômico para andar sobre as dunas. Para isso, usou peças de outros automóveis da época para montar o seu primeiro modelo, com motor Volkswagen. Era 1964 quando as praias foram invadidas pelo VW Fiberglass Dune Buggy. Estima-se que até 1971 tenham sido fabricados outras 250 mil cópias do carro.
Artesanalmente
No Brasil, a febre do buggy, baseado no modelo norte-americano, também ganhou força em 1960. Embora muitas fábricas ditas “artesanais” tivessem sido criadas nesta época, o buggy permitia que pessoas curiosas – e criativas – fizessem o seu próprio modelo. Para isso, usava-se de tudo, mas principalmente chassis de carros como Fusca e Brasília. Aliás, o motor VW 1.600, do Fusca, é o mais popular entre os buggies nacionais.
O modelo nas mãos do engenheiro Felipe Paschoalim, 31 anos, está na sua família há 28. “Desde que eu me entendo por gente”, disse, contando que a aquisição foi feita pelo pai, Luiz Paschoalim. É um Buggy 1974, feito a partir de chassi de Brasília e motor e suspensão de Fusca. “Hoje está intacto, porque há dez anos encontramos outra Brasília, que estava batida, mas muito nova, e compramos o chassi. Fizemos a remarcação e a montagem nesse nosso buggy.”
Felipe conta que o carro pode ser visto pelas ruas da cidade com frequência, principalmente nos finais de semana ensolarados. E basta uma volta para chamar atenção de todos, principalmente das crianças. “Na praia (onde o carro é levado nas férias da família, puxado por um Renault Sandero) já ofereceram até R$ 25 mil por ele, mas não vendemos. Vale a pena tê-lo. Para se ter ideia, não gastamos mais que R$ 200 por ano em manutenção. O IPVA é de aproximadamente R$ 150. Aliado a isso, temos um carro que não dá qualquer tipo de problema mecânico”, conta.
Emis era um dos mais cobiçados
Apesar de muitos buggies artesanais, feitos por mecânicos e apaixonados pelo mundo automotivo, o Brasil se destacou, a partir da década de 1970, pelas inúmeras fábricas abertas para criar estes carros. Algumas, inclusive, abriam mão da base do Fusca para construir o próprio chassi.
Um dos modelos mais cobiçados no início da década de 1980 era o Emis, fabricado no Rio de Janeiro e constituído por uma carroceria plástica reforçada com fibra de vidro, uma inovação para época. Tanto que o Emis é considerado o primeiro monobloco da categoria em território nacional.
O empresário Marcos Infante, 49 anos, tem um Emis 1985, movido por um motor VW 1600 e comprado por ele duas vezes ao longo da vida. A primeira aquisição foi em 1990, quando o carro estava praticamente novo, com poucos quilômetros percorridos. “Só que em 1997 eu fui morar no Chile e não tive como deixar o carro com minha família. Foi muito complicado, mas resolvi vender a um preço camarada para um amigo com a condição que, ao voltar, eu compraria o carro novamente.”
O plano parecia perfeito, mas a estadia no Chile, planejada para durar entre cinco e sete anos, se estendeu para dez. “Quando completou sete anos, esse meu amigo precisou vender o carro. Quando voltei e fui atrás dele, em 2007, soube da venda, mas resolvi ir atrás do novo proprietário. Contei a ele toda a história afetiva que eu tinha com esse buggy e consegui convencê-lo a me vender de volta.”
Feito para rodar
Mesmo sendo um automóvel de praticamente 34 anos, o Emis 85 de Marcos está inteiro. E engana-se quem pensa se tratar de um carro de garagem. “Eu ando muito com ele. Inclusive já fui viajando para Cabo Frio em duas ocasiões. É um carro muito gostoso de dirigir e confortável, sem contar que é econômico. Na cidade, só evito ir a locais onde não é seguro estacionar. Mas em supermercados, por exemplo, onde há seguranças, eu vou com frequência.”
Entretanto, o Emis foge da característica do buggy de ser um carro para as dunas. Isso porque o espaço para os pneus é pequeno, permitindo somente um conjunto de aro 13, na dianteira, e outro de aro 14 na traseira. “É um ponto negativo esta questão da roda. Quem busca um buggy para saltar na areia, fazer farra, não pode ter um Emis. Tirando isso, ele é perfeito, tanto que, sem a capota (para proteger do sol e da chuva) é possível transportar três passageiros no banco de trás.”
Um dos 100 modelos da fábrica de Petrópolis
Em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, havia uma conhecida fábrica de buggies no fim de década de 1960. Era a Reno, do alemão Nils Armin Halboth, que usava a plataforma do VW Fusca 1500 encurtada em 37cm para fazer o seu modelo da categoria. Diferentemente das concorrentes, a Reno não construía carros baseados nos modelos norte-americanos: seguia fielmente o design original desses veículos.
Um dos cem carros fabricados pela Reno está há 26 anos na família do consultor imobiliário Thadeu Carvalho, 33 anos. Foi o seu avô, Manoel Borges de Carvalho, que adquiriu o veículo de um tio e, cerca de quatro anos depois, o transportou para Maceió. “Foi quando nos mudamos para lá e ele deu o carro para a minha mãe. Quando retornei para Juiz de Fora, insisti para trazermos o carro durante oito anos, até que um dia ela autorizou. Era um sábado e, na segunda-feira, já havia providenciado um frete para buscá-lo.”
Desde então, já passou cerca de um ano e meio, tempo que Thadeu se dedica a restaurar o veículo, que ficou parado por muito tempo no Nordeste. Segundo ele, a parte mecânica está impecável, após manutenção que envolveu a troca do rotor, cabos, velas e condensador, além da limpeza do carburador. “A ideia é passear e curti-lo.”
Bugre, o primeiro
Entre os buggies nacionais havia o Bugre, cuja fábrica, no Rio de Janeiro, foi inaugurada no fim da década de 1960 pelo cearense Francisco Cavalcanti. O primeiro modelo, chamado de Bugre I, é uma cópia da invenção do pioneiro Bruce Meyers. O carro foi ganhando vida própria e recebendo melhorias e inovações ao longo dos anos, através do Bugre II (1972) e Bugre III (1977).
O engenheiro João Loschi, 50 anos, comprou o seu primeiro carro aos 18, o Bugre II, em 1988. Porém, o então morador de Barbacena não suportou o frio do Campo das Vertentes e vendeu o carro para adquirir um Fusca, em 1991. “Mas eu nunca tirei da cabeça a ideia de ter um buggy novamente. Felizmente a minha esposa compartilhava da mesma paixão e me incentivava, até que eu encontrei um Bugre II, bem parecido com o que eu tinha, em Cabo Frio, no ano de 2009.”
A ideia na época era presentear a esposa com o veículo, fazendo uma surpresa durante viagem programada em família para o litoral. No entanto, o plano para comprar o carro quase terminou em briga entre o casal, com João tentando guardar segredo sobre a aquisição. Ele trabalhava em Resende quando o amigo encontrou o carro em Cabo Frio, disse que estava em perfeitas condições e que podia ir até lá fechar negócio. “Só que um dia ela me ligou perguntando o que eu estava fazendo na Região dos Lagos no meio da semana, quando deveria estar trabalhando, porque chegou uma multa do meu carro por ter ultrapassado a velocidade em um radar. Tive que contar a verdade e estragar a surpresa.”
Para João, que é colecionador de carros antigos, o Bugre é um bom motivo para se manter unido à família. “(Ter o buggy) É poder, em um dia de calor, ir ao clube com os meus filhos e a esposa e depois parar para tomar sorvete. Como trabalho fora da cidade, dedico o fim de semana a eles. E o carro antigo, incluindo o Bugre, não compete por atenção, e sim nos agrega.”
Veja abaixo uma galeria com reproduções de anúncios antigos de buggies.