Festival de frutos do mar em Búzios na baixa temporada

“Al mare” busca atrair turistas na época em que buzianos reconhecem como a melhor do ano para conhecer a cidade; restaurantes participantes buscam valorizar insumos, trabalhadores e cultura local


Por Júlia Pessôa

30/04/2019 às 20h15- Atualizada 30/04/2019 às 20h18

Festival busca resgatar a tradição pesqueira de Búzios (Foto: Matheus Novaes)

Búzios (RJ) – Não é difícil, para quem já teve a sorte e o privilégio de conhecer Búzios no verão, guardar lembranças emblemáticas da charmosérrima cidade da Região dos Lagos, a cerca de 330km de Juiz de Fora. Mesmo o turista menos atento consegue refazer trajetos clássicos do hoje badalado destino turístico de veraneio. O caminhar pela Rua das Pedras para ver lojinhas, bares e restaurantes mil. Um belo dia ensolarado na praia hype de Geribá, com um refresco das ondas de água claríssima. O fim do entardecer no Porto da Barra, bebericando um drinque ou uma cervejinha nos estabelecimentos de perfil variado, com o sol morrendo sob os barcos pesqueiros que se amontoam em torno do longo deque situado ali. Uma voltinha pela Orla Bardot, não raramente com uma foto junto à estátua de Brigitte, atriz francesa que empresta o nome ao ponto turístico da cidade que ela própria fez o mundo conhecer pelos idos dos anos 1960.

Restaurante Cigalon fica na casa que hospedou Brigitte Bardot nos anos 1960 e tem vista para o mar (Foto: Matheus Novaes)

Mas fora do intervalo em que o setor hoteleiro e as casas de temporada estão com reservas sempre esgotadas, e fora do circuito tradicional dos turistas, há uma Búzios encantadora, que remete ao pequeno vilarejo pesqueiro que já foi um dia, tendo a pesca como atividade principal e fundamental. Por incrível que possa parecer, ela resiste nos dias de hoje, mesmo em tempos em que os turistas se hospedam via Airbnb e circulam de uber pelas ruas da cidade. É justamente esta cidade que o Festival Al Mare, evento gastronômico de frutos do mar, busca resgatar, sob o slogan “do mar à mesa”, priorizando os insumos da região. “Com isso, garantimos o alimento sempre fresco e fortalecemos os pescadores não só daqui mas de outras cidades como Arraial do Cabo, outro importante polo pesqueiro. Claro que há pratos no festival que utilizam peixes que não se encontram aqui, como o salmão, mas a maioria é de espécies tradicionalmente regionais”, explica um dos integrantes da organização/produção do festival, Alexandre Verdade. “Essa é a melhor temporada para vir a Búzios, o outono aqui é lindo: o clima é uma delícia: um calorzinho, bom para praia, mas nem tanto à noite, e como não é temporada, dá para ter acesso a todos os estabelecimentos e serviços que normalmente estão saturados no verão, quando ocorre uma vinda massiva de turistas”, completa Alexandre, buziano nascido e criado.

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Por isso mesmo o Festival Al Mare é realizado entre os dias 10 e 26 de maio, em 15 estabelecimentos de Búzios (até o fechamento da matéria, número que pode chegar a 20), em restaurantes concentrados no circuito Rua das Pedras – Turíbio – Olra Bardot. “Temos uma cultura gastronômica fortíssima. Nosso festival gastronômico, realizado em junho, tem mais de 80 estabelecimentos. A ideia no Al Mare é que o turista possa desfrutar do belo centro turístico situado nesse eixo e saber que haverá restaurantes participantes, oferecendo pratos variados dentro do tema, em casas também de perfis diversos, tudo com excelência e a preços promocionais”, observa Bárbara Brandan, argentina radicada em Búzios há mais de 30 anos.

Praia de João Fernandes é uma das preferidas para se passar o dia por unir beleza natural e infraestrutura (Foto: Matheus Novaes)

Para qualquer momento

Entre os participantes do Al Mare, há restaurantes tradicionalíssimos de Búzios, estabelecimentos mais modernos e mesmo aqueles em que dá para mesclar um jantar com uma esticada na noite. Provamos alguns dos pratos inscritos no festival, e fica clara a diversidade de ingredientes, técnicas e mesmo para que momento de consumo o prato foi concebido. No Rincon Mediterrâneo, o “Fritto mixto del mare” é ideal para ser consumido em grupo, beliscando e bebericando talvez uma cervejinha, talvez um bom vinho verde ou branco gelados. O prato é uma porção de peixe, lula e camarão empanados em panko, acompanhados de batatas rústicas da casa, saladinha de folhas e tomate e um alioli de casa. Uma dica infalível é sentar do lado de fora e contemplar a orla, seja durante o dia ou à noite – embora a decoração cheia de elementos vintage e fotografias do interior também seja um belo deleite aos olhos.

Oriental Enu serviu trio do mar à base de polvo, lagosta e atum (Foto: Ariel Chalom)

No Cigalón, a delicadeza e a atenção a cada detalhe faz da refeição uma experiência sensorial que encanta – como se não bastasse a vista para o mar de todas as mesas. Não era de se esperar menos do restaurante instalado na casa que hospedou Brigitte Bardot em sua famosa temporada buziana nos anos 1960, relembrada em lindas fotos da atriz dispostas no imóvel. O prato do Al Mare, que encanta assim que chega à mesa pela elaborada montagem, é um polvo em colchão de batatas cozidas a baixa temperatura em caldo de peixe, creme ligeiro e leve, também à base de peixe e espuma de camarão. Cheio de personalidade, em uma porção de tamanho ideal e na textura perfeita do polvo, um desafio culinário vencido de braçadas pela chef Sonia Persiani, outra argentina que escolheu, há décadas, ser buziana. Quem quiser conhecer outras opções do cardápio pode perguntar pelos peixes disponíveis. Em nossa visita, havia dourado e atum fresquíssimos, e tanto o dourado com risoto de limão siciliano quanto o atum com legumes estavam de se fazer ateu comer rezando. “Prezo muito pelo frescor dos ingredientes e, há muitos anos, deixei de utilizar insumos que não sejam saudáveis ao organismo de alguma forma. Não estou falando de emagrecimento ou uma moda, nada disso. Para mim o alimento deve ser um equilíbrio entre prazer, sustentabilidade e ser saudável ao corpo. E isso vai completamente ao encontro desta proposta do festival de utilizar peixes e frutos do mar da região, de que se sabe a procedência e se compra no dia”, observa Sonia.

Quem estiver no clima de uma entradinha pode ir sem medo no ceviche de camarão, cítrico na medida, suave e, mesmo assim, com o sabor característico do marisco. Não saia sem pedir uma sobremesa, a musse de chocolate com creme holandês e morangos tem uma textura indescritível – só provando – além de um retrogosto que dá aquela saudadezinha da sobremesa que se acabou de comer. A pera caramelizada com amêndoas recheada com sorvete de morango e banhada no creme holandês também não fica atrás: além de linda, é leve e doce na medida.

Para petiscar, boa pedida é o trio do Rincon, com peixe, camarão e lula empanados (Foto: Matheus Novaes)

Os amantes da gastronomia oriental também não ficam órfãos. O chef Leonardo Fernandes, do Enu, elaborou o elegante “trio do mar” tataki de atum com aioli de wasabi servido em crocante de gyosa; lagosta grelhada com purê de mandioquinha, pesto de nirá e uma farofa de shitake e, completando o bloco, polvo salteado, bun coreano, batata baroa, creme de azeitona e gengibre confit. “A ideia era fazer um prato com três tipos de lagosta, mas decidi explorar outros ingredientes para brincar mais com a harmonia e contraste de sabores”, diz o chef. Deu certo. Para quem não tem muita afinidade com termos da gastronomia, os nomes podem dizer pouco (mas vale colar na foto), porém eu garanto que a harmonia entre os três elementos escolhidos para a base do prato e as técnicas aplicadas em cada um deles resultam em um prato moderno e saboroso. Para pedir e ser feliz.

‘Do mar à mesa’

Num passeio pela manhã pela Orla Bardot, passando pela Praia do Canto, é possível encontrar pescadores chegando com o resultado da pesca da madrugada. Ali, os peixes e frutos do mar serão limpos e vendidos diretamente ao cliente ou a restaurantes. Comida mais fresca e de verdade e com procedência que, literalmente, pode ser vista, impossível. Ali, encontram-se anchovas, badejos, cavala, mariscos e, mais raramente, lagostas e polvos (pescados somente por mergulho) e um peixe queridinho entre os nativos, mais raro hoje em dia, a garoupa. “Um prato tipicamente buziano, muito comum quando aqui ainda era uma vila de pescadores, é a garoupa com macarrão. É um peixe caro, com alto valor de mercado, por isso dava para vender o filé limpinho, e como a cabeça tem muita carne e gordura, os pescadores ficavam com ela e faziam um macarrão. Rapaz, é bom demais”, diz o pescador Robson Valadão. Segundo ele, num bom dia, chega-se a “matar” (vocabulário dos profissionais) entre 100 e 200kg de peixe.

 

Polvo com batatas e espuma de camarão representa o Cigalon no Al Mare (Foto: Matheus Novaes)

Não muito longe dali, pode se conhecer a Deise de Búzios, uma personagem queridíssima da cidade e a única pescadora registrada de Búzios, onde nasceu, cresceu, casou-se e criou os filhos. “Não havia nada aqui, o mar cobria tudo, e os pescadores tinham uma vilinha dali de onde vai a Rua das Pedras até a Orla Bardot. Aliás, eu lembro quando Brigitte veio aqui, Búzios deve sua fama a ela. Se você ver uma foto dela com crianças aqui em Búzios, pode saber que eu estou com ela, seu cachorrinho branco e o resto da meninada”, conta Deise, cheia de intimidade. Hoje com todos os três filhos formados na faculdade por causa de seu ofício com o marido – os dois pescam juntos há mais de 40 anos -, ela conta que os dois, embora aposentados, “não conseguem” largar o mar. “Quando ele vai pescar de madrugada, eu chego às 5h30 com o carrinho e limpo e vendo tudo, a maioria para restaurantes. Mas às vezes ainda vamos juntos, no Pedro, e trazemos a pescaria”, diz ela sobre o barco colorido da família, que leva o nome do primeiro neto.

Deise é a única pescadora certificada em Búzios, e fornece para restaurantes até hoje (Foto: Matheus Novaes)

Aliás, quem se encanta pela pesca também pode, em Búzios, fazer passeios com equipes de pescadores profissionais que trabalham exclusivamente com turismo. Na Golden Fish, passeios agendados levam diariamente equipes de pescadores dos mais amadores aos mais profissionais para explorar o potencial da pesca esportiva da região. “A maioria dos grupos é como o de amigos que se juntam para jogar uma ‘pelada’, só que é de pesca”, explica um dos sócios da empresa, o pescador Vinícius Pires. O passeio sai por volta das 2h da manhã e retorna no fim da tarde. “Nossa intenção é que, no fim da viagem, o cliente chegue em casa com um peixão, um troféu mesmo, sem qualquer obrigação de quantidade. O objetivo é a diversão de quem gosta de pescar ou quer conhecer esse universo “, completa o outro sócio, Rafael Paixão.

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Pôr do sol no Porto da Barra é um excelente programa para o fim do dia (Foto: Matheus Novaes)

Água ou terra

Além disso, os barcos de pesca turística aportam bem a tempo de se ver o pôr do sol no Porto da Barra, e a boa pedida é um belo drinque no charmoso pier do Anexo Bar, que tem uma carta variada de bebidas. Apesar de tudo, para quem prefere ficar mesmo em terra firme, há empresas que fazem city tour em que se vê as principais praias de Búzios. O nosso, feito pela Stylus Turismo, passou por oito delas, entre as quais, João Fernandes (boa para passar o dia, pois tem vários quiosques sob a sombra de árvores) e Ferradura (onde acaba o passeio, e você pode curtir o dia, combinando um horário para que a empresa busque o grupo); e praias com menos estrutura comercial, mas paisagens deslumbrantes, como a da Foca e a do Forno. Não se para nas praias (exceto pela Ferradura), mas se você não abre mão de uma foto para registrar o passeio, há paradas em três mirantes. E tudo isso orientado por guias que conectam o que vemos à história da cidade – não raramente em três ou mais línguas.

* A repórter Júlia Pessôa viajou a convite da Associação Comercial de Búzios

 

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