‘Cremoso’: De Fusca pelas Gerais

Família reforma carro para manter viva a memória de avô, percorre o interior de Minas e registra tudo no YouTube


Por Nayara Zanetti, estagiaria sob supervisão de Wendell Guiducci

18/08/2021 às 07h40

Da janela de um Fusca 1977, João Victor Calegari e sua mãe Déia Oliveira avistam mares de morros e monumentos arquitetônicos antigos, que guardam as memórias das cidades do interior de Minas Gerais. Ao longo do caminho, um acessório remete, constantemente, a lembranças, mas, desta vez, a respeito do passado da família. O passador de marcha com a imagem de Nossa Senhora Aparecida foi transmitido por gerações e hoje, após 30 anos, embarca nas viagens da família pelo estado.

O Fusca modelo 1300L foi reformado para atender às necessidades de Déia, seu marido João Calegari e seus filhos João Victor e Priscilla. No entanto, algumas partes, que revelam memórias e afetos, ficaram intactas para preservar – nem que seja um pouco – a história de seu pai, José Pequeri, como era conhecido.

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Nos anos 1990, o casal decidiu comprar seu segundo Fusca, mas com a chegada dos filhos o carro precisou ser trocado por um que acomodasse melhor a família naquele momento. O valor sentimental pelo veículo era tão grande que Déia pediu para seu pai ficar com ele. Ao aceitar o pedido da filha, o Fusca se tornou o “xodó da vida” do pai, como ela conta.

Para Déia, o fato de estar reformando e viajando no Fusca traz a presença de seu pai, que faleceu no ano passado, aos 72 anos. “O meu pai tinha um carinho muito grande por esse carro e, quando ele adoeceu, pediu para que não vendêssemos caso ele viesse a falecer. Após um mês, ele morreu e nós acatamos a sua escolha. Eu fiquei muito triste com o luto que estava vivendo, e o Fusca, até hoje, preenche esse luto que eu passei e de certa forma ainda passo.”

O Fusca modelo 1300L foi reformado para atender às necessidades de Déia e sua família.

Reformando laços, mantendo memórias

Na época em que pertencia a José Pequeri, o carro quase não saía da garagem. Agora, com as recorrentes viagens da família, foi preciso reformar o automóvel para garantir mais segurança na estrada, “além de manter a memória viva do meu avô”, ressalta João. O estilo monocromático, a mudança do estofado e outras transformações ou permanências no veículo foram decididas em conjunto, o que aproximou a relação entre mãe e filho. Déia comenta que durante o processo houve momentos em que todos concordaram e outros em que a discordância tomou conta, mas o importante é que no final todos vão passear felizes de Fusca.

A família sai de Pequeri, onde mora atualmente, com destino às cidades do interior de Minas Gerais. O carro batizado como “Cremoso” já passou por mais de 12 municípios da região da Zona da Mata mineira, entre eles Mar de Espanha, Sossego, Rochedo de Minas, Santo Antônio do Aventureiro e Juiz de Fora. Antes de seguir o caminho a bordo do Fusca 1977, eles pesquisam um pouco sobre o local, mas gostam de deixar a cidade os surpreender com a sua peculiaridade.

A família sai de Pequeri, onde mora atualmente, com destino às cidades do interior de Minas Gerais.

“Escolhemos conhecer as nossas cidades, afinal, tem tanta coisa bonita, tanta história no nosso entorno que muitas pessoas, assim como a gente, não conhecem. Decidimos valorizar isso e acabamos nos apaixonando ainda mais por Minas – confesso que está difícil mudar a rota”, explica o neto João Victor, que é professor de história.

Devido à pandemia de Covid-19, as viagens estão sendo realizadas de forma rápida: eles optaram por fazer bate e volta, além de seguirem as orientações das autoridades sanitárias, como o uso de máscaras e álcool em gel, buscando uma maior segurança.

Registrando todo o caminho

A viagem no Cremoso não é só para a família Caligari, todas as aventuras são documentadas em um canal do do YouTube, que recebeu o nome de “Déia e família – Fusca Cremoso!” e já alcançou mais de 22 mil visualizações em um só vídeo.

Segundo João Victor, a vontade de criar o canal surgiu a partir do interesse em mostrar não apenas um monumento em si, mas a sua história, seu real significado e a ligação especial daquele lugar com a família. Nem sempre é possível contar com detalhes todas as narrativas, mas ele também enxerga a importância desse outro lado. “Às vezes não conseguimos achar a informação, mas isso faz parte também. Se tem alguma coisa ali que não está sendo dita, aquilo faz parte daquele lugar.”

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O motivo que os levou a iniciar essa jornada foi a lembrança de João Pequeri. Agora buscam descobrir memórias de outras pessoas e culturas. Dessa forma, os vídeos conectam pessoas de outros estados que também possuem uma ligação com Minas e se reencontram nas histórias contadas. “A nossa memória se interliga com a memória de outras pessoas e isso faz com que elas se reconheçam no que estamos mostrando”, explica o professor.

“A história não está só no que estamos vendo ou nos livros, muitas vezes a história está nos moradores antigos e no que eles vão nos contar. Infelizmente, com a pandemia, essa troca não pode acontecer, mas quando tudo isso passar vamos querer ouvir quem realmente vive naquele lugar”, é o que deseja Déia, que na próxima viagem planeja levar o Cremoso até a cidade histórica de Tiradentes.

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