‘Rodar e nunca mais parar’
Viajar – ou morar! – de motorhome ficou mais fascinante na pandemia, e o motivo, segundo juiz-foranos que caíram na estrada, é a ‘vontade de viver ‘
“Não, não tem que ter coragem para viajar de motorhome, coragem tem que ter é para ficar trabalhando em um mesmo lugar, totalmente parado”, diz Rafael Kappas, corretor de imóveis e seguros e overlander. Esse termo, como ele explica, é dado àquele que viaja pela terra, independentemente de como – mas nada de avião. Isso pode ser feito de carro, parando em pontos para dormir ou acampar, pedindo carona pela estrada, de moto com uma barraca, mas, para Rafael, “o melhor, na verdade, é o motorhome”. Ele fala isso porque tem experiência: começou de carro, com barraca de teto, e, na pandemia, quis montar sua casa sobre rodas para desbravar a terra. Esse sonho de ter um motorhome estava sendo adiado para quando a aposentadoria chegasse, mas ele é ansioso e, junto com sua esposa, Cynthia Braga, adiantou os planos para já.
Na verdade, como tem que ser, tudo começou viajando. Ele e Cynthia estavam na Argentina e viram uma família no lugar, mas com um motorhome. Nisso, eles perceberam que “estavam perdendo tempo viajando de avião, porque tem coisa que só dá para conhecer, de verdade, de carro”. De barraca, mas já vislumbrando uma van para construir a casa, eles viajaram durante, mais ou menos, quatro anos. Agora, Rafael acabou virando especialista para os curiosos na construção do motorhome. Na pandemia, durante dois meses, ele conseguiu adaptar a van que comprou e a transformou num lar (com direito a espaço até para o vinho), porque era isso, realmente, que queria. O que não faltou foram cursos e vídeos explicativos no YouTube – além da experiência com a parte elétrica. A “casinha dentro de um carro” ficou tão boa que ele conta que se sente melhor nela que na sua casa – tanto que, ao ir a Petrópolis, sua cidade natal, ele troca o conforto da casa de mãe pela sua de quatro rodas.
Primeiro, planejamento
Mas essa coisa que se vê no filme de largar tudo e, de uma hora para outra, cair no mundo é ilusão. São anos e anos de planejamento, contato com outras pessoas para, no final, colocar o pé na estrada. “Até porque não é um passeio, minha meta é rodar e nunca mais parar.” Os destinos são vários: desde Tiradentes, para ficar nem que seja um final de semana; São Paulo para fazer um curso – inclusive sobre esse assunto -; ou o próximo, que precisou (e ainda precisa) desse tempo todo para concretizar, que é o Alasca. “Cada dia é um planejamento para isso, e a pandemia acabou encurtando, porque a gente não aguentava mais ficar parado dentro de casa”, diz. “Mas o que me pegou mais foi conhecer mais pessoas. A gente acaba saindo um pouco da modernidade, com pé no chão, fogueira e contato direto com outras pessoas. É só coisa boa, não tem como ficar triste.”
Uma grande comunidade
A experiência é tão nova e imersiva que é olhando, entrando, conhecendo e vivenciando que um puxa o outro. Vinicius Oliveira e Gabriela Magalhães (@semfronteirasgv) também estavam viajando quando entraram em uma camper: basicamente uma caminhonete 4×4 com uma casa em cima. Foi durante a pandemia que eles uniram a vontade de conhecer cada pedaço do Brasil com o sonho de morar em um veleiro – pelo menos o sonho do Vinícius -, em um momento de isolamento dentro de um apartamento. Viram, então, que um motorhome seria o encontro ideal e declaram um ao outro: “só vamos”. Vinícius saiu do emprego em que estava e Gabriela ficou de licença. Em seis meses o carro-casa foi construído, e desde o dia 17 de fevereiro o casal vive pelo país.
O motorhome é, sim, uma casa – com direito a quadros, um deles escrito: “desculpe pela bagunça, aqui se vive”. E tem uma rotina mesmo, não é só passeio. Cada um com uma função, em um espaço de, mais ou menos, sete metros e meio quadrados. Mas isso não é problema. “A casa é pequena, mas nosso quintal é gigante”, fala Vinícius. “A maior dificuldade é sair do lugar que a gente gosta.” Um exemplo disso foi Maceió, onde eles estavam quando fizemos a entrevista. O que era para ser uma simples passagem, acabou virando uma estadia – mais um fator que essa viagem mais flexível permite. Além disso, cria-se muito vínculo com outras pessoas, reforçando o que Rafael contou. Não à toa, eles se conhecem e um compartilha com o outro o que vivem, para, entre outras coisas, fornecer a força necessária para largar um apartamento ou uma casa grande e viver em um lugar que, basicamente, é do tamanho de um quarto.
Mas isso também é um dos ganhos desse estilo de vida. Tanto o casal quanto Rafael contam que aprenderam a viver com pouco, de maneira mais humilde e com menos preocupação. Eles perceberam o aumento da vontade de investir nesse tipo de viagem, e até na construção do motorhome, nestes tempos. Vinícius e Gabriela dizem que, agora, existe até mais informação. Inclusive, ele escreveu o livro “Como construir seu motorhome”, contando sua experiência. Para Kappas o motivo do aumento da procura durante a pandemia – fabricantes de trailers e motorhomes estimam crescimento de até 100% nas vendas – foi impulsionado pela vontade de viver. “Os sonhos mudaram. As pessoas querem sair de casa, conhecer novos lugares. As pessoas querem viver mais. Nisso, a gente acaba virando minimalista sem perceber.”
Além disso, eles falam que viajar em um motorhome é mais seguro em relação à Covid-19, já que não precisa ter contato em hotéis ou restaurantes. O casal, por exemplo, com seis meses de viagem, relata que o maior contato que tem com outras pessoas é no mercado – o mesmo que teriam se estivessem em Juiz de Fora – ou com os vizinhos de camping. O ganho disso tudo é o acesso a lugares vazios e paradisíacos, como aconteceu no Jalapão, no Tocantins: eles conseguiram ficar por horas em um lugar que, quando cheio, só permite cerca de 10 minutos de visitação.
Aos poucos, dá certo
A dica dos overlanders é começar aos poucos, buscar informações e, realmente, não ter medo. Hoje vários aplicativos estão disponíveis para quem tem essa vontade, com informações de lugares seguros e pontos de encontro mais frequentados pelos já adeptos. Rafael lembra que ao redor de Juiz de Fora vários lugares são ideais para o início, como Tiradentes, Aiuruoca, o Sul de Minas Gerais, para ter contato com a experiência e, então, entender qual tipo de viajante você é. No mais, é planejamento e vontade de aprofundar nesse Brasil imenso – ou nesse mundo gigante, sem fronteiras.