Brasil decide futuro hoje com segundo turno entre Bolsonaro e Lula

Lula e Bolsonaro fazem duelo decisivo pela Presidência da República neste domingo; urnas ficam abertas entre 8h e 17h


Por Renato Salles

30/10/2022 às 07h00- Atualizada 30/10/2022 às 08h10

Talvez este seja o domingo mais esperado dos 200 anos de independência do Brasil, recém-completados no último Sete de Setembro. Assim, o 30 de outubro de 2022 já nasce memorável. Mais de 156 milhões de eleitores brasileiros estão aptos a comparecer às urnas, que estarão abertas em todo o país entre 8h e 17h, horário de Brasília. Em jogo, no segundo turno do atual processo, está a cadeira de presidente da República entre 2023 e 2026.

Em campo, um duelo de titãs entre os dois maiores líderes populares do país desde a redemocratização na década de 1980: o presidente Jair Bolsonaro (PL), que busca a reeleição, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tenta retornar ao Palácio do Planalto para um terceiro mandato, testarão suas popularidades e suas biografias em um pleito que promete ser disputado. Uma coisa é certa: quem sair vitorioso das urnas terá o desafio de pacificar ânimos para governar um país que se mostra cindido já há alguns anos.

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Pela primeira vez na história republicana do país, um presidente no exercício do cargo disputa um novo mandato contra um ex-presidente. Desta maneira, é desnecessário apresentar as credenciais de Bolsonaro e Lula. Certamente, para bem e para mal, os dois são as figuras mais comentadas do país nos últimos anos. Os dois candidatos chegam para o Dia D como figuras antagônicas, que vivenciaram altos e baixos e baixarias em uma campanha, que já se arrasta desde o último dia 16 de agosto, de mais ataques do que propostas, de parte a parte. Nos últimos meses, as propostas ficaram em segundo plano, ante ao protagonismo da pauta de costumes e de acusações das mais variadas, que formaram um caldo temperado pelos dissabores das fake news.

Embate de legados, duelo de rejeições

A disputa deste domingo pode ser classificada de várias formas. É uma disputa de legados, entre o lulismo e seus governos entre 2003 e 2010, e o bolsonarismo, à frente do país de 2019 para cá. É, acima de tudo, um embate de rejeições, entre o antipetismo e o antibolsonarismo. Para além dos rótulos mais fáceis e das propostas de cada um – sim, elas existem -, há diferenças claras entre as duas candidaturas. No discurso, no conteúdo e na forma.

No discurso, Lula tentou ditar a pauta nos últimos meses sob o ponto de vista da economia e do bolso do brasileiro; Bolsonaro botou mais fichas nas pautas conservadoras e de costumes. No conteúdo, Lula aposta no discurso mais voltado para a recuperação econômica sob aspectos sociais; Bolsonaro permanece escorado no discurso liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Por fim, na forma, Lula coloca-se como o líder de uma autointitulada frente ampla que conseguiu angariar o apoio de segmentos diversos da política e da sociedade brasileira; já Bolsonaro, mesmo com a caneta na mão desde 2019, ainda tenta se apresentar como uma figura antissistêmica, mantendo como plataforma de campanha o tom crítico às instituições democráticas, tendo como principal foco de sua artilharia nos últimos meses o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Agora, cabe ao eleitor escolher qual discurso, conteúdo, forma e, principalmente, caminho ele deseja trilhar pelos próximos quatro anos.

Segundo turno das eleições é marcado por tabus

As discussões políticas e eleitorais no Brasil têm sido intensas, e o embate entre Lula e Bolsonaro tira o sono e o humor de muita gente. Nas redes sociais, uma brincadeira em forma de frase feita tem sido, de certa forma, recorrente: “estou cansado de ser testemunha ocular da história”. A troça tem sua parcela de verdade e, no pleito deste domingo, vários tabus históricos estarão em jogo.

Um deles é que, desde que, em junho de 1997, foi promulgada a Emenda Constitucional 16/1997, que permitiu a reeleição de presidentes, governadores e prefeitos a partir de 1998, todos os presidentes que tentaram a reeleição saíram vitoriosos das urnas. Isso foi o que aconteceu com Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1998; Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2006; e com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2014. Agora, a manutenção do tabu depende da votação de Bolsonaro.

Outro tabu aponta que, desde 1988, quando o sistema eleitoral de dois turnos foi instituído pela Constituição Federal, em todas as seis vezes em que houve a necessidade das eleições presidenciais serem decididas em duas etapas, sempre o mais votado no primeiro turno saiu vitorioso das urnas e se elegeu presidente. Foi assim com Collor, em 1989; com Lula, em 2002 e 2006; com Dilma, em 2010 e 2014; e com Bolsonaro, em 2018. Como Lula foi o mais votado no último 2 de outubro, agora, a manutenção do tabu depende da votação do petista no segundo turno.

Independentemente do resultado, um dos dois tabus não sobreviverá. Se Lula for o mais votado neste domingo, Bolsonaro será o primeiro presidente no cargo a tentar a reeleição que não conseguiu renovar seu mandato. Se Bolsonaro vencer as eleições, Lula será o primeiro candidato a sofrer uma virada no segundo turno.

Marca pessoal

Outro tabu em jogo é o fato de que Bolsonaro nunca perdeu uma eleição. O atual presidente iniciou sua trajetória nas disputas eleitorais nas eleições de 1988, elegendo-se vereador no Rio de Janeiro. Dois anos depois, em 1990, Bolsonaro foi eleito pela primeira vez deputado federal, sendo reeleito seis vezes em 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014. Em 2018, disputou a Presidência da República e saiu vitorioso da disputa.

No primeiro turno, Lula somou 6 milhões de votos a mais que Bolsonaro

A eleição deste domingo é a segunda parte de um duelo em que Lula fechou a primeira etapa em vantagem. No primeiro turno, disputado no último dia 2 de outubro, o petista terminou à frente e obteve 57.259.504 votos, o que corresponde a 48,43% dos votos válidos. Por sua vez, Bolsonaro somou 51.072.345 votos, 43,2% dos votos válidos. Assim, a vantagem do ex-presidente foi de cerca de 6,1 milhões de votos, o que pode ser importante para uma definição em segundo turno.

Além da vantagem na primeira etapa da disputa, após a realização do primeiro turno, Lula ainda conseguiu o apoio das duas candidaturas que ficaram na terceira e quarta colocação após a apuração das urnas no último dia 2 de outubro. A senadora Simone Tebet (MDB) computou 4.915.423 votos (4,2% da votação válida) e teve papel bastante ativo na campanha de segundo turno do petista. Quarto colocado, o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes (PDT), fez uma manifestação mais velada e seguiu a decisão de seu partido, o PDT, que fechou apoio a Lula. No primeiro turno, Ciro somou 3.599.287 votos (3% dos votos válidos). Entre os demais sete candidatos que ficaram pelo caminho, nenhum deles chegou à marca de um milhão de votos ou 1% da votação válida.

Outra sinalização que pode ser positiva para Lula é que, durante todo o segundo turno, a maioria das pesquisas o colocavam à frente nas intenções de voto. Contudo, a maioria dos levantamentos publicados ao longo do segundo turno sempre mantiveram Bolsonaro vivo na disputa, sem nunca fechar as portas para uma reviravolta de cenário.

Disputa especial em Minas Gerais

No segundo turno, Lula e Bolsonaro travam uma disputa em especial pelos 16.290.870 eleitores aptos a votar em Minas Gerais. Aí, pesam aspectos específicos: a tradição e o simbolismo. Isso porque, em todas as eleições desde 1989, desde a redemocratização, portanto, todo candidato a presidente mais votado entre os mineiros venceu as eleições e assumiu a Presidência. Foi assim com Fernando Collor de Mello, em 1989; com Fernando Henrique Cardoso, em 1994 e 1998; com Lula, em 2002 e 2006; com Dilma Rousseff, em 2010 e 2014; e com Bolsonaro, em 2018.

Em Juiz de Fora, em disputas presidenciais, os dois candidatos já obtiveram retrospectos positivos. De 1989 para cá, apenas em duas ocasiões, o candidato à Presidência pelo PT na ocasião são saiu vitorioso das urnas juiz-foranas. Os únicos reveses petistas na cidade ocorreram em 1994, quando FHC se elegeu no primeiro turno e venceu Lula na cidade; e, exatamente em 2018, quando Bolsonaro ficou à frente de Fernando Hadadd (PT) nos dois turnos da disputa. Já nas eleições de 1989, 1998, 2002, 2006 e 2014, o PT sempre foi o mais votado na cidade, seja com Lula ou com a ex-presidente Dilma.

Numericamente, o melhor desempenho nas urnas juiz-foranas foi de Lula, que, em 2002, computou 225.524 na cidade. Seu adversário de segundo turno na ocasião foi Serra, que computou à época apenas 45.011 votos. Em 2018, Bolsonaro venceu Hadadd com 145.333 votos, contra 132.237 de seu adversário.

Primeiro turno

No primeiro turno das eleições 2022, o ex-presidente Lula ficou à frente no estado, onde obteve 48,29% dos votos válidos, o que corresponde a 5.802.571 votos; contra 43,6% de Bolsonaro, que obteve 5.239.264 votos. Se dependesse apenas do eleitor juiz-forano, conforme a votação do primeiro turno, Lula seria o presidente eleito no dia 2 de outubro. Isso porque o ex-presidente obteve 167.048 votos nas urnas da cidade, ou 52,6% da votação válida. Bolsonaro veio logo atrás, com 121.945 votos, o que corresponde a 38,4% dos votos válidos.

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Eleições no Brasil após a redemocratização

1989

Na primeira eleição direta após o processo de redemocratização que se seguiu à ditadura militar, o pleito foi decidido em dois turnos. Naquela ocasião, Fernando Collor de Mello (à época no PRN) e Lula (PT) avançaram. No segundo turno, Collor foi o melhor em 23 estados – só perdeu no Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul -, obteve 35.089.998 votos (53,3%) e venceu Lula, que computou 31.076.364 votos (46,97%).

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1994

Em 1994 teve início uma polarização entre PT e PSDB, que pautaria as disputas por 20 anos. Apesar de ter o PT consolidado nacionalmente, Lula não deslanchou ante a popularidade do recém-criado Plano Real. Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ex-ministro da Fazenda do Governo Itamar Franco, venceu a disputa ainda em primeiro turno, com 34.314.961 votos (54,24% dos votos válidos). Lula somou 17.122.127 votos (27,07%).

1998

Em 1998, a história se repetiu. Após conseguir aprovar a emenda que permitiu a reeleição para cargos executivos, FHC voltou à disputa como franco favorito e tendo Lula como principal adversário. Com um discurso de continuidade, Fernando Henrique voltou a definir a eleição em seu favor ainda no primeiro turno. No total, FHC somou 35.936.382 votos e teve 53,06%% da votação válida. Uma vez mais, Lula foi o segundo, com 21.475.211 votos (31,71%).

2002

A sina de segundo colocado chegaria ao fim para Lula em sua quarta eleição. Em 2002, o petista conseguiu moderar seu discurso durante o processo eleitoral, acenando a setores do mercado e a um maior número de segmentos da sociedade com sua versão “Lulinha Paz e Amor” e sua “Carta aos Brasileiros”. O novo tom mostrou resultado eleitoral e ele foi ao segundo turno. A vitória do petista veio com 52.793.364 votos (61,27%%) contra 33.370.739 votos (38,73%%) de José Serra (PSDB).

2006

Em 2006, Lula correu pela reeleição e botou à prova o potencial eleitoral do PT e sua própria popularidade. Por pouco, o petista não venceu as eleições já no primeiro turno, quando obteve 48,61% da votação válida, em nova queda de braço com o PSDB, agora contra Geraldo Alckmin (PSDB). No segundo turno, Lula voltou a abrir vantagem e, algo raro, Alckmin viu sua votação regredir. Assim, o petista venceu, totalizando 58.295.042 (60,83%) contra 37.543.178 (39,17%%).

2010

O potencial eleitoral do PT e o prestígio do então presidente Lula voltariam a ser testados nas urnas em 2010. Alijado da disputa após ter cumprido dois mandatos, Lula lançou a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), como candidata da situação à Presidência. Uma vez mais, a disputa foi polarizada entre PT e PSDB, que voltou a lançar José Serra. No segundo turno, Dilma foi eleita com 55.752.529 votos (56,05%% dos votos válidos). Serra obteve 43.711.388 votos (43,95%).

2014

2014, a polarização PT-PSDB viveu seu auge, com Dilma Rousseff disputando voto a voto com o senador Aécio Neves (PSDB). Após um segundo turno muito acirrado, Dilma venceu Aécio por uma diferença pequena, de pouco mais de três pontos percentuais, com 54.501.118 votos (51,64 %) contra 51.041.155 votos (48,360%) do tucano.

2018

As eleições de 2018 marcaram o fim da polarização PT-PSDB e a ascensão de Jair Bolsonaro (então no PSL), que deixou de ser um deputado federal do baixo clero para chegar à Presidência da República. Com Lula proibido de concorrer, Fernando Haddad manteve a tradição de levar o PT ao segundo turno. Mas foi Bolsonaro quem saiu vitorioso do pleito marcado pela facada sofrida por ele em Juiz de Fora. Bolsonaro recebeu 57.797.847 (55,1% dos votos válidos) contra 47.040.906 de Haddad (44,9% da votação válida).

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