A serviço da sustentabilidade, catadores de recicláveis lutam por reconhecimento

Trabalhadores são fundamentais para a preservação do meio ambiente, mas ainda enfrentam a desvalorização da profissão


Por Nayara Zanetti, sob supervisão da editora Fabíola Costa

03/03/2023 às 10h00- Atualizada 03/03/2023 às 10h17

Todos os dias, inúmeros catadores de recicláveis vão às ruas em busca de uma renda e acabam dando um novo fim ao lixo. Para se ter uma ideia, cerca de 90% dos materiais recicláveis no Brasil são coletados por esses trabalhadores, o que contribui para a redução em cerca de 30% na emissão de gases de efeito estufa, segundo a Associação Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. Embora tenha papel fundamental para o meio ambiente, na maioria das vezes esse trabalho não é valorizado, e os catadores convivem com a ausência de uma remuneração justa e outros direitos trabalhistas. A Biosfera desta semana conta a história de catadores que, além de terem na reciclagem seu sustento, colaboram para uma Juiz de Fora mais sustentável.

Segundo a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), 51 famílias dependiam do serviço na cidade em 2021. Em 2023, este número chega a 70, informa o Município. Além dos números oficiais, que são fornecidos pelas associações dos catadores, existem muitos profissionais que fazem o serviço de forma independente e não entram nesta lista, mas também têm a reciclagem como única fonte de renda. Esse é o caso de Manoel Jesus de Almeida, 55 anos, um dos catadores mais antigos da cidade.

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“Está muito claro que nós estamos transformando o planeta terra em planeta lixo. Por isso que o meu trabalho e o de vários recicladores é muito importante. Estamos ajudando o meio ambiente, mesmo com custos mínimos e muitas vezes sendo desrespeitados. Eu sinto que falta colaboração e respeito das pessoas”, lamenta.

Há 30 anos vivendo da reciclagem

Manoel Jesus de Almeida: “Está muito claro que estamos transformando o planeta Terra em planeta lixo. Por isso o meu trabalho e o de vários recicladores é muito importante”

De domingo a domingo, Manoel acorda por volta das cinco horas da manhã, toma seu café, faz sua oração e se prepara para dar início ao trajeto que move sua vida. Dentro de uma caminhonete F1000, ele sai do Bairro Santa Efigênia, onde mora, e percorre ruas de bairros da Zona Oeste de Juiz de Fora a procura de materiais recicláveis para garantir o sustento de sua família. Primeiro passa pelo Marilândia, desce pelo Jardim da Serra, atravessa o Aeroporto e, por fim, chega em São Mateus. Essa rotina se repete há mais de 30 anos, mudando apenas o endereço, já que o juiz-forano morou por um tempo no Rio de Janeiro e em São Paulo.

“Eu sou um dos catadores mais antigos de Juiz de Fora, porque sou daqueles catadores persistentes. Eu persisti no meu trabalho. Comecei carregando saco nas costas, depois arrumei um carrinho de supermercado e, mais pra frente, consegui tirar minha carteira de motorista e comprar um carro”, conta.

Manoel começou a trabalhar com reciclagem muito cedo. Mais precisamente, desde os 12 anos, quando morou na rua e viu no “lixo” uma fonte de sobrevivência. Foi com o dinheiro da reciclagem que conseguiu construir sua casa e criar suas quatro filhas. Ele se orgulha de ter uma longa história na coleta de recicláveis na cidade, o que o faz ser reconhecido por onde passa. “Sou grato a muitas pessoas que me ajudam. Alguns síndicos dos lugares por onde passo me deixam circular dentro dos condomínios, outros já separam o lixo para mim.”

Depois da coleta, o catador transporta todo o material para a sua casa, onde faz a separação do que pode ser vendido para a Copamig, empresa que atua na comercialização de recicláveis. Por semana, ele costuma ganhar cerca de R$ 250, o que não chega a um salário mínimo no final do mês. Em um dia comum dessa rotina, ele, que é deficiente auditivo, sofreu um grave acidente quando foi limpar um fio de cobre na lixadeira. O material atingiu o óculos de proteção, e ele perdeu a visão do olho direito.

O catador reclama do aumento da concorrência nos últimos anos. Segundo ele, com a pandemia, muitas pessoas perderam o emprego e precisaram ir buscar na reciclagem um sustento. Ele também diz que os pontos de coleta aumentaram. Para dar conta da demanda, precisa acordar bem cedo e contar com a ajuda de sua filha. Cada um coleta os materiais em uma região e depois se encontram. “Sou ‘Jesus’, mas não consigo estar em todos os lugares ao mesmo tempo, preciso de ajuda”, ele brinca. Recentemente, o trabalhador ganhou mais um companheiro na reciclagem, o cachorro Bob Marley.

Manoel conheceu Bob Marley na casa de uma moradora que separava o lixo para o catador. “Toda vez que eu ia lá era uma festa, ele corria para ir ao meu encontro, eu brincava com ele.” A senhora percebeu a ligação dos dois e, antes de morrer, quis que o cachorro ficasse com o catador. “No dia que fui buscar, o Bob Marley correu para o meu carro e nunca mais quis sair. Hoje, ele me acompanha em qualquer lugar que eu vá”, conta.

‘Imagina se não fosse a nossa reciclagem?’

Flávia Helena da Silva é catadora há 26 anos e ajudou a construir a Associação dos Catadores de Papéis e Resíduos Sólidos de Juiz de Fora (Foto: Felipe Couri)

Do galpão da Associação dos Catadores de Papéis e Resíduos Sólidos de Juiz de Fora (Apares), Flávia Helena da Silva relembra quando começou a catar papel na rua, há 26 anos. Ela foi uma das pessoas que ajudaram a construir a associação nos anos 2000, foi presidente por um tempo e agora continua como associada e ajuda seu esposo, que é o atual presidente. Hoje, comenta, 17 famílias são associadas à instituição. “A associação não tem diferença entre homem e mulher, nós trabalhamos da mesma forma, o peso que um pega, o outro também pega.”

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O percurso diário de Flávia começa por volta das 7h quando ela abre o galpão. A catadora caminha pelas ruas do Centro da cidade e depois volta para a associação com os materiais arrecadados no dia. No domingo, Flávia sai de casa às três horas da manhã para vender o que ganha de doação na feira da Avenida Brasil. A venda de recicláveis já foi mais rentável para ela, que ganha cerca de meio salário mínimo por mês. “Criei seis filhos e onze netos, todos com o dinheiro do papel, catando honestamente na rua. Eu não tinha nem lugar direito para morar, hoje eu construí minha casa. Às vezes o preço do papel cai, às vezes aumenta, mas é com isso que eu consigo sobreviver.”

A associação consegue coletar aproximadamente 12 toneladas de resíduos por mês. Houve uma época em que reciclavam quase 30 toneladas. “Imagina se não fosse a nossa reciclagem? Onde estaria esse material? O aterro não suportaria tanto lixo.” Flávia também ressalta a importância de reciclar os materiais dentro de casa antes de jogar todo o material no lixo, para ajudar não só o meio ambiente, mas também os catadores, que precisam separar o lixo seco do orgânico. “A educação vem de casa, eu ensino meus filhos, nós separamos.”

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