Cristiano Fernandes: “A formatação do ensino nem sempre permite que a leitura seja um prazer”

Por Marisa Loures

05/12/2017 às 07h00 - Atualizada 06/12/2017 às 03h49

 

Coordenador da Biblioteca de Benfica, Cristiano Fernandes coordena projeto contemplado com o selo do “Prêmio IPL – Retratos da Leitura” – Foto Divulgação

Há dois anos, mensalmente, cerca de 500 pessoas transitavam pelas estantes da Biblioteca Delfina Fonseca Lima, sucursal da Biblioteca Municipal Murilo Mendes em Benfica. O local cercado de livros era, literalmente, silencioso. Aos poucos, ele foi ganhando cada vez mais leitores, chegando, atualmente, a 1.200 frequentadores por mês, segundo a coordenação do espaço. As atividades realizadas através do “Leitores e mediadores em ação” são várias, mas, uma em especial, parece ser a grande responsável pelo crescimento de público: os alunos das escolas do entorno são convidados a ir à biblioteca para ouvir e contar histórias, nascendo daí, o grupo Entr&Contos, e a biblioteca também vai até eles. Já no centro de Juiz de Fora, na Murilo Mendes, o projeto “Escola de escritores” vem atraindo crianças e adolescentes para mais perto da literatura. A garotada que tem entre 7 e 11 anos vai para o setor infantojuvenil participar de oficinas de criação de textos. Ao final, as produções desses jovens autores podem ir parar nas páginas de um livro, como ocorreu em 2016.

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As duas iniciativas, de tão positivas, renderam para as duas instituições o reconhecimento na segunda edição do Prêmio Pró-Livro – Retratos da leitura, promovido pelo Instituto Pró-Livro. Com isso, elas estão entre as dez entidades que se destacaram com experiências de incentivo à leitura e à divulgação do livro. “É uma grata surpresa estarmos sendo reconhecidos com ações diversas em âmbito nacional, porque, às vezes, pensamos que o que a gente faz não é muito significativo. Mas, agora, constatamos que sim. Estamos no caminho certo. Percebemos que é possível fazer mais, mas que esse tanto que fazemos já representa algo muito positivo, tanto que foi reconhecido. Esse aval que um instituto tão importante quanto este dá traz para gente mais coragem. Traz mais força para continuar trabalhando nessas ações e pensando em ampliá-las, em explorar ainda mais esse potencial que o aluno tem e que a gente também tem, como profissional que acredita na importância da leitura na vida das pessoas”, afirma Cristiano Fernandes, coordenador da Delfina Fonseca Lima.

Não há uma fórmula a se seguir quando o assunto é despertar o interesse do leitor. Essa tarefa parece ter ficado ainda mais difícil, hoje, por causa das novas tecnologias, e é sobre isso que Cristiano conversa com o Sala de Leitura. Vamos entender um pouco mais como funciona o “Leitores e mediadores em ação”, conhecer experiências positivas de contato com a literatura e saber como é o acervo e o funcionamento da biblioteca de Benfica, instalada na Rua Marília, no número 631.

Marisa Loures – Como funciona o “Leitores e mediadores em ação”?

Cristiano Fernandes – O nosso projeto de Benfica tem esse nome, “Leitores e mediadores em ação”, porque abrange uma série de ações que realizamos, desde a importância do reconhecimento de que existe uma biblioteca no bairro, já que é o único bairro que tem uma biblioteca municipal. Ela ficou parada no desenvolvimento dessas ações e retomamos isso desde agosto de 2015, quando fomos convidados para assumir a coordenação. Vai desde ações de visitas guiadas, que pode ser feita, em especial, por alunos e escolas, mas por qualquer pessoa que se interessar. O professor pode fazer uma aula diferente lá, e a gente acompanhar e planejar junto, ou levar os alunos para que a gente desenvolva uma atividade de literatura. Temos também um grupo de contação de histórias, o Entr&Contos. A gente se apresenta na biblioteca e nas escolas. A biblioteca também tem um espaço com as estações para estudo, pesquisa e internet popular. Adaptamos um espaço infantojuvenil bem lúdico, com jogos e bichinhos. As crianças se sentem bem confortáveis e estimuladas a estarem ali. Percebemos que, com isso, o número de leitores e de empréstimos de livros aumentou. A partir do momento em que a gente fez a interação com a sociedade do entorno não só de Benfica, mas da região, muitas pessoas começaram a doar livros também, o que fez com que a gente pudesse ser reconhecido e reconhecer nas pessoas essa vontade que elas têm de aproveitar esse espaço tão importante para o bairro. Para o curso de contação de histórias tem que se inscrever. A gente sempre abre vaga no início do ano ou no início do semestre. Ele é gratuito. Para as ações com escolas, basta que agende conosco pelo telefone 3222-4220.

– Quais são os anseios das crianças da região de Benfica? Vocês apresentam o que elas gostam de ler ou sugerem outras leituras?

– A gente tenta sempre descobrir o que elas gostam para fazer esse caminho, porque é mais fácil. Mas, a partir disso, a gente apresenta outros gêneros, outros autores, outras possibilidades. Um bom caminho é a contação de histórias. Quem é que não gosta de ouvir uma boa história? Então, apostamos no Entrecontos. No início, enquanto o curso ia caminhando, fiz sozinho. A partir daí, a gente ia contando histórias de livros que havia na biblioteca. Às vezes, a história inteira; às vezes, uma parte dela. Apresentava os livros, construía uma história fictícia em que apresentava a biblioteca e o mundo da literatura. Aí a criança e o jovem vão se encantando, vão vendo que isso é interessante, que tem significado para a vida deles. Vão aprendendo a se ler, a ler o outro, a ler o mundo.

– O Brasil é um país leitor? Qual é o caminho para chegarmos lá?

– Penso que o Brasil tem potencial para ser um país de leitores. A gente costuma falar: “Ah o jovem e as crianças não gostam de ler”. Mas, às vezes, deparamo-nos com vários deles com um livro imenso dentro da mochila, com algum best-seller da contemporaneidade com o qual eles se encantam. Não é que não gostem de ler, é um trabalho que precisa ser incentivado. A leitura é um hábito e, como todo hábito, precisa de ser experienciada. Ela tem que dar significado, produzir sentidos. É preciso ter prazer naquilo que se faz. Muitas vezes, a formatação do ensino nem sempre permite que essa leitura seja um prazer. Às vezes, ela é obrigatória, tem que cumprir metas, fazer provas, e isso afasta o jovem. Essa é uma questão para se pensar. Também sou professor de português e literatura e tento, na medida do possível, fazer diferente. Acredito, sim, que é possível. Com o nosso próprio exemplo, já temos um resultado bastante significativo de aumento. Em dois, três anos, conseguimos duplicar o número de leitores, de empréstimos, de ações e de pessoas que visitam a biblioteca. Então, acredito nesse trabalho de mediação e estímulo, de incentivo e de produzir significado para o leitor através da leitura que ele faz.

Visita de alunos da Escola Estadual Almirante Barroso à biblioteca de Benfica -Foto Divulgação

– O público juiz-forano tem o hábito de frequentar a biblioteca e pegar livro emprestado?

– Com o advento das novas tecnologias, das redes sociais, é quase uma concorrência desleal, porque isso tem um poder de influência muito grande sobre as pessoas como um todo. Mas a gente não pode querer transformar isso nessa concorrência que, aparentemente já existe, afastando cada vez mais as pessoas. É possível fazer um diálogo, fazer esse universo se somar à leitura, usando todas as possibilidades positivas que a internet e as redes sociais possuem. A gente tem os e-books, tem muita coisa que se pode fazer com essa aproximação e, a partir da tecnologia de que eles tanto gostam, ganhar o leitor, também, para o objeto físico.

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– Até a formatação tradicional de uma biblioteca, para onde as pessoas devem ir para ler um livro, em silêncio, parece não mais atrair a criança de hoje. É necessário reinventar?

– Existe quase um mito de que a biblioteca é um lugar de total silêncio. Por isso, é preciso buscar possibilidade de interação entre ela, o livro, a criança, os personagens e o autor. Buscar leituras diferenciadas, maneiras de ler. Tem um trabalho de teatro, por exemplo, que é o teatro lido, que é muito legal. Você consegue fazer com que crianças e jovens percebam um sentido diferenciado para esse momento da leitura. Temos que descobrir o caminho, e isso não tem receita, é experimentando com elas até ver o que faz sentido. Por exemplo, no Ensino Médio do Colégio Polivalente, de Benfica, fizemos um trabalho em conjunto com os professores sobre crônicas, porque eles disseram que os alunos se identificaram muito com esse gênero. Eles trabalharam o gênero, toda sua questão textual e teoria. E, em momentos diferenciados, o Ensino Médio todo foi à biblioteca. A gente escolheu uma crônica, discutiu com eles, sem essa questão de interpretação de texto. É o texto pelo texto, a nossa leitura, o nosso diálogo com o texto. Propusemos que eles escolhessem uma crônica e a encenassem. É um projeto que se chama “Crônica em cena”. Foi muito legal, porque partiu do interesse deles.

A biblioteca de Benfica conta com acervo de 5 mil livros – Foto divulgação

– Como é o acervo de vocês? O foco é literatura clássica ou a contemporânea?
– A gente tem um pouco de tudo. O acervo não é muito grande, tem cerca de cinco mil livros, mas é um bom acervo. E a gente tenta manter tudo o que é possível. Temos esses livros que atraem tanto os meninos, como “Diário de um banana” e “Menino do pijama listrado” e, para os adultos, temos Martha Medeiros. Mas temos, também, Machado de Assis, Manuel Antônio de Almeida, Shakespeare e Coleção Vaga-Lume, que não perde seu lugar. Ela ficou esquecida há um bom tempo, mas a gente tem retomado, reapresentado para os leitores. A gente não pode abrir mão disso ou daquilo, porque cada um vai ter sua preferência, e é melhor que a gente tenha possibilidades diversas para oferecer.

– Sabemos do valor simbólico de estar entre as dez instituições que mais se destacam em projetos de incentivo à leitura no país. Na prática, o que esse reconhecimento representa para as duas bibliotecas?

– Primeiro, é uma grata surpresa estarmos sendo reconhecidos com ações diversas em âmbito nacional, porque, às vezes, pensamos que o que a gente faz não é muito significativo. Mas, agora, constatamos que sim. Estamos no caminho certo. Percebemos que é possível fazer mais, mas que esse tanto que fazemos já representa algo muito positivo, tanto que foi reconhecido. Então, esse aval que um instituto tão importante quanto este dá , traz para gente mais coragem. Traz mais força para continuar trabalhando nessas ações e pensando em ampliá-las, em explorar ainda mais esse potencial que o aluno tem e que a gente também tem, como profissional que acredita na importância da leitura na vida das pessoas.

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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