Precisamos falar (bem) de ‘Legion’ e (mal de) ‘Punho de Ferro’
Oi, gente.
Como vão? Todos bem? É bom que estejam, porque hoje é dia de uma DR que preferi adiar por algumas semanas, mas agora não dá mais. Precisamos conversar sobre “Legion” e “Punho de Ferro”, duas das séries com heróis da Marvel que estrearam este ano na TV e na Netflix, respectivamente. Mais especificamente, o que levou a primeira a ser uma excelente surpresa e a segunda a se tornar uma decepção monumental a cada capítulo. E aí não é uma questão de uma ser melhor que a outra por conta de estilo, mas pelas qualidades e defeitos de cada uma no seu formatinho.
Vamos falar (bem) de “Legion”, primeiramente. Era o tipo de projeto que não animava ninguém. A produção é da Fox, que mais erra que acerta no cinema e arriscava pela primeira vez na TV, ainda mais com um personagem pouco conhecido, integrante da quinta divisão no universo dos X-Men e chato toda vida. Que se não tivesse provocado a “Era do Apocalipse” nas HQs seria um notório Zé Ninguém, mesmo sendo filho do Professor Xavier e um mutante Classe Ômega.
Mas não é que deu certo? Noah Hawley, o homem por trás da elogiada versão para a TV de “Fargo”, é o criador de “Legion” e teve a liberdade de criar uma história mais adulta, o que mostra que a Fox aprendeu algo com os sucessos de “Deadpool” e “Logan”. O acerto continuou pela decisão de uma temporada curta – apenas oito episódios – que já chutava bundas logo na primeira semana: um misto de Wes Anderson com Bollywood completamente nada a ver com produtos como “Agents of Shield” ou “Arrow”, por exemplo.
A mistura de cinema indie, badulaques eletrônicos no estilo Terry Gilliam, horror, alucinações visuais, trilha sonora com Pink Floyd e Talking Heads, romance, personagens carismáticos, ironia e estados alterados da mente cria uma narrativa totalmente às avessas do que acostumamos a ver na televisão, mas nem por isso “Legion” é uma antítese às séries de super-heróis que conhecemos. É a tentativa acertada de se contar uma boa história com proposta narrativa diferente, que tem nos episódios cinco a sete o melhor momento da produção ao mostrar como funciona – se é que podemos dizer assim – a mente esquizofrênica de David Haller.
Quem perdeu a primeira temporada de “Legion” está perdendo.
O mesmo, infelizmente, não podemos dizer da outra série, então vamos falar (mal) de “Punho de Ferro”. Ô, tristeza. O acordo da Marvel com a Netflix para levar até o serviço de streaming produções com os personagens urbanos da emissora, com um toque mais realista e soturno em relação aos filmes, funcionou muito bem em “Demolidor”, “Jessica Jones” e “Luke Cage”. Mas aí eles ferraram tudo divinamente com o coitado do Punho de Ferro. Ô, se ferraram.
E olha que a gente foi paciente desde o primeiro episódio, dizendo “ok, estão apresentando o personagem, vai melhorar.” E aí vieram o segundo, terceiro, quarto episódios, e o que era “ah, vamos esperar mais um pouco” se tornou um “ah, ceis tão brincando com a gente, para com isso” até resultar num “ah, para de ser burro, rapá!”, seguido pelo exasperante “sério que ele tá apanhando desse cara?” e o definitivo “peraí, acabou desse jeito mesmo?”. “Punho de Ferro”, na verdade, era uma colcha de retalhos cheia de furos, com uma história inacreditável de tão… ruim – e não pelo fato de termos um cara lutando kung fu depois de passar 15 anos numa cidade mística e mítica, mas sim por ofender a nossa inteligência.
Começando pelo pobre Danny Rand. Nem sei se a culpa era do ator (Finn Jones), talvez ele tenha atuado tão bem que aumentou nossa raiva. Porque o seu personagem é um pateta de marca maior, um bobalhão que acreditava em todo mundo, do tipo que compraria a Ponte do Brooklyn do mendigão da esquina. Ok, ele perdeu os pais, acreditava ter uma conexão com a família do sócio do pai, mas desde o início todo mundo passa a perna no infeliz e ele com aquele papo de acerto de contas com o passado, “defender Kun Lun, o escambau” etc. Não dá pra acreditar que alguém passe 15 anos aprendendo kung fu, disciplina, controlar o shi, coisa e tal, e não tenha comparecido a uma aula sequer de desconfiômetro.
E tem mais. Primeiro, a falta de kung fu numa série que tem o cara que é O CARA DO KUNG FU. Quer dizer que o infeliz passa uma arroba de anos em Kun Lun para dar aqueles golpes mais ou menos nos bandidos? E pior: apanhar feito o Maguila de qualquer marginal que aparecia na sua frente? Todas as cenas de luta de “Demolidor” colocam as de “Punho de Ferro” no chinelo. Em segundo lugar, a tal colcha de retalhos, com a série misturando Tentáculo, Kun Lun, tráfico de drogas, mundo corporativo, dramas existenciais e outras paradas e continuar girando em falso. Todas essas paradas estão conectadas, mas essa conexão é tão frouxa que falta aquela coesão vista, por exemplo, num “Breaking Bad” da vida.
E tem mais, parte dois, e é uma das coisas que mais me irritou. Como é que o Tentáculo arruma uma centena de ninjas para tentar matar o Demolidor e metade de Hell’s Kitchen na série do Homem Sem Medo e eles desaparecem em “Punho de Ferro”? Como é que o Tentáculo deixa a coitada da Madame Gao (a irmã gêmea perdida da Tia Dedinha, e que é minha personagem favorita) sozinha, com apenas dois guarda-costas, durante toda a temporada, seja na fábrica de drogas na China ou em Nova York? Com exceção do episódio em que o Punho de Ferro luta com aqueles caras esquisitos num galpão, faltou ninja nessa brincadeira.
O lance, agora, é esperar que a segunda temporada de “Legion” seja tão boa quanto a primeira e que a Netflix corrija os erros cometidos com o Punho de Ferro, que retornará na série dos Defensores que estreia em agosto. Ah, e que enfim tenhamos Kun Lun na segunda temporada (tem que ter, né?).
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.