‘Mulher-Maravilha 1984’, infelizmente, é um filme muito ruim
Oi, gente.
Gostaria de terminar este 2020 dos infernos com uma coluna mais leve, talvez uma lista de séries deste ano para tirar o atraso em 2021, mas infelizmente assistimos a “Mulher-Maravilha 1984” e o longa da heroína da DC Comics não nos permite outra situação que não seja malhar o judas no ato da matrícula.
O filme de Patty Jenkins padece daquela maldição hollywoodiana de fazer uma sequência que estraga uma boa ideia. Sabe “Círculo de Fogo”? O primeiro filme, dirigido por Guillermo del Toro em 2013, era aquela coisa linda de se ver, com Jaegers e Kaijus se arrebentando na base do soco, e aí destruíram tudo que havia de bom com aquele segundo filme pavoroso.
Guardadas as devidas proporções, acontece o mesmo com “Mulher-Maravilha 1984”. O longa de 2017 não é o melhor filme de super-heróis de todos os tempos, mas era divertido, tinha uma boa história de origem, elenco carismático, tinha discurso feminista, boas cenas de ação e só pisava na bola na batalha final. Todo mundo ficou feliz e com a esperança de que a Warner Bros. tivesse encontrado o caminho para seu universo de super-heróis, ainda mais que “Aquaman” também foi divertido e coisa e tal.
Porém, tudo que havia de bom em “Mulher-Maravilha” foi jogado fora ou usado mal e porcamente na continuação, que até enganou a galera nos trailers – uma especialidade do estúdio – com todo aquele visual colorido e exagerado dos anos 80. Tinha toda cara de que teríamos um bom filme de ação inspirado nos clássicos da década, além dos fan services para quem viveu a época. Mas daí que não tivemos nem um, nem outro, apenas uma piada aqui e ali sobre a moda dos anos 80 e muito dos piores clichês das produções feias no período.
Como comentei com ah migos pela internet, “Mulher-Maravilha 1984” pega o que havia de ruim em “Superman II” e toda a desgraça que havia em “Superman III”; dos tempos atuais, abraça sem medo de ser (in)feliz a falta de coerência dos roteiros de um filme do Michael Bay, em especial a franquia “Transformers”.
O primeiro problema de “Mulher-Maravilha 1984” é o seu MacGuffin, responsável pelo surgimento dos vilões e o retorno de você-sabe-quem. Quer coisa mais anos 80, mais “Sessão da Tarde”, que o tal MacGuffin ser uma “pedra dos desejos”, que quanto mais utilizado mais piora a situação – tanto do mundo quanto do roteiro? Aí não há roteiro que se salve, principalmente quando a história escrita a seis mãos por Patty Jenkins, Geoff Johns e David Callaham manda a coerência para o espaço. É puro suco de “Transformers”, com maldições ancestrais, acontecimentos que carecem de explicação e/ou lógica (o retorno de Steve Trevor é um deles) e personagens esquecidos ou pulando de um lado para outro como se o Egito ficasse do outro lado do Paraibuna. E temos clichês sobre a verdade e o amor que dão vergonha alheia, ainda mais que o texto não ajuda a esconder o quanto a Gal Gadot é limitada como atriz. Todo aquele discurso de empoderamento e feminismo do longa anterior foi jogado no lixo sem o menor pudor. Pelo amor de Darkseid, o que foi aquela piscada de olho para a menininha no shopping?
Não podemos esquecer outro problema: a duração do longa, intermináveis 150 minutos. Aqui, a comparação com os filmes da Marvel é inevitável. “Vingadores: Guerra Infinita” tem um minuto a menos, precisa dar espaço para mais de 20 heróis, Thanos, e é tudo muito bem amarrado, prende a atenção do público em tempo integral sem chutar a cara da coerência narrativa. O novo filme da Mulher-Maravilha poderia muito bem sobreviver sem a sequência de abertura – que serve apenas para lembrarmos que Themyscira existe e justificar a armadura dourada e a cena pós-créditos – e toda a parte do Egito, apesar da melhor sequência de ação ter acontecido lá; ela poderia ter rolado nos Estados Unidos, no lugar de várias cenas descartáveis. Aliás, se o filme tivesse 50 minutos a menos o desastre seria obviamente menor.
Mas existe algo de bom em “Mulher-Maravilha 1984”? As cenas de ação são muito legais, os efeitos especiais são caprichados e a cena pós-créditos dá aquele calorzinho no coração. Apesar dos papéis não ajudarem nem um pouco, Pedro Pascal e Kristen Wiig fazem o que podem com o que é oferecido à dupla. O protagonista de “The Mandalorian” precisa se virar com o clichê de vilão megalomaníaco da década de 80 que é malvado só porque pode ser mau, mas convence quando precisa ser caricato, canalha, safado e ambicioso, até mesmo quando bate aquela crise de consciência. E Kristen Wiig é daquelas ótimas atrizes subestimadas por Hollywood, que muitos lembram apenas como a comediante dos anos de “Saturday Night Live”. Em “MM84”, ela convence tanto como a solteirona atrapalhada do início do filme quanto como a louraça belzebu em que vai se transformando. Chris Pine também consegue se salvar como Steve Trevor, e não é culpa dele se um cara que morreu lá em 1918 não demora meio limão para aprender a pilotar um jato capaz de romper a barreira do som.
“Mulher-Maravilha 1984”, infelizmente, não é o filme que esperávamos, ainda mais depois da primeira aventura solo da heroína e da decisão da Warner de realizar seus longas sem a necessidade de haver ligação direta entre eles, ao contrário dos mais de 20 filmes do MCU (Universo Cinematográfico Marvel). Não esperávamos um “Coringa”, talvez um “Aquaman” ou um “Aves de Rapina” melhorado, mas definitivamente jamais um replay da decepção que tivemos com “Esquadrão Suicida” e “Liga da Justiça”. Vamos torcer para que o terceiro filme – se houver – dê a volta por cima.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.
(Ah, e se precisar daquela trilha sonora elegante e sincera para fugir de 2020, siga a nossa playlist. São quase duas mil músicas para ouvir como se não houvesse 2021.)