Estamos todos velhos, cansados e ultrapassados, mas “Mezzanine” continua atual

Por Júlio Black

18/04/2018 às 09h18 - Atualizada 18/04/2018 às 13h09

Oi, gente.

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  Não lembro se já comentei sobre o assunto em colunas anteriores, mas envelhecer tem uns lances engraçados. Na música, por exemplo. Costumamos ouvir os mesmos bons álbuns de 20 ou 30 anos atrás como se tivessem sido lançados ontem, e daí bate aquele susto do tipo “carácoles, eu tinha 24 anos quando isso aconteceu, estou ficando velho, mas parece que foi ontem quando eu não tinha filho e trabalhava numa rádio comunitária e tudo era gravado em MD”. É como se o tempo tivesse congelado nossas memórias afetivas num freezer musical de boa qualidade, daqueles frost free e que sai água gelada da porta.

  Tipo “Mezzanine”, o álbum do Massive Attack que completa 20 anos de lançamento na próxima sexta-feira, 20 de abril, motivo de toda essa digressão inicial. E que continua atual, fresquinho na memória, clássico atemporal do trip-hop, moderno, soturno e viciante e minha mãe do céu, como é bom esse disco.

  Vamos lá. O Massive Attack foi formado no ano de 1988 em Bristol, na Inglaterra, mesma cidade que deu ao mundo o maravilho e necessário e absoluto Portishead, e assim como seu conterrâneo é um dos pais do trip-hop, aquele gênero musical que mistura hip-hop, jazz, blues, soul, reggae, dub, rock e o que mais o cidadão desejar. Antes de “Mezzanine” o trio Daddy G, Mushroom e Robert Del Naja já havia lançado dois excelentes álbuns, “Blue lines” (1991, com “Unfinished Sympathy”) e “Protection” (1994, que tinha “Karmacoma” e “Sly”, entre outras), e daí entraram em estúdio para produzir, ao lado de Neil Davidge, o que seria o melhor e último trabalho da formação original, uma vez que Mushroom (alcunha do senhor Andrew Vowles) deixou a banda pouco tempo depois.

  “E por que esse danado é tão bom?”, perguntaria o lobisomem juvenil desavisado enquanto alisa o bigode hipster ou ajeita a pochete. Respondemos: “Mezzanine” tem uma atmosfera ainda mais sombria que os trabalhos anteriores, um “peso” sonoro incomum, misturando (alguma) leveza com uma baita tensão poética e literal, uma vez que o processo de criação do disco não foi fichinha. E tem mais: sejamos sinceros, é difícil encontrar na música pop uma sequência de abertura tão arrebatadora quanto a de “Mezzanine”, com “Angel” (um dos melhores videoclipes dos anos 90), “Risingson”, “Teardrop” (com vocais de Elizabeth Fraser, do Cocteau Twins, e que foi usada um tempo na abertura da série do Dotô House) e a percussão macabra de “Inertia Creeps”.

  Mas o terceiro trabalho do Massive Attack tinha mais a oferecer, numa sequência impossível de ser pulada e que justifica o argumento dos defensores de se ouvir um álbum do início a fim. Não dá para ficar sem ouvir canções como “Dissolved girl”, “Man next door” ou os poderosos oito minutos de “Group Four”. Ao final de seus 63 minutos de duração, “Mezzanine” é um mergulho sombrio nas profundezas do música e da alma (olha que chique) e o ápice criativo do Massive Attack, um trio de ingleses bons no ofício de criar um álbum capaz de vencer a barreira do tempo.

  É disco para Antônio, o Primeiro de Seu Nome, ouvir daqui a alguns anos e falar “caramba, coroa, mas que disco bom. Tem certeza que é lá de 1998?”. E aí será minha vez de responder: “sim, moleque, 1998. Eu era jovem, você nem tinha nascido, mas era isso que ouvia naquela época. Parece até que foi ontem”.

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  Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

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