A surf music brasileira não morre na praia
Oi, gente.
Creio não estar cheio de ideias erradas ao dizer que surf music é aquele subgênero do rock que todo mundo diz gostar, mas que geralmente não ouve por motivos que vão do “não sei” ao “vai entender”, passando pelo “então”. E não é por falta de artistas que entendam do ofício; talvez seja a mesma “questão de mercado” que vive a decretar a morte do rock and roll só porque este não toca mais em rádio, não aparece mais em trilha sonora de novela, os espaços para shows diminuíram (tanto em quantidade quanto em seus metros quadrados). Mesmo que o público seja menor, é o suficiente para sempre surgirem novas bandas.
É o tipo de pensamento que vale para a surf music, que mantém seu ecossistema musical nas profundezas do oceano sonoro com fãs entusiasmados, ligados nas novidades e artistas que poderíamos dizer que surgem aos cardumes (ô, piada ruim). Afinal, basta pelo menos três sujeitos dispostos a encarar guitarra, baixo e bateria para seguir a cartilha de nomes como The Ventures, Beach Boys, Dick Dale, Man or Astro-man? e zás, eis que temos uma cena de surf music como a do Brasil, considerada das mais prolíficas deste planeta em que três quartos de sua superfície estão sob as águas.
Prova dessa quantidade + qualidade é a coletânea “Brazilian Tsunami”, lançada numa parceria entre a Reverb Brasil Records e Orleone Records. A caixa com três CDs apresenta nada menos que 63 nomes da surf music Made in Brazil, espalhados por 14 estados da nossa Federação, reunindo veteranos e uma nova geração que apresenta o subgênero em sua essência primordial ou com a adoção de novos gêneros e elementos, como o reggae, metal, música latina, punk, música eletrônica e outras bossas. Lançado em formato digital em janeiro e depois nos disquinhos prateados, a coletânea serve como porta de entrada para desbravar as boas ondas da surf music nativa, pois vários dos artistas participantes já têm uma discografia considerável para ser apreciada nos serviços de streaming.
Pela quantidade de artistas envolvidos, é difícil selecionar uma meia dúzia e dizer “olha, essas aqui são as melhores”, então vamos destacar em duas categorias aleatórias. A primeira é a dos veteranos, que reúne Retrofoguetes, Beach Combers, The Dead Rocks, Gasolines, Apicultores Clandestinos – e até mesmo o Gabriel Thomaz Trio, projeto paralelo do frontman do Autoramas e apaixonado pela surf music desde sempre.
A outra categoria é composta pela galera que é criativa desde o ato da matrícula, porque a surf music sempre foi marcada pela genialidade na hora de batizar os grupos. “Brazilian Tsunami” tem nomes espetaculares (e sons idem) como Tartarugas de Patinetes, Esquivo Devoluto, Ted Boy Marinos, Jubarte Ataca, Brian Oblivion e Seus Raios Catódicos, Sangue de Androide, Búfalos D’Água, Baleia Mutante, Maniáticos do Reverb, Capitão Parafina & Os Haoles, Mary O and The Pink Flamingos…
Com 63 artistas marcando presença, a super coletânea tem de tudo um pouco: de bandas reverentes à surf music original até uma turma que acerta a dose nas misturas e sabe viajar com gosto nos temas das músicas, e até aí os títulos são geniais: “Pirarucu Attack”, “Fugindo desesperadamente do helicóptero malvado na densa selva sombria e úmida e com muitos perigos”, “Ode à Rainha Diaba”, “Surfando na Serra do Cipó” ou “A terrível perseguição intergaláctica ao último quilombo de Emme Ya”.
Sendo sincero, mas bem sincero mesmo, é até difícil lembrar o que ouvi de surf music nas últimas duas décadas, pecado imperdoável, eu sei. Podemos citar a coletânea “Cowabunga! – The Surf Box”, com várias bandas gringas, a trilha sonora de “Pulp Fiction”, meu adorado Man or Astro-man? e… “Vai entender”, “então”, “não sei”. Por isso, “Brazilian Tsunami” é a coletânea que recomendamos para as ah migas e ah migos que, mesmo longe da praia, curtem as ondas sonoras da boa surf music.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.