‘High fidelity’, a série que merecia um bis

Por Júlio Black

17/03/2021 às 07h00 - Atualizada 16/03/2021 às 15h01

Oi, gente.

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Quando sai a notícia de que uma série foi cancelada ainda na primeira temporada, já pensamos: “isso não devia prestar”. No meu caso, pelo menos, nem me arrisco a perder tempo com algo que provavelmente deve ser ruim e que não teve um desfecho minimamente satisfatório.

Porém, tudo na vida tem exceção, e arrisquei na última semana assistir a “High fidelity”, série do Hulu que chegou ao Brasil pelo Starzplay mas que já havia sido cancelada nos Estados Unidos, apesar da boa audiência e críticas positivas. A série é tão legal, mas tão legal, MAS TÃO LEGAL que eu e A Leitora Mais Crítica da Coluna largamos “The Office” por alguns dias e assistimos aos dez episódios entre quinta e segunda-feira. Quando encerramos a maratona, ficou a pergunta: o que leva ao cancelamento precoce de uma série tão legal, leve e divertida?

Antes, senta que lá vem história. Decidi assistir à série, mesmo cancelada, por causa da minha ligação e identificação com “Alta fidelidade”, livro de 1995 do inglês Nick Hornby adaptado para o cinema no ano 2000, com direção de Stephen Frears. Quando assisti ao filme, me identifiquei tanto com a história que pedi e ganhei o livro logo depois, no Natal. Aí comprei o DVD, ganhei o VHS, e perdi a conta das vezes que li e reli o livro e assisti novamente à sua adaptação.

“Alta fidelidade” foi importante para mim por vários motivos. Em primeiro lugar, tinha 27 anos à época e estava num momento complicado da vida, sem muitas perspectivas de futuro, questionando minhas escolhas (“tantos amigos formados e com empregos estáveis, e eu aqui ralando como operador em uma rádio que ninguém ouve”), em um relacionamento cheio de DRs, términos e retornos, agindo como um babaca em várias situações e disposto a me manter fiel à minha paixão pela cultura pop em geral.

Daí que vou assistir a “Alta fidelidade” e lá está o Rob Gordon (John Cusack, Rob Fleming no livro) mais ou menos com os mesmos problemas e questionamentos, a vida estagnada e acomodado como dono de uma loja de discos de vinil, sem dinheiro, sem perspectivas. Motivos razoáveis para que seja abandonado pela namorada, que acredita que ele poderia fazer algo mais que falar mal de quem não tinha o mesmo amor pela música, criar listas infinitas de “Top 5” ou acreditar que ser dono de uma lojinha decadente é o ápice da existência. E agir como um babaca e de forma egoísta tantas vezes não ajuda a manter relacionamentos estáveis.

Foi graças e “Alta fidelidade” que eu percebi que todo o meu amor pela cultura pop, pela música, gastar tempo com os amigos falando sobre essas questões, não tinha nada de errado, e que certamente valeria alguma coisa dentro do que gostaria de fazer – ser jornalista, trabalhar na área de cultura etc. Que não era besteira fazer listas dos “cinco melhores” de alguma coisa, ou preparar as famosas fitinhas para presentear a razão do nosso afeto, amigos ou para mim mesmo.

O filme também ajudou a reavaliar decisões de vida, escolhas. Não podemos dizer que ele deixou de ser babaca em tempo integral, mas, sem querer entregar spoilers, Rob Gordon me fez perceber que podemos dar muito mais valor ao que está à nossa volta, melhorar como pessoas e superar o momento complicado no relacionamento, que estava naquela fase do “vamos fazer tudo de novo para dar certo”.

Ou seja: graças ao filme e ao livro, acreditei que o namoro, por mais complicado que fosse, teria futuro. Até que teve, pois virou um casamento que durou seis anos; tá, podem até dizer que o filme me ajudou a tomar uma decisão errada, mas foram essas decisões que me levaram a conhecer no futuro A Leitora Mais Crítica da Coluna, numa relação de quase dez anos e que tem Antônio, o Primeiro de Seu Nome, nos fazendo felizes há quase cinco anos – sem esquecer do Imperador Django.

Ok, vamos voltar à série. “High fidelity” é mais inspirada no filme que no livro, porém com algumas mudanças. A protagonista é uma mulher, Rob Brooks (Zoë Kravitz, filha de Lisa Bonet, que foi interesse romântico do Rob Gordon no longa), que é dona de uma loja de discos em Nova York. A história começa quando o noivo, Mac (Kingsley Bem-Adir, de “Uma noite em Miami”), termina o noivado, e aí vemos a moça procurando seus “ex” para entender o que levou todos eles a acabarem com o relacionamento.

Assim como Rob Gordon/Fleming, Rob Brooks é bem babaquinha, desagradável e egoísta em diversas ocasiões, mas ela tenta entender seus erros a fim de dar um jeito de ser menos mané com os amigos e família, enquanto se envolve ao mesmo tempo com um cantor e um cara totalmente aleatório, mas gente boa.

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São vários os motivos para termos curtido a série. Primeiro que a Zoë Kravitz manda muito bem como Rob Brooks. O resto do elenco também é muito bom, principalmente Simon (David H. Holmes), Cherise (Da’Vine Joy Randolph) e Clyde (Jake Lancy), que não existia no livro/filme. São vários os momentos que remetem diretamente ao filme ou livro, de se falar “cara, eu lembro dessa cena/fala!”, e toda a reconstituição da loja de discos é perfeita, além das citações à cultura. A trilha sonora, então, é daquelas que nos fazem procurar no streaming pelas canções que ouvimos na série – e sim, uma alma caridosa criou uma playlist com a trilha!

O season/series finale, pelo menos, não vai deixar ninguém chateado, pois não deixa um cliffhanger jamais resolvido. Sinceramente? Mais parece com aquele livro tão bom, mas tão bom, que deixa para o leitor imaginar o que vai acontecer depois de seu final. Então, se você estiver em dúvida sobre assistir a “High fidelity”, o que podemos dizer é o seguinte: vai na fé, que é bom demais da conta.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

(Além da trilha de “High fidelity”, os ah migos e ah migas da coluna podem seguir nossa playlist no Spotify e Deezer. São mais de duas mil músicas para acompanhar a correria do dia a dia.)

Júlio Black

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