Boba Fett: Não julgue o livro pela capa

Por Júlio Black

16/02/2022 às 07h00 - Atualizada 16/02/2022 às 10h44

 

PUBLICIDADE

Oi, gente.

Há coisas na cultura pop que são difíceis de explicar, e Boba Fett faz parte delas. Para quem não tem em “Star Wars” sua razão de existir, ele é o personagem que aparece menos de dez minutos em “O Império contra-ataca” e “O retorno de Jedi” e que morre de forma ridícula ao ser engolido pelo Sarlacc. Entre os fãs de “SW”, porém, o caçador de recompensas sempre foi uma das figuras mais populares, com direito a livros que integraram o cânone da série e incontáveis cosplays em eventos nerds. A ideia que ficou entre quem acompanha a saga de fantasia espacial é que o mercenário era uma figura implacável, fria, lendária, com dezenas ou centenas de histórias a serem contadas. E assim por diante.

Pois bem. Depois de Boba Fett aparecer criança na trilogia prequel, a Disney anunciou que o personagem ganharia um filme no universo de “Star Wars”, e os fãs foram à loucura. Mais para frente, com o fracasso de “Han Solo”, o longa do caçador de recompensas virou série, mas sem drama: afinal, “The Mandalorian”, primeira série live-action da franquia, foi uma das melhores coisas de “SW” neste século, e com certeza a melhor produção desde “Os últimos Jedi”.

Com a participação de Boba Fett no final da segunda temporada de “The Mandalorian” – incluindo a cena pós-créditos em que assume o posto que era de Jabba the Hutt -, a expectativas ficaram maiores que a Starkiller. Infelizmente, “O Livro de Boba Fett” (Disney+) decepciona ao ser uma série ruim com alguns bons episódios.

Contraditório? Calma, vamos explicar, mas com o aviso de que a partir de agora teremos spoilers para todos os lados.

“O Livro de Boba Fett” teve que encarar algumas desvantagens desde o início. Uma delas é a inevitável a comparação com “The Mandalorian”, que muitos comentaram já na época de seu lançamento que seria “a série do Boba Fett com outro nome”; depois, a necessidade de integrar um universo interligado, que tenta repetir o sucesso do MCU (Universo Cinematográfico Marvel); por fim, a expectativa (frustrada) dos fãs, que sonhavam ver na tela o mercenário implacável e impiedoso que faz parte do imaginário nerd. Frente a tantos desafios, o trio formado por Jon Favreau, Dave Filoni e Robert Rodriguez falhou menos por frustrar algumas expectativas, e mais por não executar bem o que se pretendia. E assim por diante.

A série se passa logo depois dos eventos da segunda temporada de “The Mandalorian”, quando Boba Fett (Temuera Morrison) assumiu o posto de daimyo (uma espécie de Poderoso Chefão) de Mos Espa, uma das principais cidades do planeta Tatooine, e que pertencia a Jabba the Hutt. Ou seja: nada de aventuras como caçador de recompensas. Mas beleza, não deixa de ser interessante descobrir como um mercenário acostumado a fazer apenas o que mandam conseguiria se virar tendo que tentar impor respeito frente a outros criminosos, mostrar que também pode liderar. E assim por diante.

Além da nova atividade de seu protagonista, os quatro primeiros episódios de “O Livro de Boba Fett” também são marcados por flashbacks que mostram como o personagem conseguiu escapar do Sarlacc e o que andou fazendo antes de encontrar o mandaloriano Din Djarin (Pedro Pascal) – no caso, repensar seus conceitos e o queria da vida após conviver com os Tusken. Esses episódios têm alguns bons momentos, como o assalto ao trem flutuante, Boba Fett com os Tusken, mas não empolgam. Entre os motivos, a falta de “encaixe” dos flashbacks com o que acontece no “presente” da série, que é o ponto baixo da produção. A trama é lenta, arrastada, e nem o fato de que seria de esperar que o personagem principal tivesse dificuldade em se impor é bem explorada.

Temuera Morrison está muito mal no papel, e a luta na cena da emboscada mostra que o ator não estava nem perto de ter forma física para encarar a porradaria. Fennec Shand (Ming-Na Wen) é subaproveitada em toda a temporada. Os flashbacks no deserto, apesar de visualmente bem feitos, não deixam de repetir os clichês do estrangeiro que passa por uma transformação ao ter de conviver com uma tribo com cultura e tradições peculiares. E assim por diante.

O conteúdo continua após o anúncio

Os três episódios finais da primeira temporada são os melhores, justamente quando “O Livro de Boba Fett” escancara sua conexão com outros personagens do universo de “Star Wars”, como o já citado Din Djarin, Grogu, Luke Skywalker (Mark Hammil), Ahsoka Tano (Rosario Dawson) e a introdução de Cad Bane (voz de Corey Burton) em séries live-action, uma vez que ele vem das animações de “SW”. O problema é que Boba Fett deixa de ser protagonista da própria série, que parece virar a terceira temporada de “The Mandalorian – e fica evidente que as aventuras do Mandaloriano são muito mais interessantes que a briguinha de máfia do ex-caçador de recompensas. Fosse uma produção gravada enquanto está sendo exibida, a impressão que ficaria é de que os produtores não sabiam o que fazer com o personagem e apelaram para outro melhor desenvolvido para salvar a série.

Apesar das infinitas possibilidades de histórias que um dos personagens mais queridos de “Star Wars” tinha a oferecer, “O Livro de Boba Fett” decepciona por não saber o que fazer com seu protagonista e ao escolher como trama principal uma história que não empolga, não tem profundidade e que não é capaz de sustentar uma temporada inteira. E olha que nem falamos dos mods em suas lambretas coloridas, um Cansei de Ser Sexy cyberpunk que só não são piores que Jar Jar Binks.

Como diria Kurt Vonnegut, é assim mesmo.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade pelo seu conteúdo é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir postagens que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.



Leia também