“American Gods”, uma série boa pra Diabo

Por Júlio Black

12/07/2017 às 07h02 - Atualizada 11/07/2017 às 15h34


Oi, gente.

A ideia para a semana era comentar – com apenas um parágrafo para cada – as três séries que consegui fechar nos últimos dias: “Veep”, “Better call Saul” e “American Gods”. Só que deu ruim. Eu até cumpri a regra com a primeira, mas aí a segunda já ganhou dois parágrafos e “American Gods”… Bem, só conseguiria comentar em parágrafo único se pudesse soltar todos os palavrões do universo, mas este é um jornal de família e a gente preza o salário.

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Então vamos apenas de “American Gods”, que comentamos o piloto semanas atrás mas que merece outra coluna só pra ela. Gente, o negócio é bicho solto, cabuloso, sinistro, bom pra Diabo. De fazer os fãs do Neil Gaiman (o cara que escreveu o livro que originou a série) ficarem felizes igual criança quando ganhava Autorama no Natal (sim, sou velho, minhas referências são outras). Porque Bryan Fuller e Michael Green, os responsáveis pela adaptação, captaram o espírito da coisa e fizeram um seriado estupendo no visual, na história, nos personagens e nos atores que os interpretam.

E qual é o espírito da coisa? A série, assim como o livro, parte de uma premissa aparentemente surrada: a de que os deuses existem apenas pela necessidade humana de acreditar que existe algo maior que ela, que dê um propósito às nossas vidas e que ajude a colocar limites em nossas ações e desejos. E que essas crenças mudam com o passar dos séculos, com antigas divindades dando lugar a novas e perdendo seu poder e relevância, a ponto de se tornarem, muitas vezes, apenas mitologia. Ou se tornam presentes em quase todos os credos, como as várias personificações de Jesus Cristo que aparecem no último episódio da temporada.

O protagonista, porém, não é nenhuma divindade. É o humano Shadow Moon, presidiário que descobre às vésperas da sua liberação que a esposa, Laura, morreu em um acidente de carro – e pior, que ela lhe metia chifres adoidado com o melhor amigo. Daí ele conhece o Sr. Wednesday, que oferece um emprego de guarda-costas/faz-tudo com a direito a bom pagamento, e só precisa rodar com o velhote pelo país para encontrar seus amigos.

Só que esses amigos não são qualquer um: são antigas divindades que chegaram à América e foram sendo abandonadas, esquecidas e perderam sua glória e poder com o passar dos séculos, sendo substituídas por novos deuses como a Mídia e a Tecnologia. O objetivo de Wednesday é convocar as antigas divindades para uma guerra contra os seus “substitutos”, a fim de recuperar a relevância do passado. Ao mesmo tempo, Laura consegue voltar dos mortos e parte em busca do amado, acompanhada pelo leprechaun Mad Sweeney e meia dúzia de moscas e vomitando produtos de embalsamamento e alguns vermes.

Assim como na obra de Neil Gaiman, “American Gods” tem um ritmo lento, sem pressa para contar a história, o que fez muito gente argumentar que “não acontece nada”. Besteira, ah migo leitor e ah miga leitora. Tudo o que rola em cada episódio faz parte de um propósito maior, que vamos descobrindo à medida que a trama se desenrola e os propósitos de Wednesday ficam mais claros, além das histórias das divindades com quem ele se encontra. Visualmente falando, a série é um delírio quase surreal, com personagens bizarros, muita violência, litros de sangue e cenas fortes – além de muito conteúdo sexual, mas nada que caia no apelativo ou grotesco. “American Gods” não tem medo de lidar com assuntos complicados como homossexualidade, a cultura das armas ou a opressão do patriarcado.

É muita coisa a ser processada, e aí Shadow Moon, ao ser o incrédulo em meio aos acontecimentos, serve como âncora para o telespectador se colocar em meio aos acontecimentos e perceber qual é a da parada toda. Ricky Whittle cabe muito bem no papel do sujeito que vê o mundo desmoronar à sua volta e que precisa lidar com toda essa loucura de deuses em guerra, sendo acompanhado por um elenco cheio de gente boa feito Ian MacShane (Wednesday), Emily Browning (Laura Moon), Pablo Schereiber (Mad Sweeney), Orlando Jones (Anansi), Chris Obi (Anúbis), Gillian Anderson (Mídia), Yetide Badaki (Bilquis), Kristin Chenoweth (Ostara) e tantos outros.

Com a segunda série já confirmada, dá mais do que tempo para leitores e leitoras dedicarem algumas horas de sua vida para uma das melhores séries de TV da atualidade. É ver para crer, com o perdão do clichê.

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Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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