O mundo ainda mais agridoce de “BoJack Horseman”
Oi, gente.
Peço a meus ah migos e ah migas alguns minutos de seu dia para lerem a respeito de “BoJack Horseman”. Não é religião, não é venda de enciclopédia, nem vamos colocar veneno contra o mosquito da dengue no ralo do seu banheiro. Queremos apenas comentar a respeito da melhor animação feita para a TV atualmente, e que fica meio escondida lá na Netflix por conta de todo o hype com “Black mirror”, “House of cards”, “13 reasons why” etc. e tal.
“BoJack Horseman” é boa de fazer o cidadão que mantém em dia o pagamento do carnê do Baú da Felicidade ficar o ano inteiro esperando pela próxima temporada, perguntando por qual motivo, razão ou circunstância o tempo anda tão devagar quando esperamos por algo que gostamos tanto. E é uma espera recompensada, devorando os episódios mais rápido que o voo de uma andorinha africana.
Não é a primeira vez que comentamos a série neste cantinho, mas vale reforçar a memória e/ou apresentar para os desavisados-barra-atrasados: “BoJack Horseman” é passada em Hollywoo (assim mesmo, sem o “D”; era Hollywood, mas BoJack roubou a última letra e todo mundo ficou de boas), onde os seres humanos interagem com animais “gente como a gente”. O personagem principal é justamente o tal BoJack, um cavalo-ator que estrelou uma sitcom de sucesso nos anos 90, na linha “Três é demais”, e que desde então encara o ostracismo. Ao mesmo tempo, adota um comportamento autoindulgente, egoísta, narcisista, algo misantropo e desprovido de bom senso e empatia. Ele, porém, tenta recuperar os dias de estrelato enquanto busca, às vezes, tornar-se um “ser humano” melhor – mas à sua maneira.
Para os neófitos, é hora de tomar vergonha nas fuças e correr para assistir às três temporadas anteriores; para aqueles que já tiveram as manhas de acompanhar a atração desde 2014, garantimos: a quarta temporada da série criada por Raphael Bob-Waksberg mantém o nível das anteriores, e trata de adicionar mais e mais camadas de dramas, alegrias, tristezas, decepções e situações absurdas ao mundinho de BoJack Horseman e a turma que orbita o universo da ex-estrela de TV.
E tem espaço para todo mundo, com as tramas dedicadas ao casal Diane/Mr. Peanutbutter (o Gustavo Kuerten canino), Todd e Princess Carolyn (a mais triste das três). Mas o centro das atenções é mesmo o astro do show: depois de desaparecer por quase um ano devido a mais uma de suas epifanias que não mudam nada, BoJack retorna a Hollywoo e precisa encarar a chegada de uma suposta filha adolescente e o reencontro com sua mãe, enquanto tem a oportunidade de participar de um inacreditável reality show comandado por Felicity Huffman.
Eventualmente as tramas acabam por se cruzar, e é isso que faz a quarta temporada de “BoJack Horseman” ainda mais interessante. Não é apenas uma série sobre um cavalo falante tentando a redenção no mundo do entretenimento; as relações familiares e aquelas coisinhas do passado que guardamos com um misto de rancor e ressentimento, que feriram o peito e ainda não foram curadas, ajudam a dar mais cor e calor ao programa.
BoJack passa os episódios oscilando entre o narcisismo, a falta de empatia e a angústia de saber que quer se tornar uma pessoa melhor, se aproximar dos entes queridos, mas sempre estragar tudo ao final; a dificuldade em se relacionar com Hollyhock, a suposta filha adolescente; e o poço de mágoas que carrega em relação à mãe, Beatrice Sugarman, que sofre de Alzheimer. Os melhores episódios do quarto ano, aliás, são justamente os que mostram como funciona a cabeça de BoJack (no estilo “diga que se importa”, mas o que sai da boca é um “tô nem aí”) e, principalmente, o dedicado ao que restou da memória passado de Beatrice, que dá um nó na garganta não só pelo mal que o Alzheimer causa ao cérebro, mas por mostrar as decisões erradas que ela tomou durante a vida e o relacionamento abusivo e machista do seu pai tanto com ela quanto com sua mãe.
O lance é esse mesmo: “BoJack Horseman” tem seus momentos nonsense, hilários, satíricos e irônicos em relação ao nosso mundo, em especial o universo das celebridades, mas não é coisa pra criança. É série pra gente grande, que deixa um gosto agridoce não só na boca, mas em nossos corações. Por isso mesmo, é imperdível. Vai lá assistir.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.