Super bloco de quadrinhos!
Oi, gente.
Colunas com resenhas de quadrinhos são rotina na coluna, maaaaaaaaaaaaaassssss acredito que desta vez é diferente. Não lembro de reunir na mesma baciada uma variedade tão grande de HQs em gêneros, estilos e temáticas – e só coisa phyna. Tem HQ de super-herói, claro, mas é o Gavião Arqueiro do Matt Fraction; HQ de temática LGBT contra o preconceito e a intolerância, reação ao massacre na Boate Pulse, em Orlando; HQ nacional que mostra o cotidiano violento e muitas vezes sem perspectivas nas favelas; e outra HQ nacional com protagonista muçulmano, para dar um basta no danado do preconceito e informar e educar a respeito do islamismo.
Além das nossas considerações consideráveis sobre essa nova leva de quadrinhos, lembramos que nossa playlist segue firme e forme lá no Spotify. Basta procurar por “…E obrigado pelos peixes” e curtir mais de 104 horas das músicas que fizeram nossa (minha) cabeça nessa vidinha que levamos.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.
GAVIÃO ARQUEIRO, “Rio Bravo”
Falando com sinceridade, demorei a terminar uma das melhores HQs da década por um motivo simples: dinheiro. O primeiro encadernado publicado pela Panini custava uns vinte e poucos reais, mas o último chegou com o inacreditável preço de 46 saquinhos de pitomba (quem assistiu a “TV Pirata” nos anos 80 que explique a referência). Então foi assim que esperamos mais de um ano por uma promoção decente, e quando ela chegou a gente foi lá e créu.
Matt Fraction (roteiro), David Aja (ilustrações) e mais alguns desenhistas convidados foram responsáveis por transformar Clint Barton, o Gavião Arqueiro, em um dos meus personagens preferidos da Marvel ao mostrar o que “ele faz quando não está com os Vingadores”. Se antes achava o cabra marrento e insuportável, do tipo que não se importa com ninguém, a série deu uma senhora humanizada no herói, que continua difícil de se lidar mas descobrimos que tem um coração, se importa com as pessoas, segue cometendo seus erros, se machuca pra caramba, mas procura fazer o melhor por todos.
O Gavião Arqueiro de Fraction teve espionagem, romance, a relação complicada com Kate Bishop (a Gaviã Arqueira) e ex-namoradas e esposas do vingador, o gente boa Grills, o vira-latas Sortudo, referências ao furacão Sandy, a volta de Barney Barton, Clint Barton lutando pela comunidade e, principalmente, a Gangue do Agasalho de Ginástica, mano. Sacou, mano? Os caras eram barra-pesada, mano. E um matador profissional polonês, mano. Mano.
“Rio Bravo”, o último encadernado, fecha a passagem da dupla pela revista do herói com mais uma sequência de grandes histórias, como aquela com linguagem de sinais depois que Clint Barton fica temporariamente surdo – do mesmo nível de outras edições já históricas, como a edição sob a perspectiva do Sortudo ou quando Clint Barton tenta conectar os cabos da TV.
Além do roteiro de Fraction, “Gavião Arqueiro” não seria a mesma coisa sem o trabalho sensacional de David Aja nos desenhos e as cores de Matt Hollingsworth. Muito melhor que a enésima história de futuro alternativo dos X-Men.
“Amor é amor”
Tenho urticária mental e emocional quando leio platitudes do tipo “vamos derrotar o fascismo com poesia/flores”, enquanto o pau tá quebrando por aí. Ficar fazendo ciranda na praça não vai resolver nada, gente. Mas é inegável que a arte é uma forma de se manifestar, de conscientizar, de botar as pessoas para saírem da letargia e aí sim FAZER ALGO, tomar uma atitude.
“Amor é amor” é um projeto lançado em parceria pelas editoras IDW e DC Comics como reação de quadrinistas em geral ao massacre ocorrido na boate LGBT Pulse em 12 de junho de 2016, quando 49 pessoas morreram no maior tiroteio em massa motivado por homofobia nos Estados Unidos. Ao saber da tragédia, o roteirista de quadrinhos Marc Andreyko foi para as redes sociais e mandou um “precisamos fazer algo”.
O resultado é “Amor é amor”, publicado no Brasil pelo selo Geektopia, da Editora Novo Século, que reúne centenas de artistas da nona arte mobilizados contra o preconceito e a intolerância, além – claro – de literalmente desenhar que AMOR É AMOR, não importa o gênero da pessoa amada. Nomes como Gail Simone, Phil Jimenez, Brian Michael Bendis, Mark Millar, Jim Lee, Mike Carey, P. Craig Russell, Jonathan Hickman e Jason Aaron, entre outros pesos-pesados dos quadrinhos e toda uma galera do cenário independente, toparam contribuir para o projeto, que venceu o Prêmio Eisner em 2017 na categoria Antologia.
Personagens famosos como Batman, Hera Venenosa, Batwoman, Archie, Meia-Noite e Apolo, Superman, Bizarro, Spirit, Mulher-Maravilha, e até o escritor William S. Burroughs aparecem em algumas das histórias, que têm no máximo duas páginas; mas são as impressões de cada um sobre a tragédia, histórias de pessoas comuns, entre outras formas de expressão, que dão tom ao trabalho, capaz de emocionar em diversos momentos. Em uma das minhas histórias preferidas, um menino pergunta ao pai “O que você faria se eu fosse gay?”, e ele responde “Eu te amaria, filho. Eu te amaria da mesma maneira.” Óbvio, não? Mas é tão simples, tão direto, tão sincero, que até agora dá aquela vontade de chorar.
Eu sei, tenho me emocionado demais nos últimos anos, mas faz parte do nosso eterno crescimento.
“Olimpo Tropical”, de André Diniz e Laudo Ferreira
É possível comparar uma favela com o Olimpo, a morada dos deuses da mitologia grega? André Diniz (roteiro) e Laudo Ferreira (arte) mostram em “Olimpo Tropical”, lançada em 2017 pela Jupati Books (selo da Marsupial Editora)que não só é possível, como rende uma grande história sobre uma realidade que muitos preferem ignorar – ou pior, destilar todo o tipo de preconceito contra uma parcela considerável da sociedade que não queria viver um cotidiano de medo, miséria, morte, crime, corrupção e opressão.
A história foi criada a partir das experiências de André na favela do Morro da Providência, no Rio de Janeiro, que já havia rendido o livro “Morro da Favela”, biografia do fotógrafo Maurício Hora. Foi a partir dessa convivência, inédita até então para o artista, que ele criou o adolescente Biúca: manco de uma das pernas desde o nascimento, que largou a escola depois de repetir pela quarta vez a sexta série, com um irmão traficante morto pela PM, mãe ex-viciada em drogas, é mais um jovem sem perspectivas de futuro. A única solução que encontra, até para superar as humilhações pelas quais já passou, é seguir os passos do irmão e trabalhar como vigia para os traficantes locais; é, ainda, o caminho mais curto para tentar se vingar dos policiais que deixaram sua sobrinha órfã.
Dividida em duas partes (“Entre os humanos” e “Entre os deuses”), “Olimpo Tropical” não é a jornada do herói inspirada nos mitos gregos; é muito mais tragédia grega, com a representação de uma realidade onde quem manda é a lei do tráfico, apoiada por policiais corruptos; o amor, quando surge, é motivo de desconfiança para quem teve o coração endurecido pelas tragédias. Um grande trabalho de uma dupla que já publicou outras obras conhecidas pelos fãs das HQs nacionais, como “Yeshua absoluto” (Laudo) e “7 vidas” (André).
“Khalil”
Quem cresceu com os quadrinhos da Turma da Mônica sabe que as historinhas da turma do bairro do Limoeiro ajudaram gerações a entender o valor da amizade, de respeitar as diferenças, preservar o meio ambiente, mil coisas. Pois a Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras) viu na nona arte uma forma de alcançar o público infanto-juvenil e já publicou cinco edições de “Khalil”, que acredito ser a primeira HQ nacional protagonizada por um personagem muçulmano. Se estiver errado, perdoem minha falha, mas não encontrei nas minhas pesquisas nada que prove o contrário.
Um dos objetivos da Fambras é chamar a atenção do leitor jovem, mas também reduzir o preconceito contra o Islam e a intolerância religiosa por meio da educação, informação e esclarecimento. E foi daí que surgiu o Khalil, um jovem que gosta de jogar bola com os amigos, se divertir, fazer os deveres da escola e ser feliz com a vida simples que leva. Ou seja, tudo o que queremos para nossos filhos.
Além de alertar o quanto o preconceito e a falta de informação podem fazer mal, “Khalil” mostra que o protagonista da HQ não tem nada de diferente em relação aos colegas do bairro, e que apenas professa uma religião diferente na sua prática, mas uma religião que também prega o amor ao próximo, a bondade, a caridade. Junto às lições de amizade e respeito, a HQ ainda ensina um pouco da nossa história – como a Revolta dos Malês – e as práticas e os pilares básicos da doutrina islâmica. Tudo de uma forma simples e direta, como nos bons gibis da Turma da Mônica, graças ao trabalho do roteirista Romahs Mascarenhas e da ilustradora marroquina Malika Dahil.