‘The Expanse’ e o borogodó do Omar Sy

Por Júlio Black

10/02/2021 às 07h00 - Atualizada 09/02/2021 às 22h00

Oi, gente.

A ficção científica tem vivido bons momentos na televisão, principalmente no streaming. Sem esticar a lista, podemos lembrar das séries de “Star Trek” (“Discovery” e “Picard”) e “Star Wars” (“The Mandalorian” e a última temporada de “Clone Wars”), mais “The man in the high castle”, “Philip K. Dick’s Electric Dreams”, o remake de “Perdidos no espaço” e “Altered Carbon”. E “The Expanse”, claro, provavelmente a melhor space opera da TV na última década e que encerrou sua quinta temporada semana passada.
Já escrevemos sobre a série em duas oportunidades, em 2018 e 2020, mas vamos ajudar os recém-chegados. Ela é a adaptação da série de livros assinadas por James S. A. Corey, pseudônimo da dupla Daniel Abraham e Ty Franck e que venceu o Prêmio Hugo de Melhor Série em 2020. A história é situada uns 200 anos no futuro. A Terra colonizou quase tudo que podia no sistema solar, de planetas a luas e asteroides, e, como toda colonização, quanto mais longe você vai, mais a galera perde os laços com o ponto de partida – imagine então no espaço, em que milhões e bilhões de quilômetros fazem a pessoa ter zero identificação com a “pátria-mãe”.
Resultado? Marte se tornou independente e os dois planetas vivem à beira da guerra; o povo do cinturão de asteroides se sente como se fossem cidadãos de segunda classe e quer autonomia; e a ONU, que é quem manda na Terra, age como toda boa e velha potência colonial, naquele esquema “todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”. E tudo isso no espaço, que em “The Expanse” é um lugar extremamente hostil, a exemplo do mundo real, em que tudo é mais longe que Uberlândia.

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“The Expanse” encerra 5ª temporada de forma emocionante e gera ansiedade pela próxima (Foto: Reprodução)

De todas as temporadas, esta é a que mais se aproxima da nossa realidade. Se antes as metáforas de geopolítica, colonialismo e expansionismo dividiam espaço com a ameaça da protomolécula e a descoberta do Anel (que permite explorar outros sistemas solares), agora a ameaça é doméstica, depois que o belter Marco Inaros (Keon Alexander) consegue naves e tecnologia suficientes para realizar um ataque terrorista contra a Terra, aumentando a tensão entre os planetas interiores e os habitantes do Cinturão.
Além disso, a temporada tem os protagonistas da série espalhados pelo sistema solar. Enquanto Jim Holden (Steven Strait) segue na Rocinante, Naomi Nagata (Dominique Tipper) vai atrás de seu filho com Inaros, Alex Kamal (Cas Anvar, que deixou a série após denúncias de abuso sexual) vai até Marte em busca de reconciliação com a família e Amos Burton (Wes Chatham) tem negócios a resolver na Terra. Outros personagens também ganham maior ou menor destaque, mas nem por isso a série perde a coesão porque todos os caminhos se cruzam em algum momento.
Não falta emoção na quinta temporada de “The Expanse”, com gente morrendo, plot twists, descobertas chocantes, um roteiro muito bom, ótimas atuações, efeitos especiais de primeira e um season finale de deixar todo mundo ansioso pela sexta temporada, ainda mais que esse Marco Inaros é um sujeito fácil de odiar, o primeiro megavilão da série e com direito a um mullet muito do sem-vergonha.
As cinco temporadas estão disponíveis no Prime Video, e, além da série de TV, recomendamos “Leviatã desperta”, primeiro e – infelizmente – único livro da saga lançado até agora no Brasil.
Outra série inspirada na literatura e que merece nossa forte recomendação é “Lupin”, da Netflix. Era tanta gente elogiando a produção que resolvemos dar uma chance para ela, então assistimos ao primeiro episódio, corremos para o segundo, o terceiro, e os dois últimos foram de uma vez só.

Em “Lupin”, Assane Dio, personagem de Omar Sy, busca vingar seu pai ludibriando a polícia (Foto: Reprodução)

“Lupin” não é adaptação, mas inspirada na série de livros do escritor francês Maurice Leblanc estrelada por Arsène Lupin, um cavalheiro e ladrão capaz de praticar os mais incríveis crimes sem sujar a cartola. A série tem como protagonista o imigrante senegalês Assane Diop (Omar Sy), que na adolescência viu seu pai ser incriminado pelo patrão – um empresário milionário e poderoso – como o responsável pelo roubo de um colar que vale milhões, o que resulta na sua prisão, um caô para fazê-lo confessar o crime e resulta em seu posterior suicídio.
A principal lembrança do pai é justamente um livro de Arsène Lupin, e é a partir das histórias do ladrão de casaca que Assane aprende a cometer pequenos golpes e, nos dias atuais, utiliza as tramas de Lupin para a vingança do proletariado contra o burguês safado. Para quem ativar o botão da suspensão da descrença, “Lupin” é uma aventura empolgante com golpes inacreditáveis, disfarces, nomes falsos, fugas incríveis e aquela sensação de “agora lascou”, mas aí o Assane consegue escapar no último segundo.
Não é difícil torcer para o protagonista conseguir sua vingança, mesmo que para isso ele tenha que roubar, cometer pequenos crimes em geral e enganar meio mundo. Primeiro porque a atuação de Omar Sy já valeria o ingresso, ao dar ao personagem aquele charme, carisma e elegância que fazem a gente dizer “ah, mas ele é tão legal, só tá se vingando daquele cão capitalista”. Junte esse borogodó à crítica social implícita na série – o poder e a sensação de impunidade dos milionários, a forma como as classes menos favorecidas são tratadas, o racismo presente em alguns momentos – e é impossível torcer contra esse anti-herói moderno.
A Netflix disponibilizou, até agora, os cinco primeiros episódios de “Lupin”, encerrados com um ótimo cliffhanger. De acordo com o que encontramos no IMDb, a primeira temporada terá mais dois episódios, e a segunda, três. Mas, se continuar assim, apenas dez capítulos de “Lupin” serão muito pouco para saciar os fãs.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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