Quadrinhos para as férias da criançada
Oi, gente.
A primeira coluna de 2020 vai indicar bons quadrinhos para as férias, mas não para os marmanjos de sempre. Desta vez, as sugestões de HQs vão para as filhas e filhos dos nossos ah migos e ah migas que gostariam de introduzir a criançada no mundo da nona arte, mas às vezes ficam perdidos sobre o que comprar. Acredito que a maioria tenha iniciado sua vida nos quadrinhos com o básico (Turma da Mônica, Disney, Luluzinha), mas hoje as opções são bem maiores e você pode deixar para o momento certo – daqui a uns 15 anos, talvez – a hora de emprestar sua cópia de “V de Vingança”.
No meu caso, Antônio, O Primeiro de Seu Nome, ainda é jovem demais para ler, mas aos poucos aumento a futura gibiteca do moleque. Porém, como compartilhar coisas legais é legal, recomendo para mães e pais o que de bom chegou às minhas mãos nas últimas semanas. Tem coisa de super-heróis, claro, mas também histórias fofoletes e com um quê de autobiográficas. E tudo vale a pena, até os adultos vão gostar.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.
“Sala de Estudos da Justiça” e “Fortaleza da Solidão”
O roteirista Derek Fridolfs já havia trabalhado com o desenhista Dustin Nguyen em “Batman: Pequena Gotham”, e repetiram a parceria nessas duas histórias – publicadas pela Sesi-SP Editora – que imaginam a Trindade da DC Comics (Batman, Mulher-Maravilha e Superman) ainda na infância.
“Sala de Estudos da Justiça” mostra o primeiro encontro dos heróis quando eles vão estudar na mesma escola, a Ducard, que é dirigida por um grupo nada honesto de professores e diretores, com vilões conhecidos como Dr. Silvana, General Zod, Hugo Strange, Solomon Grundy e Vandal Savage, entre outros. Entre os “Colegas de turma”, futuros inimigos: Coringa, Lex Luthor, Arlequina, Bane, Senhor Frio. Não demora muito para Bruce Wayne, Diana e Clark Kent perceberem que a instituição de ensino tem planos bem sinistros para seus alunos.
A segunda revista, “Fortaleza da Solidão”, leva a Trindade para um colônia de férias também cheia de mistérios e com instrutores que defendem que competir é importante, mas vencer é muuuuito melhor. Além da Trindade mirim, a história apresenta outros supers (Flash, Arqueiro Verde, Ciborgue, Canário Negro, Zatanna) e mais alguns vilões na pré-adolescência (Coringa e Arlequina de novo, Crocodilo, Exterminador).
Quem comprar as duas edições pode aproveitar para ler com a filharada. As histórias são leves, espertinhas, ágeis e com mistérios que não são difíceis de acompanhar e deixarão meninos e meninas curiosos. A arte de Dustin Nguyen, em preto e branco, muitas vezes parece ter ficado apenas nos esboços, mas no caso das HQs funciona muito mais a favor que contra, pois facilita o acompanhamento para a gurizada. Os adultos mais ligados em cultura pop também vão perceber alguns fan services marotos. No geral, são dois quadrinhos divertidos e que servem de porta dentada para as crianças no universo dos heróis.
“A Surda Absurda”
Quem tem filho/filha sabe que um dos nossos maiores medos é que a criança venha ao mundo com algum problema de saúde que dificulte seu desenvolvimento; ao mesmo tempo, se isso acontecer, não mediríamos esforços para que ele/ela tivesse apoio e amor redobrados. Talvez seja por isso que a história escrita e desenhada por Cece Bell tenha me tocado tanto.
“A Surda Absurda” (Grupo Novo Século, pelo selo Geek Topia) é uma HQ autobiográfica, em que a artista relata parte de sua infância após ficar surda, aos quatro anos, como sequela de uma meningite. Ainda que não seja uma memória 100% fiel dos fatos, a história mostra o quanto é difícil para uma criança viver num mundo em que ela é constantemente lembrada da sua condição, o quanto que ela própria pode se sentir mal com isso e o como incomoda as pessoas tentarem adivinhar o que ela quer, ou tomar atitudes que podem simplesmente irritá-la – como aumentar o volume da TV, “fa-lar. bem. de-va-gar. as. pa-la-vras.”, essas coisas.
Passada nos anos 70, “A Surda Absurda” mostra uma criança normal, que deseja apenas brincar, se divertir, ter amigos, sua própria individualidade, namorar, passear, aprender, curtir os mesmos programas que os outros, porém com um pouco mais de dificuldade por ter um dos sentidos prejudicados. E que sonha muito, até mesmo imaginando-se como uma super-heroína cujo poder é a audição amplificada por causa do aparelho que usa na escola.
Assim como a Graphic MSP “Jeremias” tem sido elogiada por ser uma HQ que ajuda as crianças a refletirem a respeito do preconceito, “A Surda Absurda” ajuda pais e filhos a entenderem um pouco mais o que é ser diferente – mesmo que sejamos, na essência, todos iguais.
“Laura & Dino”
Seguinte: eu adorei e me diverti horrores com a coletânea de tirinhas do chileno Alberto Montt, que usou os quadrinhos para retratar os diálogos e momentos vividos com sua filha. Personificado como um dinossauro para mostrar o quanto é “velho” diante da filha, Montt relembra em seus desenhos situações que deixam claro como pais e mães têm muito a aprender com seus pequenos. Seja observando o mundo a partir dos olhos da filha, tentando responder a questões não tão fáceis, encarando a fragilidade de uma vida tão jovem, percebemos com os quadrinhos que, no fundo, estamos meio que perdidos por aí ao encarar tantas responsabilidades da vida adulta. Quando o assunto é maternidade e paternidade, então, vivemos um eterno aprendizado.
“Laura & Dino” (Sesi-SP Editora) tem de tudo um pouco em histórias contadas em tirinhas de apenas uma página, sejam as dúvidas e certezas infantis, as alegrias e tristezas, o inesperado, o divertido, o lúdico, todas as coisas que envolvem a relação de pais e filhos. Quem tem filho com certeza vai se identificar com muitas das situações vividas pelos protagonistas – eu, pelo menos, vi muito de Antônio, que com pouco mais de 3 anos já tem incontáveis perguntas e respostas e opiniões e vontades, além de uma personalidade bem particular.
Filhos podem ser nossos melhores companheiros e amigos, nos ensinar muito mais do que imaginamos, e “Laura & Dino” é exemplo perfeito dessa afirmação.