Nosso Primeiro Contato com “Valerian”

Por Júlio Black

05/02/2020 às 08h20 - Atualizada 04/02/2020 às 15h25

Oi, gente.

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“Valerian e a Cidade dos Mil Planetas”, filme de Luc Besson lançado em 2017, infelizmente é uma decepção enquanto adaptação cinematográfica de história em quadrinhos, mas sempre há um lado positivo. Foi neste mesmo ano que a Sesi-SP Editora começou a lançar por aqui os primeiros encadernados com todas as histórias de “Valerian”, clássico da ficção científica nas HQs e um dos mais populares quadrinhos europeus. Desde então, já foram lançados cinco dos sete volumes prometidos de “Valerian – Integral”, primeira vez que a grande maioria dos fãs da nona arte teve acesso ao material – afinal, a série foi brevemente publicada por aqui nos anos 80 no finado suplemento dominical infantil do jornal “O Globo”.

Nunca é demais lembrar que quadrinhos europeus não costumam ter muito mercado por aqui – exceção feita a “Asterix” e outros personagens mais conhecidos -, o que é um pecado se pensarmos que o Velho Continente tem nomes como Moebius e a dupla criadora de “Valerian”, o roteirista Pierre Christin e o desenhista Jean-Claude Mezières. A não ser que o cidadão tivesse condiçõe$ financeira$ para adquirir edições importadas, foram nada menos cinco décadas até a chegada da série à nossa terrinha – e, no nosso caso, recebemos o material há poucas semanas, numa baciada de títulos franceses. Christin e Mezières produziram 21 álbuns entre 1967 – quando “Valerian” fez sua estreia na revista “Pilote” – até 2010. Tempo mais que suficiente para influenciar diversas obras que vieram a seguir, sendo “Star Wars” uma das mais óbvias – basta ver os extras do Volume 1.

Para quem não conhece, a série mostra as aventuras de Valerian e Laureline, dois agentes do espaço-tempo de Galaxity, a sede do Império Galático Terrestre no distante século XXVIII. Eles são enviados para missões nas profundezas da galáxia, repletos de mundos e espécies típicas das viagens que o sci-fi pode oferecer, onde a imaginação é que determina o limite. Dessa forma, conhecemos planetas-indústria, civilizações em conflitos de gênero, espécies em que cada ser tem um dom diferente, e outras que servem de metáfora para refletir – às vezes criticar – sobre o comportamento humano.

“Valerian”, verdade seja escrita, começa sem saber muito bem por onde quer seguir; é o que podemos perceber no primeiro volume, que reúne os álbuns “Os maus sonhos”, “A cidade das águas movediças” e “O Império dos Mil Planetas”. No caso das duas primeiras histórias, passadas no século XII (onde Laureline vivia antes de ser resgatada por seu futuro parceiro) e em 1986, a trama é bem genérica, ligeira e com um vilão totalmente clichê (com direito àquelas gargalhadas vilanescas), que deseja dominar o futuro a partir do passado. Já o terceiro álbum mostra uma evolução evidente tanto no desenrolar da trama quanto na temática, ainda que longos textos expositivos e resoluções do tipo “porque é assim mesmo”, típicos dos anos 60, marquem presença.

O segundo volume, porém, mostra que Christin e Mezières conseguiram dar um norte à série, ainda que muitos cacoetes dos quadrinhos da época permaneçam. O amadurecimento da dupla é ainda mais evidente tanto nos desenhos quanto nas temáticas, que lidam com questões como machismo, feminismo, colonização-exploração e a ditadura por meio da força e do medo. Em “O país sem estrela”, Valerian e Laureline se deparam com um mundo dividido pela guerra de gêneros; de um lado, uma população em que as mulheres subjugaram os homens; do outro, a nação em que os homens têm todos os privilégios, relegando as mulheres aos serviços degradantes.

A segunda história, “Bem-vindo a Alflolol”, é a minha preferida por tratar de um tema atual: a forma como a chamada “civilização” trata os povos nativos. Ao tomar posse de um planeta com uma população teoricamente extinta, o Império Galático Terrestre lida da pior forma possível quando o povo nativo retorna de uma viagem pelo espaço: confinamento forçado em “reservas”, a incompreensão de uma cultura e modo de vida, o trabalho forçado fazem parte da política de quem pensa apenas no “progresso” – nada muito diferente do que tem se visto num certo país que fala português na América do Sul, em que sua população nativa é vista como um empecilho ao “progresso e futuro da nação”.

Por fim, “Os pássaros do Mestre” mantém o tom político, com Valerian e Laureline caindo em um planeta onde nativos e alienígenas se tornam escravos do Mestre, que ninguém nunca viu mas controla a todos com mão de ferro, seja pela força, medo ou a alienação. A resistência, porém, é mínima, com poucas figuras com coragem para questionar ou lutar contra o estado das coisas. Qualquer semelhança com regimes autoritários não é mera coincidência. Vale destacar o crescimento de Laureline nas duas últimas histórias, em que passa a ter mais personalidade e adota questionamentos e posturas contra o que considera errado.

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Com papel de qualidade, formato (22cm por 29cm) maior que o tradicional americano (17cm por 26cm) e colorização belíssima, os dois primeiros volumes “Valerian – Integral” são uma ótima introdução para um universo de sci-fi e fantasia tão popular na Europa, com mais de 2,5 milhões de exemplares vendidos. E que deixam aquela vontade de conferir as próximas aventuras.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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