A Melancolia e a Tristeza Infinita do Smashing Pumpkins

Por Júlio Black

04/11/2020 às 07h00 - Atualizada 05/11/2020 às 11h34

Oi, gente.

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“Mellon Collie and The Infinite Sadness”, terceiro álbum do Smashing Pumpkins, teve os 25 anos de seu lançamento comemorados por fãs de todo o globo em 24 de outubro, sendo lembrado como o último (ou um dos últimos) grandes álbuns duplos da história do rock – de uma época em que ainda era possível colocarmos o CD no player, sentar com o encarte em mãos e curtir por mais de duas horas um dos maiores clássicos dos anos 90.

O disco dos Pumpkins representa, ainda, uma era em que era mais fácil ler sobre um artista que exatamente ouvi-lo. Antes do Napster começar a desmontar a indústria fonográfica por meio de megabytes sonoros, a vida do apaixonado por música era aquele esquema já contado por aqui: ou você comprava o álbum ou copiava em cassete de quem tivesse adquirido. A outra opção, basicamente, era dar a sorte de assistir a algum videoclipe na MTV, pois as rádios – pelo menos em Volta Redonda era assim – não tocavam quase nada do que nos interessava.

Quando assisti ao show do Smashing Pumpkins no Hollywood Rock (26 de janeiro de 1996, pouco mais de três meses depois do lançamento de “Mellon Collie…”), a única música da banda que conhecia era “Disarm”, de “Siamese dream” (1993), que estava numa coletânea em cassete da finada revista “General”. Não era essa molezinha de hoje em dia, em que até mesmo o mais indie dos indies pode colocar sua música no Spotify, Deezer, SoundCloud, Bandcamp, e meia hora depois já estamos até repetindo o refrão.

Era frustrante estar na fissura de ouvir o álbum e não ter como? Com certeza. Mas, ao mesmo tempo, tínhamos algo que praticamente desapareceu nos dias atuais: aquela pequena epifania de descobrir o artista ali, no palco, dando o melhor de si, e você maravilhado com aquele monte de canções desconhecidas. Foi o caso da apresentação da turminha de Billy Corgan na Praça da Apoteose: o show teve apenas uma hora, mas foi ali que tive meu primeiro contato com oito das músicas do novo álbum do quarteto (mais da metade do repertório do show), entre elas “Zero”, “Bullet with butterfly wings” e “X.Y.U.”.

Foi amor sonoro à primeira vista, e olha que ainda tivemos em seguida nada menos que duas horas e meia de um show emocionante do The Cure, que fechava a noite. Depois, porém, foram meses e meses de abstinência, que só passou quando eu e Wally pegamos o CD na loja que patrocinava o “Satélite”, nosso programa em uma rádio comunitária em VR City, para tocar algumas músicas. Como o programa era sábado à tarde, pegávamos os CDs um dia antes ou na própria manhã de sábado, e só entregávamos segunda. Daí que não faltava tempo para copiar em cassete, e foi assim que pude ouvir o álbum na íntegra antes de ter a chance de comprar o CD, apenas no final de 1997.

(Viu? Quando dizemos que antigamente era difícil, muito difícil, não estamos brincando).

Mesmo hoje, 25 primaveras depois de seu lançamento, é difícil explicar o impacto de ouvir pela primeira vez a “Mellon Collie and The Infinite Sadness”. Com suas 28 músicas tiradas das quase 60 compostas durante sua produção, o CD duplo (e triplo em vinil) foge da armadilha do “álbum conceitual”, ainda que Billy Corgan diga que as letras representam o que ele gostaria de dizer na adolescência e juventude, mas não era capaz na época.

Há toda sorte de gêneros e subgêneros musicais em “Dawn to dusk” e “Twilight to starlight”, como foram batizados os disquinhos prateados na época. O lobisomem juvenil que ouvir o álbum pela primeira vez em sua plataforma de streaming preferida terá o sistema auditivo inundado por doses geniais de rock, grunge, pop, baladas, rock progressivo, hard rock, metal, e certamente vai se perguntar como Billy Corgan, James Iha, D’arcy e Jimmy Chamberlin foram capazes de espalhar tantas cores sônicas em uma tela musical e, mesmo assim, não deixar baixar o espírito de Romero Britto que existe em cada um e fazer do trabalho um indigesto pastiche sonoro.

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Querer destacar algumas faixas em um álbum tão perfeito é crueldade. “Mellon Collie…” é daqueles trabalhos que, mesmo na correria dos dias atuais, merece ser ouvido em sua totalidade, mesmo que o cidadão esteja na rua, na fila do mercado, pagando boletos, no ônibus ou escrevendo uma coluna. É impossível escolher as melhores em um álbum que reúne músicas como “Tonight, tonight”, “Zero”, “Bullet with butterfly wings”, “Fuck you (An ode to no one)”, “Muzzle”, “Porcelina of the Vast Oceans”, “Bodies”, “Thirty-Three”, “1979”, “Tales of scorched Earth”, “Thru the eyes of Ruby”, “X.Y.U.”, “Beautiful”, “Lily (My one and only)” e “Farewell and goodnight”.

Em tempos de playlists com gostos pessoais e singles que mantêm o interesse efêmero em torno do artista nas plataformas digitais, “Mellon Collie and The Infinite Sadness” é um álbum que segue a merecer um tempo só para ele, para que possamos descobrir e redescobrir um trabalho genial, da época em que muitas vezes nos maravilhávamos com a música ao darmos a chance de o artista nos conquistar ali, no palco – no caso do Smashing Pumpkins, o salto de fé valeu a pena.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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