Para entender o ser ‘humano’

Por JÚLIO BLACK

04/09/2015 às 07h00 - Atualizada 03/09/2015 às 15h33

Oi, gente.

Preciso confessar que errei. Toda semana, escolho um ou dois filmes em estreia para comentar aqui no Caderno Dois, e numa dessas deixei passar em branco “Expresso do amanhã”, uma das melhores adaptações dos quadrinhos já feitas para a tela grande. Fui assistir ao filme no último domingo com A Leitora Mais Crítica da Coluna, e o impacto dele é tão profundo que, mesmo agora, ainda não foi possível digerir tudo o que se passou na tela em pouco mais de duas horas.

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Filmado em 2013 e lançado no ano seguinte nos Estados Unidos – e apenas agora no Brasil -, “Expresso do amanhã” é a adaptação de uma graphic novel francesa (já à venda na nossa terrinha) e é o primeiro trabalho em língua inglesa do sul-coreano Bong Joon-Ho, diretor de “O hospedeiro”. O filme é todo passado em um trem que há 18 anos roda todo o planeta sem parar e carregando o que restou da raça humana, dizimada após uma tentativa estúpida de acabar com o aquecimento global e que jogou o mundo em uma nova Era Glacial.

Pois bem. O caso é que 18 anos são tempo mais que suficiente para reproduzir em um espaço pequeno, claustrofóbico e sem esperança o pior que nós, seres humanos, conseguimos fazer de ruim todos os dias desde que tomamos consciência de que o mais forte pode oprimir o mais fraco. Pelo que conta o personagem principal, interpretado por Chris Evans, não foi preciso muito tempo para os mais ricos (que ficaram nos primeiros vagões) tirarem tudo o que os menos favorecidos (nos vagões traseiros) levaram para o trem: suas posses, sua dignidade (a ração de “proteína” oferecida a eles é de uma humilhação extrema), a liberdade, os filhos, a esperança.

Há momentos de crueldade (o castigo para o pai revoltado quando levam seu filho), opressão, violência, fanatismo, humilhação e alienação (quando a personagem de Tilda Swinton, irreconhecível, cria uma metáfora entre sapatos e chapéus) que lembram as piores ditaduras que já existiram, sejam elas militares, comunistas, religiosas, nazistas ou fascistas. O filme tem tantos momentos cruéis que o público do cinema, tão dado a conversas paralelas, papos no celular e afins, ficou em pesado silêncio durante toda a exibição.

Sem querer estragar o final da história, há uma sequência em “Expresso do amanhã” muito, mas muito parecida mesmo com um dos momentos mais impactantes da trilogia “Matrix”, que faz o espectador perceber que não pode haver desfecho diferente para a revolução propagada pelos oprimidos, justificando o final descrito mais que adequadamente pela Leitora como “niilista”.

“Expresso do amanhã” é o tipo de filme para quem defende a perda da fé na Humanidade, mas deve ser assistido por todos para que não repitamos o que é visto não apenas na película, mas diariamente em nossos noticiários, cidades, bairros, ruas e casas.

Vida longa e próspera, mesmo que não seja fácil. E obrigado pelo peixes.

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Júlio Black

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