Somos todos (nem que seja só um pouquinho) BoJack Horseman

Por Júlio Black

04/03/2020 às 07h00 - Atualizada 04/03/2020 às 07h17

Oi, gente.

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Seis anos são muito tempo, por isso não lembro o que me levou a assistir à primeira temporada de “BoJack Horseman”. Era 2014, com certeza, provavelmente foi alguma matéria sobre o lançamento. Acostumado que era a animações com temáticas adultas e contemporâneas como “Os Simpsons” e “Family Guy”, imaginei que não seria perda de tempo acompanhar a história de um cavalo antropomorfo, de meia-idade, que foi astro de uma sitcom nos anos 90 e agora precisava lidar com o ostracismo.

E achava que seria apenas isso, uma comédia animada para adultos e jovens descolados. Mas descobrimos, com o desenrolar do primeiro ano, que havia mais: solidão, o abuso de álcool e outras drogas, os traumas do passado, as pessoas que magoou, a idade, a irrelevância, a relação complicada com a família, mortes, a máquina de moer gente chamada Hollywood, a depressão.

Quando me dei conta, “BoJack Horseman” era mais que a minha animação favorita: era uma das melhores séries de todos os tempos, para colocar na prateleira que tem “Fringe”, “The Americans”, “Breaking Bad”. O encerramento do programa, que teve as seis temporadas exibidas pela Netflix, com certeza é lamentada por muitos fãs, mas veio no momento certo. Melhor terminar no auge que cair no desgaste da fórmula ou da irrelevância. Antes ser “Watchmen” que “Arquivo X”, entende?

Porém, não estou a fim de analisar os episódios finais, roteiro, escolhas do criador da série, Raphael Bob-Waksberg. O que eu quero é lembrar o quanto todos nós temos, nem que seja um pouquinho só, de BoJack Horseman, ou de Diane Nguyen, Mr. Peanutbutter, Todd Chavez, Princesa Carolyn. Quem pode dizer que nunca, mas nunca mesmo, aquele jamais do verbo “nunca fiz isso”, foi egoísta, narcisista, abusivo, arrogante, interesseiro, ignorante, falso, dissimulado, injusto, capaz de passar por cima das outras pessoas?

BoJack foi tudo isso, talvez mais que o normal. E nós também somos assim, não? Quem nunca magoou uma pessoa amada, um parente? Ou foi um escroto na hora de terminar um relacionamento? Quem pode dizer que não teve que encarar um rompimento doloroso, de amar a pessoa e ouvir um “desculpe, mas você não é o que quero para minha vida”? E a decepção profissional, ou com um amigo? Outro exemplo: deixar colegas e amigos na mão, um familiar, num momento de dificuldade ou sofrimento, quando estava na pior – seja por falta de grana, doença, pé na bunda, depressão pura e simples; quem nunca? E quem nunca pensou, em algum momento, que o mundo lhe devia algo? Ou que era um talento que merecia ser reconhecido, e que por isso mesmo as coisas deveriam cair de mão beijada; que o mundo deveria entender que certas coisas são injustas, ou que estamos particularmente tristes ou doentes aquele dia; “ah, mas você não conhece minha infância, meus pais fizeram isso e aquilo, não me deram amor”. Aquela história vergonhosa na adolescência, quantos passaram por isso?

BoJack Horseman, apesar de ser um cavalo falante, é humano em sua essência, com suas qualidades e muitos defeitos. E é dessa humanidade que ele aprende (ou não) com os erros, amadurece, precisa lidar – nem que seja muito tempo depois – com as consequências de seus atos. É preciso amadurecer, ou pelo menos tentar, na marra. Nem sempre conseguimos, e BoJack talvez seja uma das melhores representações do que é ser humano, de tentar e muitas vezes fracassar. Durante os anos em que acompanhamos a série, ele foi complicado, esteve perdido, deu a volta por cima, voltou ao fundo do poço, magoou e foi magoado, desprezou e foi desprezado. Viveu a mesma vida que levamos, talvez com um pouco mais de glamour, mas que sempre cobra o preço, é injusta; mas é a vida que temos, o lance é aproveitarmos enquanto podemos.

Seis temporadas temporadas, podemos dizer que todos os personagens, em algum nível, não eram mais os mesmos do início. Cresceram, aprenderam com os erros, souberam seguir adiante, tiveram que lidar com seus problemas e dramas, terminam melhores do que eram. BoJack Horseman, ironicamente, é o que menos aprendeu, melhorou, cresceu como pessoa. Passar por essas experiências, ficar mais velho, não significa ser automaticamente uma pessoa melhor, e o ator de meia-idade ainda terá muito caminho pela frente. Se ninguém teve uma redenção ao final da série, não seria ele que o merecedor.

“BoJack Horseman” terminou com todos evoluindo de alguma forma, encontrando seu lugar no mundo, mas com muito por fazer e viver. Não foi aquele final das sitcoms tradicionais estilo “Friends”, em que cada um segue seu caminho mas todos com um final feliz. A última cena deixa claro que sim, haverá um dia seguinte.

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Nós, infelizmente, não poderemos acompanhar essa jornada. Mas ela valeu a pena enquanto durou, e sempre podemos rever todos os episódios. É o que estou fazendo.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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