Fala Quem Sabe

Por Cesar Romero

31/10/2021 às 07h00 - Atualizada 31/10/2021 às 07h20

Milton Nascimento: a música caminha comigo como a minha alma

No palco do Maracanãzinho, no Rio, o jovem cantor, violonista e compositor Milton Nascimento, poucos dias antes de completar 25 anos, nos dias 19 e 21 de outubro de 1967, não poderia sonhar que, a partir de suas três músicas no II Festival Internacional da Canção – “Travessia”, “Morro Velho” e “Maria, Minha Fé” – trilharia uma autêntica travessia rumo a uma das mais significativas trajetórias na Música Popular Brasileira da segunda metade do século XX e se projetaria como um dos maiores cantores de seu tempo.

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Milton sempre entrou de coração em tudo, desde os tempos de contrabaixista nos bailes de Minas Gerais, passando pelos encontros musicais doClube da Esquina, pela projeção a partir do segundo lugar no II FIC-1967, até consolidar uma trajetória vitoriosa na MPB. Ele nunca perguntou para onde ia esta estrada, se jogou por inteiro no caminho, seguindo “o brilho cego de paixão e fé, faca amolada”. O importante sempre foi “deixar a sua luz brilhar e ser muito tranquilo / deixar o seu amor crescer e ser muito tranquilo / brilhar, brilhar, acontecer, brilhar, faca amolada / irmão, irmã, irmã, irmão de fé, faca amolada”, como em “Nada será como antes”, parceria com Ronaldo Bastos.

Milton nasceu às 18h, a “Hora do Angelus”, do dia 26 de outubro de 1942, filho de Maria do Carmo do Nascimento, cozinheira por profissão, que deixou Juiz de Fora, para trabalhar no Rio. A “Hora do Angelus” relembra para os católicos o momento da anunciação, feita pelo anjo Gabriel a Maria, da concepção de Jesus Cristo, como livre do pecado original. O seu nome deriva da frase: “Angelus Domini nuntiavit Mariæ”. Em Juiz de Fora, na Câmara, Milton recebeu o título de cidadão honorário e a Medalha Nelson Silva, em 2009. A retribuição é por tudo que Bituca fez pela música e por suas raízes encravadas na cidade. Desde a década de 1970, Milton coleciona amizades em Juiz de Fora. Quando o médico e músico Márcio Itaboray lançou o livro “Assuntos de Vento”, em 2001, esses laços foram consolidados. Em maio de 2009, durante show no Central, Milton disse que Juiz de Fora é onde ele tem mais amigos. E no dia da entrega do título de cidadão honorário, ele sintetizou: “Sou de Juiz de Fora desde que nasci”.

Bituca – apelido dado pela mãe adotiva Lília Silva Campos – como era conhecido na família e entre os amigos, depois do segundo lugar na classificação geral e da premiação como melhor intérprete do II FIC-1967, inscreveria o nome Milton Nascimento no primeiro time de compositores e cantores que renovariam a MPB. Os festivais injetavam sangue novo no universo cultural e a música ainda era uma das poucas manifestações de expressão popular no Brasil dos primeiros anos da ditadura militar.

Em entrevista exclusiva, em outubro de 1987, marcando os 20 anos da premiação de “Travessia”, durante o lançamento do disco “Yauaretê”, Milton confessaria: “Desde criança, eu sabia que ia mexer com a música”. O sucesso de “Travessia”, parceria com Fernando Brant no II FIC-1967, projetou Milton como um cometa.

Amigo de sempre e parceiro, Márcio Borges, em depoimento exclusivo, descreve a emoção que tomou conta da apresentação de “Travessia”: “Bituca colocou o Maracanãzinho de pé e foi classificado. Eu e Gonzaguinha nos abraçamos e deixamos nossas lágrimas correrem soltas, molhando os ombros um do outro. Quarenta anos se passaram desde aquela noite. Mas aquelas lágrimas serão para sempre”.

(Jorge Sanglard é jornalista, pesquisador e leitor convidado)

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