Desestruturar-se

Por Marcos Araújo

18/12/2022 às 07h00 - Atualizada 18/12/2022 às 12h54

Comecei a ler o livro “Banzeiro òkótó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo”, da jornalista Eliane Brum. Ainda não terminei a leitura e espero que seja um passatempo demorado. A autora é uma das escritoras que sempre me tiram o fôlego. Ainda estou bem no início da obra, mas já nas primeiras páginas fui arrebatado. Fico impressionado com a habilidade dela em nos tirar da órbita. Ela sabe nos fazer perder o chão, jogando-nos em um abismo em queda livre, fazendo-nos perder todas as certezas. Afinal, de que valem as certezas, se não para nos fixar e nos roubar de um mundo de possibilidades?

Em certa passagem do começo do livro, a jornalista conta que se mudou para a Amazônia, em 2017, e, desde então, desestruturou-se. Não vou aqui fazer uma resenha da obra. Não é essa minha intenção, porque, como disse, minha viagem pelo mundo de Eliane, registrado em “Banzeiro òkótó”, está apenas no início. Quero, na verdade, falar sobre a nossa desestruturação e, por que não, da desestruturação de tudo? Sobre o quanto o mundo ao nosso redor formata, encaixa, classifica, rotula e nos faz perder a chance de querer e de ser algo melhor do que já está posto. Minha intenção é refletir acerca do potencial de desestruturar-se: eu e cada um de nós. O quanto de disposição teríamos para tal empreitada? Do que seríamos capazes de abrir mão em busca de uma nova possibilidade de vida?

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Depois que passou a viver na Amazônia, na cidade de Altamira, no Pará, Eliane diz que começou a desestruturar-se em razão de seu maior contato com a floresta. Segundo ela, a “Amazônia solta para dentro da gente como num bote de sucuri, estrangula a espinha dorsal do nosso pensamento e nos mistura à medula do planeta”. Na minha leitura, seria como uma forma de deixar de conhecer quem somos, para mergulhar, de corpo e de mente, no desconhecido, mas não para nos perder. Ao contrário, para nos encontrar e nos reconectar com a natureza, com os seres vivos e não vivos e com o tempo sem divisão dos calendários. Seria vislumbrar oportunidades de outros tipos de viver, de forma mais harmônica com nossos próximos e com tudo que existe no mundo, porque, da forma como se vive hoje, vive-se de maneira quase insuportável e sobra muito pouco para uma vida em abundância. 

Se o que temos agora não nos causa satisfação, é preciso pensar nessa desestruturação, mesmo que para alguns isso possa parecer uma catástrofe pessoal, como pontua a jornalista. É necessário cogitar sobre as estruturas existentes e o quanto elas podem ser intoleráveis sem que nem saibamos o porquê. Quando digo estruturas, penso em tudo que já estava pronto ao nascermos e que tivemos que aceitar. Penso no capitalismo desenfreado e em tudo do que dele pode advir. Peço perdão para Eliane Brum por imprimir meus pensamentos que podem ser inconsistentes diante da grandeza de todo seu livro. São apenas as primeiras impressões de uma leitura que se inicia e que já abalou minhas estruturas. Se a grande maioria de nós não pode ir morar na Amazônia, recomendo a leitura de Eliane Brum, porque é uma bela chance de começar a se desestruturar. 

Marcos Araújo

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