Água: riqueza que escoa pelo ralo no Brasil
Domingo à noite, chove em Juiz de Fora. Misturada à alegria de finalmente sentir o cheiro da terra molhada, vem a pergunta: precisamos mesmo passar por privações tão severas num país abundante como o Brasil? De quem é a culpa por tal escassez, afinal? “De São Pedro, que não manda chuva, claro!”, responderiam os incautos. Com um índice pluviométrico 30% menor em uma série histórica de cem anos, o rodízio era inevitável. Será?
Vivemos no país que possui a maior reserva de água doce do mundo, o Aquífero Guarani. Pouco conhecido dos brasileiros, o aquífero é uma reserva subterrânea de água doce que abrange parte dos territórios do Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai e é considerada, ao menos até o momento, a maior reserva desse tipo no mundo, ocupando uma extensão territorial de, aproximadamente, 1,2 milhão de quilômetros quadrados. Em nosso território encontram-se 2/3 do manancial e 70% da utilização do Guarani aqui já é dedicada ao ser humano, o que representa cerca de 24,9 milhões de pessoas atendidas.O custo de tratamento dessas águas é muito inferior ao de águas superficiais, o que representa uma oportunidade econômica relevante. Apesar de sua incontestável importância, estudos recentes mostram que nem toda a extensão de cerca de 840 mil quilômetros quadrados da área brasileira do lençol é de fato potável. A parte que se localiza sob os estados de Santa Catarina e Paraná, por exemplo, sofre de excesso de sais, sendo ainda necessários mais estudos para mapear toda a qualidade do aquífero sob Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. Como se não bastasse, um levantamento realizado por órgãos ambientais constatou 317 focos de contaminação nas áreas de recarga do aquífero em território paulista, estado onde o lençol apresenta melhor qualidade. Tais focos são gerados tanto pela indústria como pela própria população (poços artesianos clandestinos, lixões e falta de saneamento básico).
Enquanto o Brasil maltrata mais uma de suas riquezas, países como Israel dão exemplos de uso consciente da água. Para se ter uma ideia da carência do recurso por lá: Pernambuco, que é o estado brasileiro mais carente em água, tem 1.270 m3/hab/ano de disponibilidade hídrica, enquanto Israel tem somente 470 m3/hab/ano. Em condições climáticas tão desfavoráveis e com uma paisagem predominantemente desértica (50% do país), como explicar o fato do país ser referência na gestão da água e modelo de desenvolvimento humano, com o 19° maior IDH do mundo? Israel conta com basicamente uma fonte de água, o Rio Jordão, motivo de disputa e conflitos com seus vizinhos há anos, e que já teve um leito 50 vezes maior. Para sobreviver, a palavra de ordem é “reaproveitamento”. O país investe pesado em captação da água da chuva, com 255 reservatórios para recolhimento e reuso. A capital Tel Aviv tem 100% de seu esgoto coletado, tratado e reaproveitado para irrigar as plantações que crescem no meio do deserto. Além disso, a técnica de gotejamento reduz em 95% o consumo de água nas lavouras. Considerando que 70% da água potável do mundo sejam usada na agricultura, se essa medida fosse adotada em escala global, a economia seria impressionante. Outra medida revolucionária é o uso da água salgada do Mar Mediterrâneo. Da maior usina de dessalinização do país sai 20% da água para uso doméstico, totalmente potável, saudável e de relativo baixo custo. O metro cúbico custa, em média, R$ 2,00.
O Brasil concentra 13% de toda a água potável do mundo, mas é também campeão em desperdício, tanto por parte de sua população – que abusa de torneiras abertas, carros e calçadas lavados com água potável, lixo coletado de maneira irregular – quanto pela indústria, que não investe no tratamento adequado de seus efluentes e, principalmente, pelo Governo, que relega a segundo plano o assunto. De acordo com projeções divulgadas pela ONU, a oferta de água potável deve diminuir 60% neste século, enquanto a demanda deve aumentar 55% até 2050. Se nada for feito urgente e definitivamente, por todos nós e pelas esferas governamentais, de nada adiantará apelar para São Pedro. Ele (e apenas ele provavelmente) vai lavar as mãos.