Os conselhos e as classes de Olga, há 52 anos na educação

Com mais de meio século de magistério e 72 anos de vida, ainda na ativa, Olga acumula prêmios, títulos, alunos e a crença na educação como único caminho para a cidadania


Por Mauro Morais

28/07/2019 às 07h00- Atualizada 30/07/2019 às 16h28

 

Olga tornou-se reconhecida internacionalmente pelo trabalho que desenvolveu à frente da Escola Municipal Cecília Meireles, na Zona Norte de Juiz de Fora, onde nasceu e viveu parte da infância. (Fotos: Fernando Priamo)

A casa ficava diante da praça principal e tinha um quintal muito grande. Ao lado, havia o armazém de dona Clotilde e uma escola. Os olhos de Olga Carmelita Stussi Coelho Rosa brilhavam vendo a professora passar no portão. Para a mãe, a menina ainda era muito nova para frequentar a escola. “Eu pedia: ‘Mamãe, compra aquele livro para mim!’. Um dia ela comprou a cartilha”, lembra. Pequenina, a menina já sabia tudo de cor. Tanto que pegou a cartilha de ponta-cabeça, sem nem saber ler, mas dominando todo o conteúdo.

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“Foi uma vida muito gostosa, subindo em árvores, pendurando de cabeça para baixo, fazendo dique de barro. Sempre brinquei muito. Tinha chiqueiro na minha casa, já com água encanada. Na época a mangueira ficava ligada o dia inteiro e eu dava banho nos porcos, pegava os porquinhos no colo. Fui criada na terra, plantando com meu pai e minha mãe. Tínhamos tudo em casa”, conta ela, caçula dos quatro filhos de um militar que adorava escrever poesias e de uma mãe que trabalhava com os serviços domésticos e esbanjava grande intelecto. Nasceu na vila militar da Remonta, mas quando os irmãos avançaram nos estudos, a família precisou transferir-se para o Bairro Benfica, onde ficava a grande casa da memória. Aos 7 anos, a família se mudou para o Morro da Glória.

Olga – que é Carmelita porque tinha uma tia da congregação que ofereceu a própria vida para curar uma doença do pai, é Stussi pela descendência italiana, Coelho por conta de uma família mista, com portugueses e indígenas, e Rosa após o casamento com Paulo Cezar. Queria estudar direito, mas por influência do pai, desistiu. Pensou em arquitetura, mas como não havia o curso em Juiz de Fora, o pai não deixou. Resolveu cursar pedagogia e revolver as lembranças da escola vizinha. E na faculdade já dava aulas particulares, alfabetizando.

A redação

Formada em 1971, na segunda turma de pedagogia da UFJF, Olga pisou pela primeira vez numa sala de aula como professora substituta, atuando numa turma de segundo ano de uma escola estadual no Bairro Santa Terezinha. Pediu para que produzissem uma redação. “Contem o que quiserem, mas contem a história de vocês”, indicou. “Tive vontade de chorar. Levei para a casa e mostrei para o meu pai. Como iria trabalhar com aquilo? Vinha merenda do estado, mas os meninos compravam merenda. Comecei, então, a levar para eles. Minha mãe fazia e eu levava todo dia. A diretora mandou me chamar. ‘A senhora sabe que não pode oferecer merenda para os meninos porque a cantina vende?’, ela me disse. Eu falei que eles não tinham dinheiro para comprar, ficavam sem, e ela falou: ‘Isso é a vida’. Eu disse: ‘É a vida para a senhora, para mim, não!’. Não dava para ficar lá. Fui embora”, recorda. Antes de ir, no entanto, solicitou que os alunos escrevessem um novo texto. Diferentemente do primeiro, havia ali, desta vez, alegria. O trabalho havia surtido efeito. E continuo surtindo. Olga nunca parou. Especialista em psicopedagogia, com mestrado em fundamentos da educação e dois doutorados – um em administração e supervisão e outro em ciências da educação – também não abandonou as carteiras. “Estudo até hoje. Faço curso de inglês agora”, diz ela, fluente em espanhol. “No meu tempo, quando estudei no Santa Catarina aprendi francês, inglês e latim”, acrescenta a mulher que por dez anos foi coordenadora no Granbery, e, por 25, atuou nos cursos de pedagogia, biologia, psicologia, letras e matemática do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, onde aposentou-se há cinco anos. Manteve-se na rede pública municipal. Quando vai parar? “Daqui a pouco”, responde, sorrindo.

Formada na segunda turma de pedagogia da UFJF, Olga mantém-se em atividade e hoje é coordenadora de uma escola no Bairro Náutico, para onde vai todos os dias de ônibus. (Fotos: Fernando Priamo)

As listas de chamada

Ficava no alto do morro a primeira escola que Olga dirigiu. O ônibus não chegava. E junto dos alunos, ela subia a pé a ladeira até chegar à Escola Municipal Elpídio Corrêa Farias, no Bairro Borboleta . Depois de alguns meses, foi transferida para a Escola Municipal Professor Oscar Schmidt, que acabara de abrir as portas no Bairro Santa Rita de Cássia. Passado algum tempo, ela recebeu o convite para assumir a Escola Municipal Cecília Meireles, no Nova Era. No lugar passou 28 de seus 72 anos. “Era uma escola totalmente desestruturada, com poucos alunos, não chegava a 200. O índice de evasão e repetência era alto. Ela funcionava da educação infantil ao quinto ano. Assumi como um desafio. Em dois momentos ela chegou a ter 1.600 alunos estudando em seis turnos, um entrando no outro. A escola conseguiu um índice excelente de qualidade e tornou-se disputadíssima. Deixei lá um dossiê fora de série com todos as nossas premiações. Os jornais daqui e de fora viviam lá. Dei o meu sangue pela escola. Nunca me cobraram, fiz porque quis”, conta Olga, enumerando sete vitórias no Prêmio Volvo de Segurança no Trânsito. “Quatro vezes fomos o primeiro lugar. Na primeira vez, fui sozinha à Suécia. Das outras vezes, levei mais três (professores) comigo. Às premiações no Brasil, eu levava uma média de 50 professores. Tudo quanto é concurso que a gente entrava, ganhava. Em 2005, no Prêmio Belgo de Meio-Ambiente, nossa escola tirou quatro primeiros lugares nas oito categorias. Entrávamos em muitos concursos, porque tínhamos uma equipe real. A minha visão é a de que uma andorinha só não faz verão.”

O diploma

“A minha história foi feita no lúdico, no aprender a aprender brincando. A vida é lúdica”, diz, mostrando o livro “Pedagogia da ludicidade na dinâmica da alfabetização”, que lançou em 2005, pouco tempo antes de sair da escola que a projetou internacionalmente. Viriam, então, tempos de calmaria? Incansável, há 11 anos Olga pega, todos os dias, num ponto da Avenida Getúlio Vargas, o ônibus que a leva ao Náutico, para uma escola rural. “Como ter sossego vendo uma comunidade tão fragilizada?”, questiona. Não vai de carro por opção. Olga, como exceção numa triste regra, conheceu o sucesso financeiro na educação. “Não tenho problemas com o salário. Sou do regime especial, cheguei ao nível máximo da minha carreira, porque tenho doutorado e tempo de serviço. Ainda tenho a aposentadoria da faculdade e sou pensionista de militar. Não tenho do que reclamar, terminantemente, mas sei que o professor ganha mal hoje, muito mal”, comenta ela, que todo ano viaja num cruzeiro. “Gosto de viajar e fotografar a natureza. Tenho fotos deslumbrantes do Rio Paraibuna”, diz. Em sua trajetória, Olga sempre apostou no envolvimento das famílias no cotidiano escolar. Não esqueceu da própria, afirma. “Sempre participei de tudo quanto é congresso no Brasil inteiro, eu queria estar atualizada, saber de tudo. Sacrifiquei demais a minha família, mas não tenho arrependimento. Minhas filhas sempre tiveram a consciência de que não era a quantidade de tempo que fazia a qualidade do nosso amor”, pontua a mãe de Sumara e Roberta e avó de Antônio e Beatriz. O que falta hoje?, pergunto. “Comprometimento”, responde de pronto. “De todos”, completa. “Vou morrer acreditando na educação. Só podemos ter um país melhor se tivermos uma educação decente, que forme cidadãos. Do contrário, tudo se torna massa, como o boi indo para o matadouro, uma pessoa manipulável, que não conhece seus direitos e não sabe de seus deveres. Na educação devemos formar pessoas que tenham direito à escolha.”

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“Vou morrer acreditando na educação. Só podemos ter um país melhor se tivermos uma educação decente, que forme cidadãos”, defende Olga Stussi. (Fotos: Fernando Priamo)

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