Na banca herdada do avô, Wesley vende ervas que curam
Wesley herdou do avô o ofício que o faz adentrar matas da região para colher as folhas, raízes e cipós medicinais que ele comercializa numa banca no Centro
Aos 11 anos, Wesley Eduardo dos Reis conheceu uma mata. Foi levado pelo avô Francisco e estava acompanhado pelo primo. “O primeiro mato onde fui fica no (Bairro) Ponte Preta. Lá meu avô ia sempre tirar raiz-preta, cipó de Mil-homens. Achei legal. Eu era criança e enquanto meu avô tirava os matos a gente ficava brincando, gangorrando em cipó. Não entendia o que era aquilo. Com o passar do tempo, fui me adaptando, tomando curiosidade e aprendendo o que ele me explicava”, recorda-se o homem que, aos 33, volta toda semana à mata. Sem o primo e sem o avô. Não há mais brincadeiras. É trabalho, que alimenta sua banca e sua mesa.
Tem raiz-de-sexta-feira, que serve para banho e chá. Tem folha-santa, para banho de descarrego. Tem abre-caminho, banho que o próprio nome indica a finalidade. Tem folha-de-manga, cujo banho garante mais ânimo. Tem cipó-desatador-de-nós, também um banho autoexplicativo. Tem, ainda, o banho de abranda-fogo que livra das energias ruins. Na banca da Rua Jarvas de Lery Santos, ao lado do Santa Cruz Shopping, tem também alfavaca para chá calmante, melão-de-são-caetano cujo chá livra da gripe, carobinha que em infusão é curativo para doenças do sangue. Tem a canela-de-velho e sua promessa de cura para dores reumáticas. Tem cipó-mil-homens, usado tanto para emplastros de feridas que insistem em não fechar quanto para chá que alívio os problemas do fígado. “Chá de jurubeba tomo todo dia. Pego as frutinhas na minha casa e tomo. A função dela é melhorar o estômago, o fígado. Ela também age como anti-inflamatório”, explica Wesley. “Tem guiné?”, pergunta uma cliente, de passagem. “Só sexta”, responde.
À luz da ancestralidade
“Não tomo remédios, só chá. Na minha casa é assim. Uma vez ou outra tomamos um analgésico, mas é raro”, conta Wesley. Coisa de família, observa ele. Atuando nas raízes da tradição, o homem se depara com outros tantos que confiam na potência das ervas para fins medicinais. Muita gente, pontua, já vai sabendo o que quer comprar. Uma pequena parcela se informa com Wesley, que desde pequeno ouvia o avô narrar a força que vem da terra. Francisco, morto há dois anos, era o dono da banca. “Ele aprendeu com os pais dele, na roça, na tradição.” E transmitiu, como Wesley faz com o mais velho de seus seis filhos. “Desde pequeno trabalho com ele aqui na banca. Depois passei a ir para o mato com ele, que foi me ensinando tudo direitinho. Já tive outros trabalhos, mas aqui é que está o meu forte. Já atuei como ajudante em transportadora, servente em fábrica de blocos, ajudante de depósito em indústria de bebidas”, enumera ele, há cinco anos dedicando-se exclusivamente às plantas. A rotina é apertada: chega às 11h e sai às 19h. Faça chuva ou sol. “Cada um de nós tem um dom na vida. Não imaginava trabalhar nisso, mas é uma coisa que Deus colocou no meu caminho”, garante ele, naturalmente umbandista.
À guisa do mestre
Menino, Wesley saía da escola e seguia para o Centro para se encontrar com o avô, que mesmo aposentado continuou trabalhando com a banca de ervas. “Para ele, era uma terapia. Para mim, é a mesma coisa”, diz. “Lidar com plantas é tudo de bom, tanto físico quanto espiritualmente”, acrescenta ele, que após cursar a oitava série (hoje, nono ano) abandonou as salas de aula. Mais velho dos três filhos de um casal formado por um marteleteiro, ofício do profissional que rompe o concreto ou a rocha numa pedreira, e uma cozinheira de restaurantes, Wesley desde muito cedo conheceu os imperativos da vida sem luxos. E ainda que representasse um compromisso, o trabalho ao lado do avô transbordava saberes que só mesmo o vaivém dos dias é capaz de formar. Francisco, o avô, era mineiro, morou no Paraná e se fixou em Juiz de Fora, no Bairro Santa Cruz, onde Wesley nasceu, cresceu e para onde retorna todos os dias após estacionar sua banca. As raízes, cipós, folhas e flores permanecem no pequeno carrinho coberto por uma lona azul. “É tipo uma estufa. Trago ela fresca. Aqui mesmo ela seca, desidrata e eu vendo. Empacoto e vendo”, explica, num excesso de humildade e paciência, o homem que imerso nos desmedidos ruídos e no intenso fluxo do Centro rejeita as modernidades e aposta no poder de uma ancestralidade que, pouco a pouco, vai sendo confirmado pelos bancos da ciência.
À caça das plantas
Nenhuma semana se passa sem que Wesley colha o que vende. Segue para matas em direção a Rosário de Minas ou no Morro do Sabão, na Zona Norte da cidade. “São vários. Não dá para encontrar tudo num lugar só. Tem que andar em vários lugares para achar. Tem coisas que encontro num lugar, coisas que encontro em outro. Tem plantas que tenho que andar muito para achar”, afirma. Vai de ônibus, com um saco e um enorme facão na mão. As mãos calejadas são as evidências do trabalho bruto e exaustivo. Em pontos que já sabe serem interessantes, ele para e adentra a mata. Anda muito, entre três e cinco quilômetros, em média. Geralmente vai sozinho e permanece de seis a sete horas procurando as plantas. Nesses dias, acorda durante a madrugada, faz a colheita e às 11h já está na barraca. Raiz-preta, conta, é difícil de achar. O cipó-mil-homens também, já que fica no alto. Nessas incursões ele já se acostumou a encontrar cobras, esbarrar em marimbondos e, às vezes, cachorros ferozes de sítios próximos. “Geralmente sitiante tem cachorro e, quando eles veem gente diferente, eles juntam. Começo a gritar para eles se afastarem e fico com um pedaço de pau na mão”, ensina. “Graças a Deus nunca vi onça”, destaca, sorrindo. “Nesses lugares têm, mas nunca vi, ainda.”