Zulu: de segurança da balada, ele passou a DJ

Reconhecido no Brasil inteiro, Zulu, o artista que ainda hoje ostenta o apelido carinhoso colocado pela mãe na infância, completa 24 anos de festas


Por Mauro Morais

01/12/2019 às 07h00

DJ Zulu é fã de A-ha e Phill Collins, mas nas nas suas picapes rola hits do MPB ao funk, passando por pop, hip-hop e dance. (Fotos: Fernando Priamo)

Um zum-zum-zum dava conta da ausência. Vestido de terno e gravata, Jefferson da Silva Mello, o Zulu, observava a movimentação à distância. A festa começaria às 20h, e ele havia chegado quase duas horas antes. O tempo passava. “Eu era segurança no Lua Bonita, na BR-040. Tinha um DJ que chamava Buiú. Ele furou naquele dia. Tinha o pagode com o Glicose e o grupo Só Pinta. No intervalo, entrava o DJ. Nesse dia eu ouvia que o Buiú não iria. Como era segurança no German, também, via o DJ Léo Toledo tocar e anotava num guardanapo o nome das músicas que davam certo. Que música é essa, Léo? Cake, ‘Never there’; Lauryn Hill; Whitney Houston, ‘It’s not right but it’s ok’; ‘Papo de Jacaré’; Skank com ‘Chame, chame, chame’. Eu ligava para um amigo meu, pedia, e ele gravava as músicas. Já tinha um acervo dentro da minha Brasília azul-calcinha. Cheguei para o dono do evento e falei: ‘Sou DJ, se me der uma oportunidade eu seguro para você’.”

O horário foi apertando, e não havia quem assumisse as picapes. A frente da casa começava a encher. “Aí eles me chamaram e disseram: ‘Jefferson, vai você mesmo!’. Comecei com Caetano Veloso, ‘Sozinho’, em versão remix. Virei com Djavan, ‘Se’, também em versão remix. O pessoal já na fila começou a cantar. O pessoal entrou, e eu toquei ‘Shake boom’, do Vinny, ‘Tiazinha’, e a pista bombou. A banda que era para entrar 20h30 foi entrar só 21h30. Quando entrou, ainda me elogiou. Terminou, e eu voltei tocando ‘Mexe a cadeira’, que era a música do momento. O pessoal ficou doido”, recorda-se ele, que já naquela primeira noite foi apresentado como DJ Zulu. O apelido que a mãe colocou quando Jefferson ainda era bebê, em referência ao povo africano, ganhou eco.

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Bailes, domingueiras e sortes

Na semana seguinte de sua estreia, Zulu foi convidado para tocar numa festa fechada no Corazón, casa conceituada dos anos 1990 de Juiz de Fora. Foi o bastante para se tornar residente na Scandal, outra boate popular na época. Pouco a pouco, outras casas se abriram para o novo artista, como a Detona’s Country e o Aero Pub. Nas suas picapes, rolavam hits de rádio, do MPB ao funk, passando pelo pop. Também tocavam hip-hop e dance. Os ouvidos seguiam atentos às paradas de sucesso, que lhe renderam outras domingueiras, como a da Vila das Tochas. “Até 20h, as mulheres entravam de graça. Elas chegavam às 17h30 e pegavam senha para entrar na fila. Não tinha como não bombar”, lembra. Kátia estava numa dessas filas. Zulu parou ao lado dela e ofereceu seu telefone para que ela não mais tivesse que passar pela fila. Conseguiu o telefone dela, e estão juntos há 15 anos. Kátia tornou-se sua produtora. “A gente virou um só”, derrete-se o pai de Maria Júlia, com pouco mais de 1 mês de idade. A festa de casamento, Zulu e Kátia não tiveram. “Ainda”, adverte ele, que não deve abrir mão da cerimônia religiosa também. Zulu é católico daqueles que correm para assistir a missa do Padre Pierre aos domingos. “Também acredito muito na física quântica, na energia positiva, no pensamento bom”, pontua, dizendo ter aprendido a noção após um acidente vivido há dois anos, quando comprou uma Hilux e, em 15 dias, viu o veículo sofrer perda total. Estava ele e a esposa viajando, quando outro carro fez uma conversão errada, e os dois rodaram na pista. Todos sobreviveram. E Zulu se reinventou, como sempre fez.

Festas, casas e discos

De produtor passou a empresário e abriu uma casa de shows. Logo Zulu tomou outra consciência: “Nasci para ser DJ, mesmo.” Quando o funk ganhou outros espaços, Zulu tornou-se um produtor ainda mais sofisticado e passou a importar das capitais artistas de peso no cenário nacional. Suas festas eram agigantadas, em endereços como o extinto La Rocca, para cerca de oito mil pessoas. Numa pasta, ele guarda folders dos eventos, com imagens de MC Sapão, MC Marcinho, Mulher Moranguinho, Mulher Melancia. O envolvimento fez retomar o desejo, e Zulu projetou uma nova casa na Deusdedit Salgado, procurou investidores e montou uma equipe. A sociedade não durou. A casa se ergueu. Zulu seguiu. Foi fazer festas fechadas, chopadas e formaturas. “Comecei a ser tratado como artista”, diz. No Castelo de Itaipava, ele debutou em casamentos. Depois vieram convites de Búzios, Trancoso, Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Campinas. “Hoje a agenda está bombada no Brasil todo. Virei meu canhão, nos últimos três anos, para casamentos, formaturas e 15 anos. Faço boates tradicionais na região também”, afirma. “Hoje tenho meu apartamento próprio no Centro, meu carro, tenho um terreno para fazer uma granja, um dinheiro aplicado. Vim administrando minha vida”, orgulha-se Zulu. O que ouve o DJ? A-ha é sua resposta imediata. Depois recorda-se de Phill Collins, no disco “Serious hits… Live!”, Information Society, Bon Jovi, Paralamas do Sucesso. “‘Alagados’ é um hino para mim”, diz, cantando um trecho da música. Zulu ainda lembra de Legião Urbana, em especial “Pais e filhos”.

Celebrações, afetos e coragem

Na adolescência carregou capim nas costas para fazer dinheiro e quando deixou o material, ficou assistindo ele ser triturado. A máquina foi desligada, mas a polia não parou. Zulu levou a mão no equipamento, ingenuamente. Perdeu a ponta do anelar direito. Eram tempos difíceis, aqueles. “Minha mãe é irmã da minha tia, que me criou. Minha mãe me teve com 15 anos, não tinha experiência e me deixou com minha tia. Depois de um tempo, minha mãe voltou, a gente se encontrou, e hoje ela mora no Jardim Glória. Visito ela e minha tia. Meu pai biológico eu vi, mas não me lembro. É muito vaga a recordação. Minha mãe se separou dele depois de um ano de relacionamento”, conta ele, crescido no Santa Terezinha. “Vivíamos meu tio, minha tia e os dois filhos deles. Ela (Ana) sempre foi dona de casa e mexia com o espiritismo. Meu pai Ezequias era sargento do Corpo de Bombeiros. Eu queria ser bombeiro, por isso. Ele morreu em 1988, quando eles já construíam a casa no Granjas Bethânia”, recorda-se, referindo-se ao exato momento em que toda a família se mudou. Zulu, no entanto, continuou estudando no antigo bairro. Ia e voltava a pé. “Eu era filho de criação, e era difícil para a Ana me dar atenção”, conta o homem que, um dia, colocou todos os seus pertences numa Brasília e saiu de casa. Por alguns dias, dormiu no veículo, até alugar um pequeno conjugado num condomínio na Avenida Rio Branco. Hoje, aos 42 anos, vive outra realidade. “Tenho amigos do Santa Terezinha que morreram por (usar) droga, porque deram tiram, enveredaram por caminhos que não valia a pena. Poucos amigos vi seguindo bem. Não sei por qual força, mas não me envolvi com qualquer tipo de droga. Já cheirou loló, já fumou maconha? Até hoje não sei o que é isso. Sei o que é vodca com energético”, ri. Antes do show, conta, toma cerveja e vodca com energético. Durante o show, prefere energético e isotônico. Zulu gosta do que lhe dá energia. A pista da vida tem que bombar, sempre.

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