A ocupação
Eram pouco mais de duas da tarde. Um sol daqueles capazes de desidratar camelo transformava o ônibus em forno, enquanto os dois brutos conversavam em pé, espremidos no coletivo apertado.
“E essa molecada, hein? Esses estudantes? Eles não tem mais o que fazer não?”, perguntou Zelão, quando o busão chacoalhou em frente a uma escola estadual ornada de cartazes com frases de ordem.
“Nada! Tudo vagabundo! Não querem estudar”, concordou Digão, de forma agressiva, enquanto emendava um palavrão ante uma freada mais brusca. “P…, motô! Tá de brincadeira comigo!”
O papo seguiu pouco amistoso. “Esses fedelhos só querem aparecer. Tinha que levar uns cascudos”, reforçou Zelão.
“Tudo vagabundo. Tem que descer o cacete”, disse o amigo, eivado de razão e com a certeza de ter cunhado uma assertiva filosófica.
“Pois é! Estão mimizentos pois não querem perder a teta!”
“Uma corja!”
O papo seguiu entre adjetivos requintados – “vagabundos” era o preferido – até o ponto final do ônibus que, lotado, parecia cair aos pedaços. “Bora”, decretou Zelão. Foi respondido no ato: “Bora”.
Desceram em frente ao centro de treinamentos do clube do coração. Logo sacaram meia dúzia de faixas escritas a mão: “fora, ‘prezidente'”; “mudança já”; “quero o meu time de volta”; “e o futuro?”… Do banco de trás do ônibus, ainda foi possível ouvir a última frase de Zelão: “Vamos ocupar essa m…!”