Dói na alma
Por ossos do ofício, tive a oportunidade de acompanhar as ações da Comissão da Verdade de Minas Gerais na visita do colegiado a Juiz de Fora durante a semana. Tive também o prazer de conhecer Emely Vieira Salazar e Carlos Melgaço, duas histórias marcadas por um passado truculento que se mostrou incapaz de minimizar sonhos e simpatia. Acompanhei os dois na visita à Penitenciária de Linhares, onde permaneceram cativos durante a Ditadura Militar por conta de seus matizes ideológicos. Presos antes de um julgamento formal, frise-se. Ouvi também depoimentos de pessoas vítimas de torturas e abusos físicos e psicológicos. Testemunhos que não me machucaram a carne, mas doeram fundo na minha alma que ainda insiste em acreditar no ser humano.
Por que digo isto em uma coluna de esporte? Tento explicar mais adiante. Deixa eu voltar à audiência pública, quando todo um cenário de violência protagonizado por forças do Estado foi remontado por depoimentos de sobreviventes. Lá, percebi alguns presentes que tentavam negar a truculência praticada pelo regime militar, ignorando o fato de as Forças Armadas já terem reconhecido a ocorrência de desaparecimentos e mortes durante a Ditadura. Eram poucos, mas estavam lá. Tal comportamento não me machucou a carne, mas doeu fundo na minha alma.
Não importa em qual lado você está do tabuleiro ideológico. Não importa se é de direita, de esquerda, de centro, de cima ou de baixo. Não importa. Negar tais testemunhos, negar a história, negar a prática de tortura durante o regime militar é basicamente validar a institucionalização da violência mais banal e desprezível. É cruel. É desumano. É intolerante.
Negar a tortura é agir como os bárbaros que se agridem e se matam nas ruas e estádios por não respeitar o direito do outro de torcer por uma agremiação esportiva diferente da deles. É concordar com grupo de torcedores do Coritiba que chutaram um corintiano caído no chão por quase um minuto no último domingo. Poderia ter sido o contrário, eu sei. Independentemente de camisa, toda violência é algo que dói fundo na alma e não pode ser relativizada.