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Charlie morava no interior. Quando criança, vivia no campinho de terra que tinha no final da rua de pedra. Não era um grande talento. Contentava-se em não ser o último escolhido no par ou ímpar. Torcia, sempre, para jogar no time com camisa e envergar o velho uniforme de seu time do coração, que havia herdado do irmão que partira para a cidade grande. De pés descalços, sonhava estar um dia nas arquibancadas do estádio da capital para ver seus ídolos em ação.
Aos 17 anos, já não passava o dia no campinho. Envergava a velha camisa surrada atrás do balcão da farmácia, onde ganhava uns trocados para ajudar em casa. O sonho, entretanto, era o mesmo. Ver seu clube de coração de perto. O objetivo, todavia, estava perto de ser concretizado, quando, dez anos após ganhar a estrada, seu irmão mais velho voltou para secar as lágrimas da mãe.
Foram quatro dias de festa na casa de dois cômodos. Em um sábado, o irmão anunciou a partida. Convidou o caçula para uma estadia na cidade grande. Charlie não titubeou. Entrou no ônibus sem ar condicionado com um sorriso mais aberto que as janelas do coletivo. Chegou na capital em um domingo. Dia de clássico! Sem grana para o ingresso, resolveu caminhar até a porta do estádio. Só para vivenciar aquela emoção.
Sem conhecer o trajeto, pegou uma rua incerta. Caiu no meio da torcida adversária. Foi atacado por um grupo armado de paus ornados com arame farpado. Em meio ao sangue que tingia o asfalto, o garoto morreu sem realizar seu sonho. Irreconhecível, foi enterrado com a velha camisa surrada, surrado pela intolerância de pessoas incapazes de conviver com o direito do outro de expressar seus sentimentos. Charlie foi mais uma vítima dos fanáticos terroristas que assolam o futebol brasileiro.