Queijo Canastra – viagem à origem
Conheça a trajetória do Queijo Canastra e histórias de pessoas que, cravadas nas montanhas da Serra, levam ao mundo a tradição gastronômica de muitas gerações de nossa terra.
Patrimônio cultural imaterial brasileiro, título concedido pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em 2008, o Queijo Canastra é um dos mais importantes produtos típicos de Minas Gerais. Durante nossa viagem pela Serra da Canastra, no Sudoeste do estado, bem perto do Triângulo Mineiro, visitamos quatro fazendas na cidade de São Roque de Minas, em busca deste sabor marcante.
O queijo mineiro da Serra da Canastra é feito, artesanalmente, de leite cru, o que lhe confere sabores mais complexos e uma cura melhor e mais rica. Produzido há mais de duzentos anos, ele é primo distante do queijo da Serra da Estrela, de Portugal, trazido pelos imigrantes da época do ciclo do ouro.
A ação da vigilância sanitária no Rock in Rio, quando os fiscais descartaram cerca de 160 quilos do produto que seria usado pela chef Roberta Sudbrack, eleita em 2015 a melhor chef da América Latina pela revista inglesa ‘Restaurant‘, colocou o foco sobre a comercialização do queijo artesanal no Brasil.
Esse tipo de queijo produzido na Serra da Canastra tem autorização para ser vendido em todo o Brasil, desde que tenha um selo atestando a qualidade da produção. A certificação de Registro de Indicação Geográfica do Queijo Minas Artesanal Canastra por parte do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) garante que somente os queijos artesanais produzidos nos municípios de Medeiros, São Roque de Minas, Vargem Bonita e determinadas regiões dos municípios de Piumhi, Delfinópolis, Bambuí e Tapiraí possam utilizar a denominação “Canastra”. Para isso, os produtores tiveram que adequar as antigas salas de produção e são constantemente fiscalizados por órgãos reguladores estaduais e federais.
O queijo nosso de cada dia, dai-nos sempre
Duas ações do Governo de Minas Gerais pretendem modernizar a legislação sanitária do Queijo Minas Artesanal. No dia 20 de setembro, o presidente da Emater-MG, Glenio Martins e o secretário do Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Pedro Leitão, estiveram na Câmara dos Deputados, em Brasília, participando de uma comitiva para promoção do queijo mineiro.
A grande questão é que muitos queijos artesanais, com selo de inspeção estadual, não têm o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF). Porém, isso não significa que sejam impróprios para o consumo. O objetivo da ação na capital federal foi angariar apoio dos parlamentares para acelerar uma proposta de lei, que já tramita na casa, regulamentando a produção e comercialização de queijos artesanais sem o selo do SIF.
A segunda ação partiu de uma mensagem do governador Fernando Pimentel à Assembleia Legislativa, encaminhando o Projeto de Lei (PL) 4.631/17, que dispõe sobre a produção e a comercialização de queijos artesanais no estado.
Terroir, o segredo do mineirim
A união de condições favoráveis como clima, altitude, pastos nativos e as águas límpidas da Canastra formam o terroir perfeito para a produção do Queijo Canastra. Vacas de vida digna, criadas junto aos filhotes, em um ambiente de paisagens deslumbrantes são importantes para a produção de um leite de qualidade, e, consequentemente, para a qualidade do queijo. Os animais se dirigem para o curral pela manhã, para a ordenha, e o leite é levado imediatamente para a queijaria, onde é adicionado o pingo, o fermento natural da fazenda recolhido da produção do dia anterior, e o coalho. A massa é modelada com as mãos e colocada em fôrmas redondas. Por cima, vai sal grosso. E por baixo, o soro escorre por 24 horas. Depois, os queijos descansam em prateleiras de madeira por 22 dias até poderem ser comercializados. O modo de fazer e a regionalidade garantem a certificação do Canastra.
Viagem à origem
Entre as quatro fazendas que visitamos, apenas uma ainda está se adequando para obter o selo de inspeção do Instituto Mineiro de Agropecuária e do Sistema Brasileiro de Inspeção (Sisbi). A produtora Júlia Vitória da Cunha, raçuda que só, criou o filho Vítor sozinha, quando ficou grávida aos 20 anos de idade e sofreu na pele o preconceito de ser mãe solteira. Decidida, passou a tirar leite das poucas vacas que tinha e fabricar queijo, “com amor”, conforme ela diz. Com o dinheiro que ganhava, foi comprando vacas e alimentando o sonho de se filiar a Aprocan (Associação dos Produtores do Queijo Canastra), presidida atualmente pelo produtor João Carlos Leite.
Quando a visitamos, ela estava construindo a própria queijaria em sua propriedade, cuja vista para a Cachoeira de Rolinhos, que pende do Parque da Serra da Canastra, é de tirar o fôlego. Júlia e o filho Vítor (hoje com 16 anos) têm um trabalho árduo todo dia e ajudam como serventes na obra da queijaria e escoam a produção de queijo já como afiliados da Associação. Como a propriedade deles fica a 1 hora e 20 minutos do Centro, com acesso por estradas de chão, quase não chegam visitantes até lá. Uma pena! Não conhecem a paisagem do local.
Medalha na França
Formado em veterinária, em 2011, o mestre queijeiro Guilherme Ferreira voltou às suas origens com o diploma e o desejo de aprimorar a produção, incentivando os produtores da região da Canastra, onde seus avós moravam. Ele representa a quinta geração da família que produz queijo artesanal. Em 2015, o queijo Estância Capim Canastra, produzido em São Roque de Minas, conquistou o segundo lugar em um dos principais concursos de queijos do mundo, realizado na França, o Mondial du Fromage de Tours. O produto foi o primeiro artesanal brasileiro a conquistar medalha no torneio e voltou a atenção do mundo para a Canastra.
A fazenda produz de 22 a 25 queijos artesanais por dia e, aos domingos, a coleta é reservada para fazer o “Canastra Patrão”, uma peça que leva 80 litros de leite. Quem quiser provar esta iguaria, precisa entrar numa lista de espera de 20 dias. Guilherme fornece o Capim Canastra para grandes chefs e casas especializadas em São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Entre seus clientes está ao renomado chef Alex Atala.
Queijo com fungo branco
O rebanho do Sítio Bela Vista, do produtor Ivair de Oliveira, se alimenta de pastos em um vale onde a umidade acentua o aparecimento do fungo característico da região. Este queijo se destaca pela aparência e maciez, fugindo do estereótipo do queijo mineiro amarelo de casca lisa. Ainda assim, um autêntico queijo mineiro de leite cru da Canastra, porém, com a presença do mofo branco. A massa é firme ao toque (mas cremosa na boca), com aroma marcante e sabor que pode ser delicado ou intenso. O Queijo do Ivair conquistou a medalha de bronze no II Prêmio Queijo Brasil, realizado no Semana Mesa SP. Embora o queijo leve o nome de seu produtor, a principal responsável por tanto sucesso é a esposa do Ivair, Lúcia, que insistiu muito para que ele aceitasse a superfície grisalha dos queijos. Teimando em manter a casca amarela, Ivair insistia em lavar seus produtos. Diante da aceitação dos consumidores, quedou-se. Seus queijos passaram a ter valor agregado e se gourmetizaram.
Canastra Real
Ao desembarcar na Roça da Cidade – a queijaria mais próxima do Centro de São Roque de Minas -, o visitante é conduzido para a Sala de Expedição de onde brotam queijos com várias idades de maturação. Entre um naco e outro, os atendentes explicam a fabricação do produto, permitindo comparações entre as nuances de sabores, dependendo do tempo em que foram feitos. O queijo canastra mais fresco tem notas mais ácidas e a proliferação de bactérias probióticas durante o processo de maturação muda o sabor e a textura do produto. Na Roça da Cidade, queijos com até 40 quilos são chamados de Canastra Real. Com seis meses de maturação, lembram bastante o gruyère e, a partir de nove meses, adquirem a consistência de um grana padano. O produtor João Leite, presidente da APROCAN e um dos mais entusiasmados em gerar valor agregado ao produto, resgatou este costume entre os antigos moradores da Canastra.
Bom de papo, conhecedor das histórias do local, Joãozinho, como é conhecido, viaja, vai a Brasília participar de audiências públicas sobre o queijo artesanal e é um ativista atuante na região. Ele nos recebeu na Canastra como um pai que abre a porta de casa a um filho. Com toda sua mineiridade e articulação, possibilitou que nossa equipe chegasse às fazendas para contar não só a trajetória do queijo, mas também as histórias dessas pessoas, que, cravadas nas montanhas da Serra, levam ao mundo a tradição gastronômica de muitas gerações de nossa terra.
O escritor Guimarães Rosa já sabia, “Minas são muitas”, assim como muitos são os queijos canastras. Se reuníssemos todos os produtores desta iguaria, daria pra ficar uns três anos degustando e analisando suas especificidades. No próximo sábado, dia 07 de outubro, vamos apresentar outra riqueza daquela região: o Parque Nacional da Serra da Canastra.
Entre em contato com os produtores
Júlia Vitória
Fazenda Posses, Estrada Municipal São Roque de Minas. Via Leites, km 42. Região Serrinha. São Roque de Minas – MG, 37928-000
Telefone: (37) 98840-3138
Guilherme Ferreira
Fazenda Capim Canastra, 3,5 km de São Roque de Minas, Região da Serra da Canastra, MG.
Telefone: (19) 99213-8658
Ivair de Oliveira
Sítio Bela Vista, estrada Municipal São Roque de Minas / Vargem Grande, Km 9 – zona rural, São Roque de Minas – MG, 37928-000
Telefone (37) 99958-1369
João Carlos Leite
Roça da Cidade, 1 km de São Roque de Minas, Região da Serra da Canastra, MG, Brasil
Telefone: (37) 98829-0076