Porta aberta

Em São Paulo, repercute proposta de retirada da meia-entrada em eventos. O direito regulamentado pela constituição, no entanto, promove o acesso e contribui para a formação de público, enquanto outras soluções para o setor não são apontadas


Por Renan Ribeiro

29/10/2021 às 07h00

Em São Paulo, o projeto de lei que retira a meia-entrada para estudantes e idosos foi aprovado pela Assembleia Legislativa e deve ser encaminhado para avaliação e sanção do Governador, ainda que matéria seja regulamentada por uma lei federal. A justificativa do propositor da medida Arthur do Val (Patriotas), segundo o noticiário nacional, é a de que a meia-entrada deva valer para todos, embora o setor não garanta que, com o suposto fim do benefício, os valores de ingressos para shows, exposições, peças de teatro, jogos esportivos, entre outros produtos culturais, esportivos e de lazer sejam reajustados.

Em um mundo ideal, todos esses bens deveriam ser acessíveis para toda a população, independente de qualquer outro critério que se pudesse citar. Mas o nosso país amplia, a cada dia, o abismo de desigualdades que o forma e impede que ir a uma apresentação, ou comparecer a uma sala de cinema comercial possa caber no orçamento das famílias com menos recursos.

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A meia-entrada, até aqui, permitiu que jovens e idosos tivessem a chance de imaginar outros futuros e mundos possíveis, pudessem se emocionar, refletir, se divertir e ampliar seus repertórios por meio do contato com a arte, que é fundamental para a formação de qualquer cidadão.

Acredito, particularmente, que suspender a meia entrada, que poderia ser visto como uma forma de aumentar a arrecadação nas bilheterias, também pode contribuir, em outra via, para um esvaziamento ainda maior do setor, que já está muito fragilizado em função da pandemia. Algo que pode ter reflexos graves na formação de público e afastar mais pessoas dessas atividades.

Quando era estudante, embora contasse com poucos recursos, com a meia-entrada, pude ter contato com muitos universos com os quais jamais teria proximidade de outra forma. Havia outras urgências que não me permitiriam investir dinheiro em ingressos com valor inteiro. A meia-entrada, para mim, foi uma porta aberta.
Por conta dessas oportunidades, hoje, sei que em alguns momentos, tenho condições de estar em locais como o Cine-Theatro Central, pagando o valor cheio. Entender-me pertencente a esses espaços é algo que aprendi também por conta da meia-entrada. Além do contato com a programação cultural da cidade, que em sua maior parte, conta com ações com participação gratuita.

Descobri muito tarde que meus pais nunca tinham assistido a uma peça de teatro. Se pude apresentar essa experiência a eles, eu agradeço à meia-entrada, que me fez entender a importância de que todos tenham a possibilidade de assistir espetáculos.

Entendo que há muito o que avançar para que todos possam enriquecer as suas experiências pessoais por meio do acesso. Também é preciso pensar em como melhorar as condições de trabalho para quem tem a arte como ganha-pão, especialmente os profissionais que vivem de iniciativas independentes, que nesse momento são os que mais precisam de atenção e apoio.

Não sei se consigo pensar na extinção da meia-entrada como um caminho para ampliar a presença do público, já que não há qualquer garantia de que isso vá ocorrer, de fato. Mas desejo ver cada vez mais jovens e idosos dessa geração nas plateias de todo o país, desfrutando da maior riqueza que o nosso país produz. Essa discussão vai longe e eu torço para que em algum ponto dessa trajetória surjam ideias capazes de tornar o acesso cada vez mais viável para toda a população.

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