Remédio para a alma
Os Médicos do Barulho começam a voltar a fazer visitas aos hospitais. Eles levam pílulas de alegria que ficaram guardadas por tempo demais. A melhora dos indicadores da pandemia de Covid-19 volta a permitir os encontros, celebrados por pacientes e voluntários
Zapeava distraidamente a programação da TV, quando a cena apareceu. Reparei imediatamente nos instrumentos. Havia um tambor, um triângulo, uma sanfona, um violão e outros que o meu raso conhecimento musical não permitiu identificar. Vestidos com jalecos brancos e com os rostos pintados como palhaços, eles entraram em uma ala de hospital, fazendo festa.
Era uma matéria em que a equipe acompanhava o retorno dos Doutores da Alegria aos hospitais públicos do país. O período pandêmico levou as cores, as risadas e aquela bagunça gostosa desses ambientes. A queda dos índices de internação e de mortes pela Covid-19 permite, aos poucos, que iniciativas como essa sejam retomadas gradualmente.
Àquela altura, a reportagem tinha me pegado. Os pacientes demonstravam com um balançar de corpo, um movimento de cabeça, lágrimas e palmas o quanto aquele gesto desperta de vida neles. E os voluntários do projeto seguiam entrando em outros espaços, levando música e atenção às pessoas, muitas vivendo momentos de grande vulnerabilidade.
Decerto que cada um recebe a ação de uma forma diferente. Eu mesmo, quando passei por uma internação na adolescência, não tive muita paciência para entender o que esse trabalho representa. Minha cabeça estava na possibilidade de alta, que me permitisse estar na casa do meu avô a tempo de participar da festa da véspera do Natal, que por lá era bem animada na época. Desejei que aquela fosse, de fato, uma ‘visita de médico’ e que o especialista que cuidava do meu caso viesse logo para me liberar.
Hoje, com mais maturidade, consigo acessar com mais consciência a relevância da iniciativa. Os remédios e os tratamentos médicos não são os únicos recursos para curar os problemas que enfrentamos. Uma das pacientes deixou isso bem claro, quando disse que a visita ‘era um remédio para a alma’.
Além de cuidar e estar atento às necessidades dos nossos corpos, também é fundamental alimentar e tratar as nossas necessidades subjetivas. Foi nesse sentido que eu finalmente entendi que o que pode estar faltando, às vezes, e eu não conseguia nomear, pode ser encontrado numa música, em uma palavra, no toque, no contato, no abraço, na presença, no olhar. É a oportunidade de se inspirar em algo humano, que nos toque e nos desperte para ver as coisas de forma diferente. Se tivermos um pouco de sapiência, conseguimos encontrar esses elementos, até mesmo em um quarto de hospital.